segunda-feira, dezembro 22, 2008

Os livros mais bacanas de 2008 - Parte I e II - Portal Cronocópios


18/12/2008 00:44:00
Os livros mais bacanas de 2008
Vários autores

Enfim o ano acabou. As leituras continuam, talvez agora, nas férias, é que realmente se iniciem. Em todo caso, pelo menos entre escritores e pessoas ligadas à literatura, as leituras são as mais variadas. Ficou claro pelas respostas à pergunta básica que enviamos, por email, a colaboradores, interlocutores e demais leitores: quais os 3 livros mais bacanas que você leu em 2008? E por quê?

Reparem que não perguntamos qual o melhor, nem os merecedores de prêmios literários ou outra coisa do tipo. A pergunta também não especificava que deveriam ser livros editados em 2008.

Aproveitem. A nata da literatura contemporânea brasileira está aqui representada — nas indicações e por quem as fez.


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Os três livros bacanas que li em 2008

- Cidades Invisíveis - ITALO CALVINO
- Dom Pedro II - Biografia - JOSÉ MURILO DE CARVALHO
- Grande Sertão: Veredas - GUIMARÃES ROSA

Nicolas Behr é poeta.

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Li muita coisa neste ano 8, gostei de muita coisa, inclusive de leituras velhas de um século (Anatole France, imagina). Escolheria o romance Acordados de Ana Rüsche, os inteligentes, belíssimos poemas de Icterofagia de Dirceu Villa e, agora, um livro de poesia em prosa de Damaris Calderón, a poeta cubana que reside em Chile, chama-se Duro de roer, eu descobri neste ano no Chile, mas é de uma década atrás. São três leituras que me instigaram, gostei mesmo.

Alfredo Fressia é poeta e tradutor uruguaio.

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Três livros em 2008

Os três livros que mais me marcaram neste ano tratam de três grandes escritores (Henry James, Machado e Rimbaud)- "O mestre", de Cólm Tóibin, "Um defunto estrambótico", de Valentim Facioli, e "Rimbaud na África", de Charles Nicholl. Mando um texto em anexo com os títulos e explico por que.

O Mestre - Colm Tóibín (Companhia das Letras) – O título vago e a capa chegam a sugerir alguma coisa devota e esotérica, mas é outra coisa – uma quase perfeita reconstituição fictícia calcada na vida muito real do escritor Henry James. Escrito com talento ímpar, mergulhando em fatos via imaginação, dá a impressão do retrato mais fiel possível de um escritor cuja vida particular foi cercada de mistério e reserva.

Um defunto estrambótico– Valentim Facioli (Nankin ) – Releitura de “ Memórias póstumas de Brás Cubas”, de Machado de Assis, feita com exemplar acuidade psicossocial por Facioli. A perversidade, a tortuosidade de Cubas, símbolo maior de um Brasil social e economicamente esquizofrênico, foi captada e explicada com perícia, e ao terminar o livro, senti vontade imediata de reler o romance.

Rimbaud na África (Os últimos anos de um poeta no exílio – 1880-1991) (Nova Fronteira) – A vida de Rimbaud pós-França, quando troca a poesia pelo exílio e o comércio na África, me desperta um interessante incessante, que faz com que eu leia tudo que se escreveu sobre o Vidente. Ele me parece heróico de uma maneira que ninguém mais o foi. Este foi o melhor dos livros que encontrei sobre o assunto, muito completo e sem querer (nem poder) esgotar o mistério do poeta.

Chico Lopes é escritor.

