Jornal publica conto inédito de Agatha Christie
Em 'A captura do cérbero', o famoso detetive Hercule Poirot, protagonista dos romances de Christie, investiga nazistas
Danilo Venticinque
Trinta e quatro anos após sua morte no romance Cai o pano, com direito a obituário na primeira página do The New York Times, o detetive Hercule Poirot está de volta à ativa. O baixinho belga é o protagonista de dois contos inéditos de Agatha Christie, descobertos pelo escritor John Curran depois de quatro anos de pesquisas nos arquivos da autora. As histórias farão parte do livro Agatha Christie's Secret Notebooks (Os cadernos secretos de Agatha Christie), que reúne rascunhos e versões iniciais de diversos romances da escritora, espalhados em 73 cadernos manuscritos.
Apesar de a obra ser fictícia, os personagens são fortemente inspirados em personalidades históricas da 2ª Guerra. Em uma Europa dividida pelo fanatismo, o ditador nazista August Hertzlein usa seu carisma e sua oratória para inflamar o povo de seu país e empurrá-lo para o conflito armado. Seu aliado, Bondolini, não tem a mesma força, mas também está pronto para levar o seu país para a batalha.
Ao ler o texto, é inevitável substituir os nomes dos personagens por seus correspondentes históricos. As semelhanças com a realidade não duram muito. Em um atentado durante um comício, Hertzlein é baleado e morre. O jovem Hans Lutzmann é acusado pelo crime e linchado pela multidão. O ditador torna-se um mártir, e o país avança para a guerra com ainda mais força.
Inconformado com a morte de seu filho e com as circunstâncias duvidosas que envolvem o atentado, o pai de Lutzmann decide chamar Hercule Poirot para investigar o incidente. Em poucos dias, o detetive chega a uma descoberta que pode mudar, mais uma vez, o destino da Europa.
Escrito em 1939, o conto retrata as tensões e as incertezas vividas pelo continente no período anterior à 2ª Guerra, além de reproduzir alguns boatos e crenças infundadas da época – como, por exemplo, a possibilidade de Hitler se converter ao cristianismo e liderar um esforço pela paz. O evidente teor político da história impediu que ela fosse publicada na ocasião.
Setenta anos depois, a visão de Agatha Christie perdeu todo o seu tom de provocação política para tornar-se quase ingênuo, ao mostrar que ainda havia quem acreditasse em uma solução pacífica para os conflitos da efervescente Europa de 1939. Uma ilusão que acabaria em setembro do mesmo ano, com o ataque alemão à Polônia e o início de uma guerra que somente Poirot, nos cadernos de Christie, foi capaz de evitar.