terça-feira, outubro 20, 2009

As oferendas líricas de Tagore


As oferendas líricas de Tagore
Postado em 16 de outubro de 2009 por Vasco

Minhas dívidas são grandes, minhas falhas são enormes e a minha vergonha é secreta e pesada. Todavia, quando venho pedir um benefício, tremo de medo de que a minha súplica seja atendida.
Rabindranath Tagore
[Tagore, Rabindranath. Gitanjali (oferenda lírica). Tradução de Ivo Storniolo. 2ª. ed. São Paulo: Paulus, 1991, poema 28.]
Na semana passada postei neste blog um texto sobre Rabindranath Tagore. Na ocasião citei alguns comentários do poeta a respeito de Cristo. Hoje, conforme prometido naquela ocasião, volto a Tagore para comentar o livro que é considerado por muitos críticos e estudiosos sua obra-prima, e que o tornaria conhecido no Ocidente ao ser traduzido, pelo próprio autor, para o inglês. Refiro-me a Gitanjali (pronuncia-se guitánjali), cujo título foi traduzido como “Oferenda lírica”.
Gitanjali é, todo ele, um grandioso canto de amor a Deus. Nele, Tagore revela toda a força da sua mística e da sua incansável busca de Deus. Este Deus que é tanto mais ansiado e procurado quanto mais se esconde. Por isso, Tagore o denomina Senhor do silêncio. Eis aí a pedra de toque do poema tagoriano. Em Tagore, Deus é uma figura paradoxal, porque, simultaneamente, se revela e se esconde. É algo assim como se Ele aparecesse sempre na semiobscuridade, num lusco-fusco em que só se dá a conhecer parcialmente. No poema 19, reclama Tagore, como num lamento:
“Se não falas, vou encher o meu coração com o teu silêncio, esperando, como a noite em sua vigília estrelada, com a cabeça pacientemente As oferendas líricas de Tagore
Postado em 16 de outubro de 2009 por Vasco
Minhas dívidas são grandes, minhas falhas são enormes e a minha vergonha é secreta e pesada. Todavia, quando venho pedir um benefício, tremo de medo de que a minha súplica seja atendida.
Rabindranath Tagore
[Tagore, Rabindranath. Gitanjali (oferenda lírica). Tradução de Ivo Storniolo. 2ª. ed. São Paulo: Paulus, 1991, poema 28.]

Na semana passada postei neste blog um texto sobre Rabindranath Tagore. Na ocasião citei alguns comentários do poeta a respeito de Cristo. Hoje, conforme prometido naquela ocasião, volto a Tagore para comentar o livro que é considerado por muitos críticos e estudiosos sua obra-prima, e que o tornaria conhecido no Ocidente ao ser traduzido, pelo próprio autor, para o inglês. Refiro-me a Gitanjali (pronuncia-se guitánjali), cujo título foi traduzido como “Oferenda lírica”.

Gitanjali é, todo ele, um grandioso canto de amor a Deus. Nele, Tagore revela toda a força da sua mística e da sua incansável busca de Deus. Este Deus que é tanto mais ansiado e procurado quanto mais se esconde. Por isso, Tagore o denomina Senhor do silêncio. Eis aí a pedra de toque do poema tagoriano. Em Tagore, Deus é uma figura paradoxal, porque, simultaneamente, se revela e se esconde. É algo assim como se Ele aparecesse sempre na semiobscuridade, num lusco-fusco em que só se dá a conhecer parcialmente. No poema 19, reclama Tagore, como num lamento:

“Se não falas, vou encher o meu coração com o teu silêncio, esperando, como a noite em sua vigília estrelada, com a cabeça pacientemente

inclinada”. E, no poema 39, suplica: “Quando o trabalho tumultuoso espalhar por toda parte o seu ruído, isolando-me do além, vem a mim, Senhor do silêncio, com a tua paz e serenidade”.

Para quem conhece a poesia de São João da Cruz, é impossível passar despercebida a semelhança entre os versos do místico espanhol no Cântico Espiritual e aqueles do poeta bengalense expressos no poema 41. Indaga Tagore no início do poema:

“Onde estás, meu amor? Por que te escondes na sombra, por trás de todos? Eles te empurram e passam por ti na estrada poeirenta, pensando que não és ninguém. E eu fico aqui, esperando por horas intermináveis, com as minhas oferendas para ti; os passantes chegam, tomam as minhas flores uma por uma, e a minha cesta já está quase vazia”.

O Doutor Místico, por sua vez, exclama, em tom indagativo: “1. Onde é que te escondeste,/ Amado, e me deixaste com gemido?/ Como o cervo fugiste,/ Havendo-me ferido;/ Saí, por ti clamando, e eras já ido./ 2. Pastores que subirdes/ Além, pelas malhadas, ao Outeiro,/ Se, porventura, virdes/ Aquele a quem mais quero,/ Dizei-lhe que adoeço, peno e morro./ 3. Buscando meus amores,/ Irei por estes montes e ribeiras;/ Não colherei as flores,/ Nem temerei as feras,/ E passarei os fortes e fronteiras” (São João da Cruz. Cântico Espiritual. Em: Obras Completas. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984, p. 30).

A propósito do Gitanjali, escreveu Ivo Storniolo no prólogo para a tradução da editora Paulus: “Poderíamos ler este livro em apenas uma hora. Nós o consumiríamos, mas talvez não iríamos perceber o que ele tem a nos dizer, nem a escola de vida que nele se esconde: redescoberta da natureza, percepção do tempo, mistério das relações, demitização das ilusões, anseio pelo absoluto, alegria de descobrir-se amado por tudo e, por trás de tudo, amado por Deus.
“Gitanjali”, conclui Storniolo, “não é um romance, mas livro de vida. É para ser lido pouco a pouco, conferindo a cada momento a percepção poética e mística do autor com a experiência que temos da nossa vida. Ele começa comparando-se com um instrumento nas mãos de Deus (Gitanjali, 1). Ao terminar, ele exclama: “Ó meu Deus, permite que todos os meus sentidos se dilatem, e eu farei este mundo roçar os teus pés, numa derradeira saudação a ti” (Gitanjali, 103). Oxalá cada um de nós possa dizer o mesmo, não mais com as palavras de Tagore, mas com a própria vida” (p. VIII/IX).

Para concluir, quero fazer aqui uma revelação. Enquanto transcrevia os trechos em que comparo Tagore e São João da Cruz, por duas vezes tive que interromper o texto. A primeira, para pegar lenço de papel; a segunda, para lavar o rosto. Em ambas as ocasiões, os meus olhos ficaram tão marejados, que não conseguia distinguir as letras do teclado. É assim que me acontece algumas vezes em que volto aos escritos destes dois grandes expoentes da mística. Embriagados pela busca do Divino, eles cantam. Quanto a mim, um reles e insignificante mortal, silencio e choro à leitura de seus extasiantes versos.



FONTE: de Vasco

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