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A Trilogia de Máximo Górky, da Cosac Naify, esteve comigo por alguns meses este ano. Infância, Ganhando meu pão e Minhas universidades fazem parte de uma antologia universal da melhor literatura. O impacto da leitura me resgatou o prazer de ter um livro nas mãos, a vontade de não deixá-lo de lado, não apenas pela maestria da linguagem, ou pela curiosidade despertada pela intensa narrativa (uma sucessão de eventos extraordinários da Rússia czarista), mas principalmente porque Górky revisitado recupera para nós a importância da obra literária, longe das modinhas, firulas, esvaziamentos, poses. Górky é a vocação legítima do escritor, algo que precisa estar bem determinado entre nós, pois é muito comum no Brasil e na nossa época a falsidade ser entronizada pela reiteração do mesmo, sepultando não apenas a diversidade, mas a própria literatura. Escrita antes da revolução de 1917, a trilogia de Górki nada tem a ver com o realismo socialista, arapuca em que o autor foi enredado anos mais tarde. Os textos mantém a atualidade, o frescor, o brilho e a contundência originais, como se tivessem sido escritos hoje de manhã.

Outro autor que destaco é Rubens Jardim, o poeta que lança seu primeiro livro em 30 anos. Membro importante do movimento Catequese Poética dos anos 60, Jardim transcende suas origens e no extraordinário "Cantares da Paixão" busca no caos primordial da palavra (lá onde as falas impositivas não apitam) a força que falta à poesia brasileira.

Nei Duclós é escritor.

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Em primeiro lugar, disparado: Bolívia Jakasikawa, de Raimundo C. Caruso e Mariléia Leal Caruso.

Nesta situação de tragédia, aqui [ela foi uma das desalojadas na inundação de Santa Catarina], deixo de votar nos outros dois.

Urda Alice Kluger é escritora e pesquisadora.

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Sim, um deles foi releitura:

1. Retrato do Artista quando Jovem, de Joyce. 2. O que acaba de ser lançado pela 7Letras: "Do Jeito Delas: vozes femininas em língua inglesa". organização/ensaios Marcia Cavendish Wanderley, Carlos Eduardo Fialho, Sueli Cavendish. Tradução dos poemas de Jorge Wanderley: as poetas traduzidas são Sylvia Plath, Marianne Moore, Emily Dickinson, Hilda Doolittle, Anne Sexton, Louise Bogan, Elisabeth Bishop, Denise Levertov, Edna St. Vincent Millay, Edith Sitwell, Patricia Hooper, Elinor Wylie. A revista Bravo listou-o entre os 10 melhores lançamentos de setembro. 3. O Homem sem Conteúdo, de Giorgio Agamben.

Sueli Cavendishi é ensaísta e pesquisadora.

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Travessias Singulares - Coletânea de textos, crônicas, contos de diversos autores sobre a figura paterna. Uma coletânea curiosa sobre uma figura tão pouco explorada na nossa literatura. Participações que vão de Machado de Assis a Raduan Nasser. Organizado por Rosel Bonfim Soares.

A editora é baiana e nova: Casarão do Verbo

A Torre Ferida por Um Raio - De Fernando Arrabal. O autor espanhol, conhecido por sua dramaturgia, foi escolhido num sebo no centro da cidade de São Paulo. Não conhecia o romance de Arrabal, mas a luta surda entre dois enxadristas contém toda a dramaticidade dos palcos. Da década de 80 A Torre... é um romance curto, cheio de mistérios e atualíssimo.

Editora Nova Fronteira

O Casamento do Céu e do Inferno & outros escritos - De William Blake. Tenho que admitir que escolhi esse livro por dois motivos tortuosos: um porque conheci William Blake através de um filme: o Dragão Vermelho, continuidade do Silêncio dos Inocentes. E aqui deixo meu depoimento a favor do cinema como divulgadora de literatura. E para falar da queridíssima Editora L&PM, que faz um dos trabalhos editorias mais bacanas do país: ótimos autores a preços populares !!!!

O poeta inglês é um homem dotado de força espiritual e demonstra esse Amor Divino em seus poemas. Esse singelo livro foi comprado ao preço de 15 reais, tradução de Alberto Marsicano e o poema original inglês. Quer mais respeito que isso???????

Thereza Dantas e jornalista.

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Aí vão minhas preferências.

"Exercícios críticos - leituras do contemporâneo" (Editora Argos) - João Cézar de Castro Rocha - Reunião de ensaios de um dos mais competentes críticos da minha geração.

