terça-feira, março 31, 2009

Brasil comemora 50 anos do Grupo Oficina


Seção : Teatro - 30/03/2009 12:27
Brasil comemora 50 anos do Grupo Oficina
DVDs registram a luta do diretor Zé Celso Martinez Corrêa para fazer do teatro um instrumento político de celebração da vida


Há alguns meses, gente de todo o Brasil recebeu uma convocação estranha. O convite era para fazer parte de uma plateia especial. É que um dos mais importantes grupos de teatro do Brasil, o Oficina, de São Paulo, estava comemorando 50 anos. Como parte da celebração, haveria o registro em vídeo de algumas das mais importantes obras de seu repertório. Quem não foi tem agora nova chance de participar da festa: acaba de ser lançada a caixa Festival Teat(r)o Oficina, com quatro DVDs que trazem Boca de ouro, Cacilda!, Bacantes e Ham-Let. Além de extras que dão uma boa ideia do que é o pensamento do grupo e, principalmente, de seu diretor, Zé Celso Martinez Corrêa – talvez o mais importante profissional de teatro em ação no Brasil.

Já seria bom o suficiente se fossem registros simples. Mas os quatro DVDs são bem mais do que isso. Produzidas pela Academia de Filmes e distribuídas pela Trama, as obras, com direção de Tadeu Jungle e Eliana César, embarcam na ideia de mergulho rumo à alma do Oficina. Se não chegam a oferecer ao público um análogo cinematográfico da enlouquecida estética de Zé Celso e sua trupe, permitem aos espectadores viagens diversas. Os diretores têm a sabedoria de se fingirem de neutros quando necessário, em tomadas com a câmera numa das extremidades da passarela que é centro do teatro criado por Lina Bo Bardi para o Oficina, por exemplo.

Em outros momentos, vão em direção ao que há de mais puro no cinema: a supremacia da montagem, como quando representam a loucura e a morte de Ofélia em Ham-Let. Em seu percurso de um extremo ao outro, os filmes permitem ao público conhecer os labirintos do espaço (a câmera arremete atrás de Dionísio em As bacantes, numa jornada pela plateia), escandalizar-se com as obsessões fálicas de Zé Celso (o registro de Ham-Let chega a mostrar o ator Marcelo Drummond se masturbando em cena), aproximar-se das radicais propostas dos artistas do Oficina.

ARTE POPULAR

Com tudo isso, o conjunto de DVDs realiza função incomum. Zé Celso e seus intérpretes são nostálgicos de um tempo em que o teatro era a grande arte popular e tinha sentido simbólico importante na construção da autoimagem das sociedades. Sua criação tenta o retorno a isso. São obras que não pretendem ser apenas objetos de consumo. Aliás, negam terminantemente essa possibilidade: elementos como a longa duração (Ham-Let tem quase cinco horas, Cacilda! chega às quatro), a sensação de risco produzida pela proximidade entre palco e plateia ou a utilização constante de imagens e objetos escatológicos ou obscenos garantem a impossibilidade de alguém meramente contemplar os espetáculos, como se exigissem dos espectadores coragem e firmeza de posições. Numa época em que a indústria cultural produz em série obras incapazes de serem lembradas depois da primeira cerveja após o espetáculo ou o filme, o Oficina insiste na arte que pretende ter sentido, razão de ser.

O único limite para aqueles artistas parece ser a própria vontade. Ham-Let, por exemplo, abre espaço para brincar com a antiga disputa territorial com o SBT (vizinho do teatro no bairro paulistano do Bixiga). Bacantes avança sobre terrenos frequentemente associados à ópera, à dança ou ao desfile de escolas de samba. Cacilda! é pretexto para montar cenas de alguns dos textos mais cults do teatro, como Esperando Godot, de Samuel Beckett. Cacilda! acaba evidenciando algo que talvez seja a tônica do trabalho do Oficina, e que é mais sutil em outras montagens: em última instância, o grupo fala, o tempo todo, do teatro em si, do ato cênico. É este seu tema. Empolga porque é o único tema que sintetiza todos os outros – e, por isso mesmo, o único que realmente interessa. A representação visceral, ritual, festiva, da alegria de viver e do medo da morte transforma obras como Bacantes ou Ham-Let em exercícios de existência, tanto para artistas quanto para espectadores.

Tyato do coração

Confessado ou não,

consciente ou inconsciente,

o estado poético d invenção


d graça…

d êxtase…

ou (está)cio…

dê o nome q quiser
é o q as pessoas procuram

no amor,

no crime,

nas drogas,

na guerra,

na insurreição…

e é o q o teatro do coração

pode e quer dar

(Zé Celso)

PRODUTO BRASILEIRO

O Teatro Oficina foi fundado em 1958 por atores vinculados à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, atualmente ligada à Universidade de São Paulo (USP). Sua tentativa de criar uma linguagem para o teatro brasileiro, capitaneada pelo diretor Zé Celso Martinez Corrêa, consolidou-se na segunda metade dos anos 1960 graças à singular encenação de O rei da vela, de Oswald de Andrade, que carnavalizava o texto e usava seus processos de canibalização de elementos da cultura ocidental como ponto de partida para uma nova forma cênica. O Oficina e o regime militar estiveram em conflito desde o golpe de 1964 e entraram em choque violento em 1968. Em São Paulo, radicais de direita foram ao teatro onde o espetáculo era apresentado, destruíram cenários e espancaram os atores. No início da temporada em Porto Alegre, agentes da repressão invadiram o hotel e sequestraram dois intérpretes. Zé Celso e o Oficina resistiram ainda por alguns anos, mas as atividades do grupo foram praticamente interrompidas entre 1975 e 1984. Com a redemocratização do país, o Oficina volta a criar e a se apresentar com regularidade, insistindo num estilo próprio, orgíaco e radical em suas relações com espaço, público e dramaturgia.

FONTE (foto incluída): UAI - Belo Horizonte,MG,Brazil

FOTO: Zé Celso, diretor da Companhia de Teatro Oficina, em Ouro Preto

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