A alemã de origem romena Herta Müller recebeu no último dia 8 de outubro o Prêmio Nobel de Literatura de 2009 em uma decisão que surpreendeu a crítica, não só pela pouca idade da autora, 56 anos, mas por ela ser pouco conhecida fora de Europa, onde chamou a atenção em 1982, ao lançar na Romênia a coletânea de contos Niederungen (Terras Baixas, inédito no Brasil).
Herta Müller é a 12.ª escritora a ser premiada com o Nobel, em uma edição que teve cinco mulheres vencedoras, entre elas, a primeira economista a receber um Nobel, a professora Elinor Ostrom, da Universidade de Indiana.
Criado em 1901, ao longo das décadas a láurea criada pela Academia Sueca concedeu 101 prêmios de literatura – 89 deles em posse de homens. Mas, já em 1909, a primeira mulher recebeu a distinção: a sueca Selma Lagerlöf (leia quadro nesta pégina).
Mesmo sendo bem poucas, “elas” pontuaram a história do Nobel literário. A Lagerlöf seguiram-se a italiana Grazia Deledda (1926), a norueguesa Sigrid Undset (1928), a norte-americana Pearl Buck (1938), a chilena Gabriela Mistral (1945), a sueca Nelly Sachs (1966), a sul-africana Nadine Gordimer (1991), a norte-americana Toni Morrison (1993), a polonesa Wislawa Szymborska (1996), a austríaca Elfriede Jelinek (2004), a inglesa Doris Lessing (2007) e, finalmente, Herta Müller.
A escritora Marina Colasanti, autora de mais de 30 obras, entre elas Fragatas para Terras Distantes, de 2004, diz que basta ler as manchetes dos jornais anunciando os vencedores para se verificar a desigualdade que ainda pesa entre homens e mulheres. São títulos que enfatizam o gênero como “Primeira mulher a vencer o Nobel de Economia” ou “Uma mulher vence o Nobel de Literatura”.
Se, em 1909, uma época em que as mulheres eram tão pouco estimuladas a realizar atividades intelectuais, o Nobel foi concedido à Lagerlöf, porque o número de vencedoras não aumentou à medida que as mulheres foram conquistando seus direitos?
“É um conjunto de fatores ainda ligados à sociedade patriarcal, cujo desmonte é lento e trabalhoso. Houve de fato modificações intensas, mas precisam de muitos séculos para se estruturar. Os avanços não são feitos em linha reta e constante como um trem. Houve períodos de arrefecimento, outros mais intensos, e agora vivemos um novo momento de arrefecimento, em que há um silêncio sobre essas questões. No Brasil isso é flagrante”, diz Marina.
Para a professora do Departamento de Literatura Italiana da Universidade Federal do Paraná, Lucia Sgobaro Zanette, “tanto a produção artística como a científica das mulheres é, de uma certa maneira, menos valorizada, as mulheres ainda estão conquistando espaço e voz. Nesse sentido, a obra de Grazia Deledda é exemplar, pois ela dá espaço e voz a uma determinada realidade muito peculiar, a da Sardenha, através de uma apurada e atenta sensibilidade feminina”.
Marina Colasanti afirma que, para que mais mulheres ganhem o Nobel, é necessário que as mulheres sejam avaliadas “exatamente como são os homens, desde a primeira leitura de um original passando pelo processo editorial, de crítica, e sem o véu de preconceito que ainda existe”.
Diversidade temática
Criada na comunidade alemã da cidade romena de Nitchidorf, Herta Müller criticou a ditadura de Nicolau Ceausescu e foi perseguida pela polícia secreta. Em 1987, fugiu para a Alemanha com o marido. Sua trajetória e sua obra coadunam-se com a lógica da Academia Sueca de laurear autores que usam a literatura como elemento transformador.
Entre as mulheres, há casos exemplares como o da norte-americana Toni Morrison, vencedora do Nobel de 1993, que em seus romances relata as experiências dolorosas das mulheres negras nos Estados Unidos dos séculos 19 e 20. Amada, por exemplo, é uma narrativa inspirada em uma notícia que Morrison leu no jornal sobre uma escrava fugitiva que cortou a garganta da filha para evitar que ela tivesse o mesmo destino. Adaptado para o cinema no filme Bem-Amada, de 1998, com Oprah Winfrey e Danny Glover, o romance é o primeiro de uma trilogia, formada por Jazz e Paraíso, e rendeu à autora o Prêmio Pulitzer de melhor ficção.
Doris Lessing, a pessoa mais idosa a receber o Nobel literário, em 2007, aos 86 anos, deixa entrever em sua obra a influência de seus anos na África. Devido a campanhas públicas que encampou contra as armas nucleares e o regime de apartheid na África do Sul, foi banida daquele país e da Rodésia durante muitos anos. A autora foi anunciada durante a premiação como “contadora épica da experiência feminina que, com ceticismo, ardor e uma força visionária escrutinou uma civilização dividida”.
A italiana Maria Grazia Cosima Deledda escreveu essencialmente sobre sua terra natal, a Sardenha, “principalmente sobre a sabedoria profunda e autêntica e a maneira de viver quase religiosa de certos pastores sardos”, como ela própria escreveu. “Deledda se empenhou para colocar a Sardenha no circuito da grande literatura europeia e, por isso, a crítica insiste em fazer um paralelo entre ela e os escritores russos. Assim como eles tinham introduzido a língua e as tradições orais russas na própria literatura, ela estava fazendo com a língua e as tradições da Sardenha”, diz Lucia Sgobaro.
“São mulheres de muitas atuações, que nem sempre colocam questões femininas em seu trabalho. Mas, de qualquer maneira, o feminino aparece toda vez que a autora é uma mulher. O próprio fato de ela ganhar um Nobel enriquece a imagem do gênero feminino”, diz Marina Colasanti.
Mesmo quando premia mulheres, o Nobel revela desigualdades. A maioria das escritoras distinguidas com a láurea são europeias, com poucas exceções: a sul-africana Nadine Gordimer (1991), a chilena Gabriela Mistral (1945) e as norte-americanas Pearl Buck (1938) e Toni Morrison.
FONTE (foto incluída): Gazeta do Povo Online - Curitiba,PR,Brazil
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