"Poderosa 4" (Editora Fundamento) - Sérgio Klein - Mais uma história da série infanto-juvenil Poderosa, do escritor mineiro que vem ganhando cada vez maior destaque em sua área.

"40 novelas de Luigi Pirandello" (Cia das Letras) - Para quem só conhece a genialidade do dramaturgo italiano, uma ótima oportunidade para se aproximar de sua obra de ficção, na excelente tradução de Maurício Santana Dias.

Luiz Ruffato é escritor.

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3 livros de 2008

O fazedor
Jose Luis Borges
Tradução de Josely Vianna Baptista
Editora Companhia das Letras

Em ‘O fazedor’, Jorge Luis Borges anota no epílogo que este livro é a sua obra mais pessoal, não por ser de alguma forma confessional, mas “precisamente porque é pródiga em reflexos e interpolações”, ou seja, é reveladora de seu modo de pensar e escrever.

É lugar comum situar Borges como o pai da literatura fantástica latino-americana, ou como um reinventor de lendas e fábulas medievais. Em sua “Autobiografia” (1899-1970) escrita com Norman Thomas de Giovanni, Borges declara que a sua obra de estréia “Fervor de Buenos Aires”, “era essencialmente romântica”. E prossegue: “Tenho a sensação de que tudo o que escrevi depois não foi mais do que o desenvolvimento de temas apresentados em suas páginas; sinto que durante toda minha vida estive reescrevendo este único livro”. Toda literatura é uma reescritura (paródia).

No plano espiritual o autor de “Ficções” é discípulo de Chesterton, Wells, Poe, Conrad, Kafka, Stevenson, Kipling, entre outros. É comum também considerá-lo como um bruxo que habitou a torre de Babel (o universo) para investigar os mistérios do “Livro da Criação”. Borges mistificou os leitores ao imitar vários idiomas de épocas distintas. Escreveu ensaios sobre livros que nunca foram escritos. Inventou histórias que poderiam ser reais. Imaginou biografias de autores que nunca existiram. É antes de tudo um autor satírico, autor exemplar de idéias, arquiteto de labirintos, descobridor do fantástico no real.

Sobre a construção de sua estética, Borges anota no prólogo do livro “Elogio da Sombra” que “não sou possuidor de nenhuma estética. O tempo ensinou-me algumas astúcias: evitar os sinônimos, que têm a desvantagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos, argentinismos, arcaísmos e neologismos; preferir as palavras habituais às palavras assombradas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos agora pelo leitor; simular pequenas incertezas, já que, se a realidade é precisa, a memória não o é; narrar os fatos (isto aprendi em Kipling e nas sagas da Islândia) como se não os entendesse totalmente. Tais astúcias ou hábitos não configuram certamente uma estética. Além do mais, descreio das estéticas. Em geral, não passam de abstrações inúteis...”

Quase tudo já se falou do escritor que conta/canta a história da eternidade. Do ensaísta que se transforma em contista, do historiador que recupera o memorialista, do biógrafo que inventa o ficcionista e do poeta que sucede ao lingüista.

Também já se falou muito do Borges como narrador e personagem de suas histórias. Mas é o próprio Borges, autor do texto “Borges e Eu”, incluído em “O Fazedor”, que narra para o leitor os dois Borges fundamentais: “Eu permanecerei em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas me reconheço menos em seus livros do que em muitos outros ou do que no laborioso rasqueado de uma guitarra. Há alguns anos tentei livrar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei que imaginar outras coisas. Assim minha vida é uma fuga e tudo eu perco e tudo é do esquecimento, ou do outro. Não sei qual dos dois escreve esta página”.

