sexta-feira, abril 03, 2009

Valsa com Bashir


Valsa com Bashir
(Vals Im Bashir / Waltz With Bashir, 2008)
Data: 02 de Abril de 2009
Por: Pablo Cordeiro
Nenhum outro título cairia tão bem para “Valsa com Bashir” quanto este escolhido pelo diretor e roteirista Ari Folman. A delicadeza do estilo musical está em contraste a todos os horrores da invasão israelense ao Líbano em 1982. “Valsa com Bashir” é um documentário animado que joga no público o verdadeiro sentido de uma guerra: nenhum.

Vencedor de Melhor Filme Estrangeiro no Globo de Ouro e indicado para o mesmo prêmio no Oscar, “Valsa com Bashir” narra a busca de Folman, que no longa interpreta a si próprio, pelas lembranças esquecidas do fatídico período em que serviu ao exército israelense, durante a intervenção de Israel na Guerra Civil Libanesa. Acontecimento que teve início com a tomada e quase total destruição de Beirute e o conseguinte massacre de Sabra e Shatila, conflito em que as forças israelitas massacraram cerca de 3 mil e 500 civis palestinos e refugiados ao decorrer de três dias. Durante o ataque, o então eleito presidente do Líbano, Bashir Gemayel, foi assassinado antes de assumir o cargo.
Sem qualquer esclarecimento ou introdução à situação descrita acima, o que justamente dá mais charme e sentido à trama, “Valsa com Bashir” se inicia com uma simbólica cena em que 26 cachorros raivosos rumam em direção ao apartamento de um sujeito em busca de vingança. Momentos seguintes, o sujeito está conversando com Folman, explicando a persistência do pesadelo proveniente do trauma do conflito. Este é o início da busca por esclarecimentos das memórias perdidas, que como o próprio personagem descreve: “foram apagadas pelo sistema”.
Após a breve metalinguagem, Folman vai ao encontro de velhos amigos – sete verdadeiros e dois de ficção - que serviram consigo no exército em busca de iluminação. Ele vai atrás de um advogado, um bem sucedido vendedor de falafel (comida típica do Oriente Médio) residente na Holanda, um praticante de artes marciais e um sobrevivente que viu seu pelotão ser dizimado. À medida que compartilha novas visões sobre aquilo que busca, ele começa a recordar de pequenas cenas sem sentido. Durante as breves conversas, as recordações se mostram confusas, inclusive as passagens descritas por seus companheiros, o que já introduz a questão de confusão na própria concepção da guerra sem sentido.
A partir desses flashes, o conflito é esmiuçado de dentro. Não de um telespectador que ficou sabendo da história, mas sim dos próprios soldados que viveram aquilo. Esse é o ponto chave da narrativa. Folman coloca em oposição a questão da guerra com o real sentido que ela representa para quem está nela. Os entrevistados deixam em evidência o desconhecimento da situação. Em determinado momento, Folman relembra os 19 anos, quando seus sonhos foram interrompidos e, em um piscar de olhos, já estava no front de batalha.
O inimigo invisível é a constante nos soldados. Por vezes, o medo da matança é substituído pelo medo do desconhecido. O silêncio, a falta de informação, o extermínio sem explicação e a falta de sentido em estarem ali são sentimentos comuns compartilhados entre eles. A culpa pelos companheiros mortos, o arrependimento, os traumas e os sonhos são os ingredientes da eterna busca pelo sentido naquilo que resulta na morte de inocentes. Um dos momentos marcantes do longa é quando os soldados estão entrincheirados e sob ataque. Ao mesmo tempo, nas varandas acima de suas cabeças, a população admira perplexa a cena e um jornalista cruza os tiros andando calmamente sem ser alvejado. Logo após, um dos companheiros de Folman pega um rifle, vai no meio do campo de batalha e, simulando passos de valsa, começa a atirar em todas as direções.
Icônica, a cena serve como uma reflexão em torno do que realmente a guerra é, uma grande mentira. Por toda a narrativa, cenas chocantes são abrandadas pela escolha da rotoscopia – técnica de animação empregada a partir de um modelo vivo -, justamente para explicitar o quão cruel e real foi o conflito. Se até os momentos finais a digestão ainda não fora prejudicada, as últimas cenas do massacre de Sabra e Shatila são transmitidas totalmente nuas e a horrível, porém representativa, imagem de uma garotinha soterrada pelos escombros é revelada da forma mais objetiva possível.
Essa grande epopeia de sonhos misturados com a ficção proveniente do trauma que cada combatente carregou da guerra é o resultado da busca por lembranças há muito apagadas da memória. Além do fantástico roteiro, a trilha sonora é outro fator fundamental ao enredo, pois dita o ritmo dos acontecimentos e, ao mesmo tempo, brinca com as situações. Temos o estilo clássico, calmo e sincero das composições instrumentais em contraste com as imagens da guerra, a correria e as explosões. Em outros momentos, vemos cenas de descontração entre os soldados, animação e confraternização embaladas pelo som de uma forte batida de um rock profetizando a morte e a destruição.
Mesmo escondidos pela fina camada animada, os personagens têm expressões profundas e tocantes. A felicidade, o medo, o desespero e, acima de tudo, a esperança são compreendidos pelo público sem a pronúncia de qualquer palavra. Apenas gestos e expressões. O vazio da guerra está em cada esquina, em cada soldado, em cada close nos olhares perdidos e carentes de explicação das vítimas e dos executores. Para nós do ocidente, acostumados com “Rambo” e “O Resgate do Soldado Ryan”, vemos claramente a guerra que não é travada nas trincheiras, mas sim a batalha no interior de cada soldado. Nossa constante incompreensão dos motivos que nutrem os conflitos naquela região, por incrível que pareça, são os mesmos que afligem todo o povo.
Folman não somente critica e atenta o mundo para os males de uma guerra sem sentido, mas para aquilo que ela causa. A população desesperada, desabrigada, com fome de vida é vítima de uma disputa “justificada” por interesses políticos ou religiosos, que há muito já perderam a importância. “Valsa com Bashir” é o que não se vê nos livros escolares, é a guerra em que não existem vilões ou heróis, vencedores ou perdedores, apenas vítimas. Como um passado distante, a única e eficaz arma para a guerra é o esquecimento.
Cotação: (10/10)
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FONTE (imagem incluída): Cinema Com Rapadura - Fortaleza,CE,Brazil
http://www.cinemacomrapadura.com.br/

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