terça-feira, dezembro 21, 2010

Entrevista: “A poesia tem se de ser livre para se criar dentro da tradição e romper com elas”, diz Bonvicino



A estrutura do livro é semelhante à de um blog: ela vai dos textos mais recentes aos mais antigos. Há alguma referência à internet?

Gozado, eu não tinha pensado nisso. Lembra mesmo um blog. Na verdade, eu me baseei no jeito como o João Cabral de Melo Neto organizou as suas Poesias Completas (livro lançado pela primeira vez em 1968, pela editora Sabiá). Ele ia da produção mais recente para a mais antiga, porque o presente fala do passado. Eu acho inovador esse jeito de estruturar o livro usado pelo João Cabral, que é talvez o maior poeta brasileiro de todos os tempos, juntamente com o Drummond e o Murilo Mendes. Mas a referência ao blog é interessante. Eu acho a internet a coisa mais espetacular que eu já vi acontecer, mais até que a chegada do homem à Lua. Nós estamos vivendo um período revolucionário, embora as pessoas nem se deem conta disso. Há muitas plataformas e possibilidades.

Qual influência o movimento concreto teve sobre a sua poesia?

Se eu tiver que falar em influência, minha poesia não valeu nada. Minha poesia é diferente disso tudo. Um autor deve trabalhar com a ideia de diálogo. Influência é submissão. Eu nunca fui submisso a nada. Tenho afinidades ideológicas, mas não de resultado com os concretistas. Não gosto de fazer aquelas coisas que eles fazem, poema visual, multimídia, esse não é o meu campo. Gosto do diálogo que eles tiveram, nos anos 1950 e 60, com o mundo. Eles traduziram bastante coisa e colocaram a literatura brasileira no mapa internacional. O Brasil é provinciano, os escritores queimam o capital da tradição, ficam repetindo Drummond, Cabral, Bandeira e hoje em dia nem isso mais. Os concretistas ergueram a cabeça para fora do Brasil, e isso foi de fato importante. Eu também gosto de textos deles, mas o que posso dizer é apenas que tive um diálogo com a poesia concreta no meu começo de produção, mais nada. Do mesmo modo que tive diálogos com Caetano Veloso, com a Tropicália, Bob Dylan (cujos versos “But you’re gonna have to serve somebody, yes indeed” abrem Até Agora), John Lennon, Jimmy Hendrix. Eu gostava de rock, mas não tinha vontade de escrever letra de música. Tinha vontade de criar uma poesia minha, no papel. Não tinha vontade de trabalhar multimídia.

Que diálogos foram mais relevantes para a sua produção?

No primeiro momento, há tropicalismo com concretismo. Depois, Régis só, e por fim um Régis mais avant-garde, fora dos costumes avant-garde daqui. A fase atual, que considero a mais rica em inovações e experimentações fora do alcance da tradição brasileira, é marcada por diálogos com a poesia de Black Mountain College (Robert Creeley), com o objetivismo americano de um George Oppen (primeira metade do século) e com poetas como Creeley, Michael Palmer, Charles Bernstei, Claude Royet-Journoud, Arkadii Dragomoshenko (Rússia) e Yao Feng (China). Um dos meus livros de que eu mais gosto foi feito com Yao Feng, Um Barco Remenda o Mar, que e reúne a produção de dez poetas contemporâneos chineses.

E a produção brasileira atual, como o senhor a vê?

A cultura brasileira, de modo geral, me desanima. Eu não gosto desse tempo atual, acho muito medíocre. O Brasil cantado por Lula só existe na cabeça dele. O Brasil é um país precário, sem cultura. Os artistas estão cooptados pela Lei Rouanet, tanto que tem esse manifesto Fica Juca (referente ao ministro da Cultura, Juca Ferreira). Para mim, artista deve ser independente, não pode estar vinculado a nenhum governo, para poder ser crítico do mundo e da situação brasileira, que é muito mediana. No Brasil, faz sucesso quem dá o seu pior. É uma regra que vale para toda a cultura brasileira: ela está estagnada e cooptada. E prêmios como o Portugal Telecom também cooptam artistas, que ficam bajulando a empresa e promovendo a sua marca. Eu prefiro o Prêmio São Paulo de Literatura e o Jabuti.

O que o senhor achou da polêmica em torno do Jabuti entregue a Chico Buarque?

Acho que Chico Buarque ganhar prêmio literário no Brasil fala da decadência da cultura nacional. Ele é um péssimo narrador. Eu não consigo ouvir suas músicas há trinta anos. Ele teve um papel importante com a canção de protesto na época da ditadura. Mas só venceu o Portugal Telecom, por exemplo, porque é uma forma de a empresa ampliar o alcance da marca.

Não há ninguém que se salve no cenário literário atual?

Há, sim. Embora a prosa brasileira esteja caída, tem gente legal, como Reinaldo Moraes e Pornopopeia. Ele é o cara que melhor domina hoje o fluxo narrativo. Ele tem um domínio do idioma e uma clareza no texto que me lembra a maestria do Nelson Rodrigues. Ele, sim, merecia ganhar um prêmio. Eu digo isso apesar de me lixar para prêmios. Prêmio faz bem para premiador, não para a literatura. Precisamos resolver questões culturais do país, como a precariedade da educação, sem isso não há literatura.

Como o senhor vê a crítica literária que se faz no Brasil?

Não há crítica literária no Brasil. Ela é praticamente feita de resenhas-release, de 3.000 toques, um espaço em que não é possível analisar coisa nenhuma.

No prefácio do seu livro, o professor de literatura da USP João Adolfo Hansen diz que não é possível fazer uma gramática própria da poesia. O senhor concorda?

Sim, porque, se você quer inventar, você não pode ter uma poesia dedutível. A poesia tem se de ser livre para poder se criar dentro de concepções da tradição, até para poder romper com elas.


Maria Carolina Maia

FONTE: VEJA
URL FONTE: http://veja.abril.com.br/
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http://veja.abril.com.br/blog/meus-livros/entrevista/entrevista-a-poesia-tem-se-de-ser-livre-para-se-criar-dentro-da-tradicao-e-romper-com-elas-diz-bonvicino/

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