Folhas de Relva
Walt Whitman
Tradução e prefácio de Rodrigo Garcia Lopes
Editora Iluminura

Walt Whitman é o grande poeta da Revolução Americana. Ele é o avô dos beatniks.
Whitman no prefácio do extraordinário “Folhas de Relva” anota que, “é isso o que você deve fazer: Amar a terra e o sol e os animais, desdenhar as riquezas, dar esmolas a todos que pedirem, defender os dementes e os loucos, dedicar sua renda e trabalho aos outros, odiar os tiranos, não discutir sobre Deus, ter pacência e indulgência com as pessoas, não tirar o chapéu para o que é conhecido ou o que é desconhecido nem a nenhum homem ou grupo de homens, acompanhar livremente as poderosas pessoas analfabetas e os jovens e as mães de família, ler estas folhas ao ar livre em todas as estações de todos os anos de sua vida, examinar de novo tudo que foi dito na escola ou na igreja ou em qualquer livro, rejeitar tudo que insulte sua própria alma, e sua própria carne será um grande poema e terá a fluência mais rica não só na forma de palavras mas nas linhas silenciosas de seus lábios e rosto e entre os cílios de seus olhos e em toda junta e todo movimento de seu corpo... O poeta não vai gastar tempo com trabalho desnecessário. Ele sabe que o solo está sempre pronto e arado e adubado... outros podem não saber mas ele sabe. Ele vai direto à criação. O maior poeta não moraliza nem dá lições de moral... ele conhece a alma. A alma tem aquele orgulho ilimitado que consiste em jamais reconhecer qualquer lição que não seja a sua. O maior poeta não possui tanto um estilo marcante e é mais um canal de pensamentos e de coisas sem acréscimo nem diminuição, e é o canal livre de si mesmo”.

E prossegue: “Em breve não existirão mais sacerdotes. O trabalho desles está feito. Eles podem esperar um pouco.. talvez uma ou duas gerações.. sumindo gradualmente. Uma raça superior deverá tomar o seu lugar... as gangues dos Kosmos e os profetas da massa deverão tomar seus lugares. Uma nova ordem deve surgir e eles devem ser os sacerdotes do homem, e cada homem será seu próprio sacerdote”. O que mais dizer deste poeta que anotou em seu caderno: “Regras e Composição: Um estilo perfeitamente transparente, cristalino, sem artifício, sem ornamentos... Clareza, simplicidade, nada de sentenças tortuosas ou enevoadas”. Para o crítico Harold Bloom, “a originalidade de Whitman tem menos a ver com seu verso supostamente livre do que com sua inventidade mitológica e seu domínio da linguagem fugurativa. Suas metáforas e argumentos, criando metro, abrem a nova estrada ainda mais efetivamente que suas inovações na métrica”.

Humano, Demasiado Humao II
Friedrich Nietzsche
Tradução, notas e posfácio de Paulo César de Souza
Editora Companhia das Letras

Pode-se dizer que Nietzsche é o último dos metafísicos. Para ele, “nada do que é espiritual me é estranho”. Esta sentença é uma versão do aforismo de Terêncio que anotou: “Nada do que é humano me é estranho”.
Humano, Demasiado Humano trata de assuntos variados e interessa não apenas aos filósofos mas a todos que se interrogam sobre as idéias e as ações humanas. Nietzsche anota no fragmento Humano e belo demais: “A natureza é bela demais para você, pobre, mortal” _ não é raro termos esse sentimento; mas algumas vezes, observando intimamente tudo que é humano, sua abundância, força, delicadeza, complexidade, senti que tinha que dizer, como toda humildade: “também o homem é belo demais para os homens que o contemplam!” _ e não apenas o ser humano moral, mas qualquer um. Já no fragmento intitulado Bens móveis e bens de raiz, pode-se ler: “Quando a vida tratou alguém de maneira totalmente rapace, tirando-lhe tudo o que podia em matéria de honras, alegrias, seguidores, saúde, propiedade de toda espécie, talvez este alguém descubra mais tarde, após o assombro incial, que é mais rico do que antes. Pois somente então ele sabe o que lhe é tão próprio que ladrão nenhum pode tocar: e, assim, talvez saia de toda a pilhagenm e desordem com a nobreza de um grande proprietário de terras”.
Em Ecce homo, o filósofo anota que “a doença deu-me igualmente o direito a uma completa inversão de meus hábitos; ela permitu, ela me ordenou esquecer; ela me presenteou com a obrigação à quietude, ao ócio, ao esperar e ser paciente... Mas isto significa pensar!... Apenas meus olhos puseram fim à bibliofagia, leia-se ‘filologia’: estava salvo dos livros, nada mais li durante anos _ o maior benefício que me concedi! _ Aquele Eu mais ao fundo, quase enterrado, quase emudecido sob a constante imposição de ouvir outros Eus ( _ isto significa ler!), despertou lentamente, tímida e hesitantemente _ mas enfim voltou a falar. Nunca fui tão feliz comigo mesmo como nas épocas mais doentias e dolorosas de minha vida: basta olhar Aurora, ou “O andarilho e sua sombra’, para compreender o que foi esse ‘retono a mim’: uma suprema espécie de cura!... A outra apenas resultou desta”.

