quinta-feira, fevereiro 26, 2009

Cinzas com conteúdo


Cinzas com conteúdo

O antropólogo Darcy Ribeiro, os escritores Machado de Assis e Guimarães Rosa foram lembrados pelos enredos das escolas de samba Mangueira e Mocidade Independente no Carnaval da Sapucaí, este ano. Parte da história do Teatro Municipal do Rio serviu de tema para o enredo da Vila Isabel. A Escola Grande Rio arriscou algumas palavras em francês para mostrar a influência e a força de um povo que se uniu e cruzou fronteira. A Salgueiro resgatou as origens e a magia do tambor e a influência de seu ritmo na cultura brasileira. Esses são alguns exemplos de temáticas de enredos que colocam as escolas de samba no rol das manifestações culturais mais importantes para compartilhar informações e conhecimento junto às massas.

Os blocos em Recife, Ouro Preto, Salvador e Olinda também mostram algo mais que as estripulias dos foliões, ao resgatarem a tradição e manterem viva a história e a cultura do povo local. O tempo de Carnaval sem conteúdo e só folia, com uma quarta-feira de cinzas vazia e sem sentido, já vai longe. Hoje, mesmo quando se findam os dias de alegria, sobram as reflexões e alguns ensinamentos, como legado das diversas alas que desfilaram pela avenida.

Pela televisão o conteúdo se torna ainda mais propício ao aprendizado, chega-nos completo, com valor agregado pelos comentaristas e narradores e numa sequência lógica que, na maioria das vezes, foge do público que acompanha das arquibancadas. Entretanto, pela telinha o Carnaval não apresenta a mesma emoção que arrepia, que faz dançar e cantar aqueles que se submetem ao batuque mágico do tambor, ao som contagiante de uma bateria furiosa. Hoje acompanhar um samba-enredo nos seus mínimos detalhes constitui, sem dúvida, uma aventura com ótima possibilidade de aprendizado.

Assim, a maior festa pagã se mantém em alta porque soube se superar e, acima de tudo, conseguiu resistir ao inimigo que ela não escolheu. É uma festa para os olhos, um alento de esperança para o coração do folião que espera o ano inteiro para desfilar na avenida. É um grito de liberdade muitas vezes expelido pelo suor do trabalho incansável de anônimos que empurram as alegorias, que varrem uma avenida, dirigem um trator, um carro de som, para garantir um ganho extra. O Carnaval, quando não impulsionado pelo excesso e pela falta de responsabilidade, traz o benefício da catarse, que nos prepara para mais um ano de trabalho.

O Carnaval, a partir deste ponto de vista mais otimista, tem o poder de nos manter por alguns dias longe das crises, sejam elas existenciais ou econômicas, e nos prepara para reescrever a história de nós mesmos com mais alegria e um pouco mais de esperança. Faz brilhar as escolas, as ruas e os casarões, as alegorias, a realidade e suas diversas facetas, a comunidade e suas peculiaridades, num samba- enredo de detalhes preciosos da cultura brasileira.

O Carnaval nos ensina, antes de tudo, a dar uma chance para a alegria de viver. Dele, pode-se dizer ainda: é uma brincadeira que deu certo.

Sérgio Peixoto Mendes/Filósofo


A maior festa pagã se mantém em alta porque soube se superar e, acima de tudo, conseguiu resistir ao inimigo que ela não escolheu. É uma festa para os olhos, um alento de esperança para o coração

FONTE: Gazeta do Sul - Santa Cruz do Sul,RS,Brazil

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