segunda-feira, maio 11, 2009

Emily Dickinson e a voz da imortalidade


6/5/2009 17:05:00

Emily Dickinson e a voz da imortalidade

Por Pedro Maciel
Quanto mais nobre o gênio menos nobre o destino
um gênio pequeno alcança a fama
um grande gênio alcança o descrédito
um gênio ainda maior alcança o desespero
um deus é crucificado

Fernando Pessoa
Emily Dickinson (1830/1886) inaugura a fase moderna da poesia norte-americana. Coube a ela, com suas imagens e visões, criar uma nova estética. Emily tratou de temas universais, como a vida e a renúncia, o amor e a dor, a fé e Deus e, sobretudo, a imortalidade. Emily, com seu espírito atormentado, e desesperançado abordou ao mesmo tempo a morte e a imortalidade. Aflorou suas agonias e êxtases para transcender desse mundo rotineiro e banal: “Viver é assombroso, nem deixa lugar para qualquer outra ocupação”. Ela viveu reclusa quase a vida toda na cidade onde morava, Amherst, em Massachusetts.
Emily não publicou nenhum livro em vida. Em 1862 o crítico Thomas Higginson recebia uma carta da poeta pedindo sua opinião sobre quatro poemas. O crítico ficou perplexo com as inovações estéticas e escreveu-lhe pedindo para adiar a publicação dos poemas. Emily respondeu: “Sorrio quando você sugere que eu protele a “publicação” _ o que está longe de meus projetos, como o firmamento dos dedos _ se eu conhecesse a fama, eu não poderia fugir a ela _ se não a conhecesse, ela me perseguiria o dia inteiro _ e eu perderia a aprovação de meu cachorro _ minha condição de mendigo é melhor.”
Os poemas de Emily foram publicados em 1890, quatro anos após a sua morte, numa edição de 480 exemplares, custeados pela sua irmã mais nova. Só em 1954 toda a sua obra (1.775 poemas), ganha uma edição completa e definitiva. Os editores e críticos alegavam que “os poemas são bizarros e as rimas enviesadas”.
Poeta “inspirada”, incompreendida em sua época, seus versos revelam a ruptura do ritmo cadenciado dos românticos, a sintaxe telegráfica, a condensação do pensamento e mostram a livre pontuação com travessões, substituindo os pontos e vírgulas e criando poemas fragmentados, já totalmente modernos.
“50 Poemas”, de Emily Dickinson (Ed. Imago), traduzidos por Isa Marà Lando, infelizmente, é um equívoco de interpretação. Os poemas se perdem na busca do ritmo e das idéias que jogam com a analogia, essência do método dickinsoniano de poetar.
Talvez o poeta devesse ser traduzido apenas por um outro poeta. Afinal, nem todos dominam a melodia “controlada por palavras-chave, cada parte expressando o todo”, e nem a alteração da batida métrica que “retarda ou acelera o próprio tempo” _ dimensões que nem sempre são apreendidas pelos tradutores ou críticos.
No Brasil, Augusto de Campos, em “O anticrítico” (Cia das Letras) e Ana Cristina César, tradutora de alguns poemas publicados em suplementos, conseguiram transcriar a densidade de Dickinson. “Emily é intraduzível, e em português mais do que qualquer outra língua. Tínhamos alguma suspeita disso. Terrível Emily! Realiza o máximo de magia com o mínimo de sons...”, anotou o crítico Paulo Rónai na introdução de “Uma centena de poemas”, tradução de Aíla de Oliveira Gomes (Queiroz Editor).
Para concluir esta breve notícia sobre a poesia de Emily Dickinson, é bom ressaltar que, ela e Walt Whitman (os dois principais nomes da poesia norte-americana do século 19), não falam a mesma língua poética. Emily filia-se à tradição apolínea, ao contrário de Walt Whitman, autor do épico Leaves of Grass, poeta dionisíaco, peregrino, uma espécie de avô dos beats, cantador que mapeou a nova terra americana.
Enquanto Emily é poeta dos monossílabos, da linguagem sintética, das verdades nas entrelinhas: “Dizer toda a verdade, mas obliquamente”. Na poesia de Emily os versos falam baixo, fazem um silêncio quase religioso. Não há lamento, choradeira ou autopiedade, e sim a experiência sensível, pronta para resgatar o mundo metafísico e lúdico para o nível humano, demasiadamente humano.


***

Duas versões para um mesmo poema


Quem está morrendo, amor,
Precisa de tão pouco:
Um copo d’água, o Rosto
Discreto de uma Flor,

Um Leque, talvez, Uma Dor Amiga,
E a Certeza que nenhuma cor
Do Arco-Íris perceba
Quando embora for.

(Tradução de Ana Cristina César)



The Dying need but little, Dear

The Dying need but little, Dear,
A Glass of Water’s all,
A Flower’s unobtrusive face
To punctuate the Wall,

A Fan, perhaps, a Friend’s Regret
And Certainty that one
No color in the Rainbow
Perceive, when you are gone.



Quem morre, Querido, de pouco precisa

Quem morre, Querido, de pouco precisa
Apenas um Copo d’Água
O Rosto discreto da flor
Pontuando a Parede lisa,
Um Leque, talvez, do Amigo a Mágoa
E a certeza de que alguém
No Arco-Íris não verá mais cor
Depois que você se for.

(Tradução de Isa Marà Lando)


[Publicado no caderno” Idéias/Livros”, Jornal do Brasil.]


Pedro Maciel participa da antologia de contistas brasileiros “Il Brasile per le strada (Editora Azimut), lançada na Itália em março de 2009. É autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil. Segundo Ivo Barroso, "Pedro Maciel nos faz acreditar na possibilidade de que a literatura brasileira possa ainda nos apresentar alguma coisa de novo que, curiosamente, remonta à própria arte de escrever: o estilo. Seu livro "A Hora dos Náufragos" nos perturba pela força de sua linguagem. O que há de mais próximo desse livro seriam os famosos "fusées" de Baudelaire". E-mail: pedro_maciel@uol.com.br

FONTE: Portal CRONÓPIOS - Ano 5
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FOTO in http://linguistics.byu.edu/
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Um comentário:

  1. Anônimo8:33 AM

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