Pedro Maciel é escritor.

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leituras willerianas:

2008: ano de apresentar tese, apresentar projeto de pós-doc, dar cursos de surrealismo, poetas malditos, poesia e cidades, palestras de misticismo e poesia, poesia e corpo, oficinas - como li .... Releituras, principalmente - para certificar-me de que sempre é possível descobrir mais nesses autores que já se conhece de ponta a ponta, Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud, Pessoa.... Redescobrir algo, também, nos bons contemporâneos, em um Herberto Helder. Às novidades. Ensaio: Kabbalah and Eros, de Moshe Idel, Yale University Press, 2005 - já conhecia, dele, o ótimo Cabala, Novas Perspectivas, pela ed. Perspectiva. Poesia: a coletânea Women of the Beat Generation, de Brenda Knight, Conary Press, Berkeley, 1996 - bastante poesia, depoimentos e relatos sobre as mulheres ligadas à geração beat, uma boa surpresa, lê-se como se fosse uma narrativa. Também uma boa leitura, O Mundo Mágico, a antologia de poesia moderna colombiana organizada por Floriano Martins e Lucila Nogueira. Curioso, este ano nenhuma narrativa em prosa me empolgou especialmente. Desatenção minha.

Claudio Willer é poeta, ensaísta e editor.

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1. eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios - marçal aquino
a concisão da linguagem de marçal é um tiro a queima-roupa.
seu texto é hipnótico.
ele conduz a narrativa em vários planos e o leitor se movimenta entre eles sem dificuldade alguma.
quando cheguei ao último capítulo eu protelei sua leitura, só pra curtir mais o romance e tentar adivinhar o final.
quando finalmente o li vi que a prorrogação tinha sido uma grande besteira minha, pois o livro se encerra de forma arrebatadora.

2. todos os cachorros são azuis - rodrigo de sousa leão
uma narrativa de várias frentes.
sempre desconstruindo e construindo pra desconstruir de novo.
um olhar oblíquo sobre a realidade revelando em linha reta onde está a loucura do mundo.
é preciso pôr os olhos sobre os cachorros e não cachorros azuis e multicolores.

3. rita no pomar - rinaldo de fernandes
a forma descontínua como a narradora (rita) conta sua história ao seu cão e ao seu diário cria uma atmosfera de cumplicidade e intimidade entre o leitor e a personagem.
tudo é muito bem maquinado e escrito neste romance, onde a vida por um triz da morte é a matéria prima em tempo integral.

Amador Ribeiro Neto é poeta e professor.

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"Ódio sustenido", de Nelson de Oliveira - Nelson reafirma, nesta coletânea de contos, a sua linha ficcional que aproveita situações absurdas, bizarras. E sempre com um texto muito bem elaborado, saboroso de ler.
"Antonio", de Beatriz Bracher -
Achei interessante neste romance, além da técnica narrativa, dos "relatores" que repassam a trajetória do protagonista, como a autora flagra uma visão a classe média paulistana em relação ao universo do sertão (no caso, o sertão de Minas). Uma visão da diferença, montada em clichês de vários matizes. Uma visão que não deixa de fixar, na estrutura profunda do livro, o preconceito, a convivência por contiguidade com os migrantes pobres que aportam na Paulicéia.
"Inimigos", de Pedro Salgueiro -
A coletânea de contos do cearense Pedro Salgueiro vale pela qualidade da prosa poética, pela novidade de trazer motivos caros à tradição regionalista na forma de curtas e preciosas alegorias.
"Noiva", do Renato Resende. Editora Azougue.

Alberto Pucheu é escritor e ensaísta.

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Três livros Três homens
“Ler é sempre reler um pouco” - Fernando Batalha
De entre as largas dezenas de livros que degustei este ano, no meio das centenas que ficaram por ler e apenas catrapisquei em diagonal e se quedaram à espera de oportunidade – nada mais que por acaso, pois o leitor intemerato é, creio eu, uma espécie humana vivendo um pouco entre o sonho e a realidade ocasional - as obras que gostarei de epigrafar são de recorte muito diverso.

1. A primeira, “La ciudad sin tiempo” (assim no original, pois que eu saiba não teve tradução em português) de Enrique Moriel, aliás Francisco González Ledesma (Poble Sec, Barcelona, 1927), aliás o conhecidíssimo e algo mítico Silver Kane doutros espaços de escrita, é um romance torrencial e fundacional, uma estória plasmada através dos séculos que nos arrasta, nos surpreende e nos inquieta da primeira à última página.
Simultaneamente tenebrosa e encantatória, a sua publicação foi como um soco em cheio no imaginário catalão e no (in)consciente colectivo espanhol, que aliás correspondeu entusiasticamente catapultando este romance seminal para o primeiro posto dos mais comprados (e mais lidos, o que nem sempre é o mesmo...) do tradicionalmente arguto leitor espanhol.
Livro perturbador (não aludo propositadamente ao enredo, pois é um romance de enigma...) tenho a esperança de que um editor brasileiro ao mesmo tempo competente e exigente - sei que os há em terras de Santa Cruz! - o apanhe com as sete mãos e lhe possibilite viagem triunfal, pois é uma das reais obras-primas ultimamente saídas no espaço ibérico.
“Yo leo hasta los papeles del suelo”, disse em entrevista a Juan Pardo este escritor que durante vários anos se ocultou sob o pseudónimo agora revelado. E dele disse Hermes Cerezo, a encerrar uma evocação justamente emocionada que lhe fez no maior jornal de Barcelona: “Hoy en día, las novelas de González Ledesma son difícilmente localizables. Espero que alguien subsane esta ausencia y que no ocurra como con Gironella, Joseph Roth, Sándor Marai”.

Por esta confraria citada se verifica e se pode aferir desde logo a qualidade de Moriel...

2. A segunda, obra em 3 tomos que adquirira há um par de anos, só há uns meses a pude percorrer e finalizar com a atenção e o encanto que merece a qualquer um que não tenha perdido a frescura de saber olhar “o que, como dizia Kipling, se oculta para lá dos montes”.
Trata-se de “A volta ao mundo de um novelista” do grande Vicente Blasco Ibañez. Sim, o de “Os quatro cavaleiros do Apocalipse“, de “Sangue e arena”, de “A catedral” e tantos outros com que, de juntura com o seu devotado amigo e pintor valenciano Joaquin Sorolla, encheu a sua época de verticalidade e de alto talento.
A mais bela reflexão sobre “a viagem” não a fez portanto o tal político luso avis rara que deu duas vezes a volta ao planeta sem sair do gabinete e recebeu, por tal feito, os correspondentes emolumentos... Nem o tal escritor de sucesso que faz viagens de propósito para depois escrever volumes que os interessados e os artolas irão consumir com ripanso. Nem sequer o estimável Xavier de Maistre, com o seu “Voyage au tour de ma chambre” que nos compraz e nos excita pela evidente convicção e o eficaz discurso literário.
De facto, quem me parece ter feito a tal superlativa reflexão que em 10 páginas iniciais arruma de vez a questão, foi mesmo este autor que, nascido em Valencia, por obra e graça da sua acção em prol do seu povo teve de se exilar vindo a morrer em Menton, o belo jardim dilecto nas doces terras da Provença.
O livro foi publicado em Espanha, na França, nos E.U.A. faz este mês precisamente 85 anos. É pois um livro antigo – como se tivesse sido escrito mesmo agora. Leiam as páginas sobre Nova Iorque, sobre a China, sobre as ilhas perdidas do Pacífico e depois venham falar comigo. Sujeito de razão e coração este Ibañez e ainda por cima um democrata de antes quebrar que torcer.
Recomenda-se aos aventureiros/as com estaleca e aos muito adultos – ou seja, a todos os que souberam conservar o seu vibrante coração de adolescente sem remorsos.
3. Por último quero destacar a obra “Almas cinzentas” de Philippe Claudel (Dombasle-sur-Meurthe, na Lorena, 1962) , que foi Prémio Renaudot de 2003. Este autor, que no mesmo ano viu o seu livro “Les petits mécaniques” galardoado com o Prémio Goncourt para novela, faz parte do brilhante grupo de romancistas e novelistas que desde os fins da última década do século transacto vêm dando um cariz novo à ficção francesa – que extraíra no meio-século as suas melhores galas de obras à semelhança de “A semana santa” de Aragon ou “Adoração” de Jacques Borel - nos seus embates com o pensamento de uma sociedade que perdeu em grande parte a certeza de que as pessoas de bem eram garantes de uma cidadania sem esqueletos escondidos. Reflexão sobre o poder das personalidades tradicionais (juizes, sacerdotes, militares de topo), “Almas cinzentas” é também uma incursão pelo universo da culpa: a culpa de se ser despossuído, fraco e imbele, mas também de ser ser humano, demasiado humano num tempo esgotado, onde as sombras desfilam sem cor e sem alma excepto a do cinzento que lhes é próprio.
Resta acrescentar que Philippe Claudel, cujo universo de mágoas e de crimes é paralelo, embora lhe esteja nos antípodas, ao do mundo descrito pelo seu famoso homónimo dos anos trinta, enveredou nos tempos mais chegados pela realização cinematográfica, o que tem sido aliás comum a alguns dos mais destacados jovens novelistas franco-britânicos em actividade.
Estes foram apenas 3 livros. Correspondendo a 3 homens. Neste caso dar relevo a tal facto não é dispiciendo. Dito isto, cumpre assinalar que, porque um rol é um rol, ficaram de fora depois de uma meditação compenetrada obras como “Alguns gostam de poesia” de Milosz e Symborska, “O doutor Gion” de Hans Carossa, “Musk” de Percy Kemp, o excitante conjunto de entrevistas “La edad de oro” de Vicente Molina Foix ou “Escritura conquistada” de Floriano Martins, os “Poesia vertical” de Juarroz e “O movimento das coisas” de Gérard de Cortanze ou, the last but not the least, o monumental ensaio “O século dos intelectuais” de Michel Winock.
Mas isso seria outra (pequena) história...

Atalaião, Dezembro de 08

Nicolau Saião é poeta português.

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Aí vai minha lista:

Caixa Preta, de Amós Oz. Porque esse romance epistolar capta as oscilações entre amor e ódio em uma família dissolvida com uma sutileza impressionante.
The De-definition of art, de Harold Rosenberg
. Porque os ensaios deste inexorável crítico de arte, se fossem mais lembrados, teriam evitado o vazio teórico que assola as exposições contemporâneas.
O Herói Devolvido, de Marcelo Mirisola
. Porque Mirisola pode ser, e é, o escritor mais irritante de nosso tempo, mas transita da podridão para o sublime como poucos.

Ivan Hegenberg é ficcionista e pesquisador em artes plásticas.

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Vamos lá, nesta ordem:

1) Um livro de crítica: A arte brasileira em 25 quadros 1790-1930 de Rafael Cardoso, Editora Record.
2) Um livro de pesquisa histórica: Domingos Sodré: um sacerdote africano de João José Reis, Editora Companhia das Letras.
3) Um livro de ficção: Rocambole, de Ponson du Terrail, seis volumes, 1857-1870, edição Companhia Brasil Editora 1946.

Os dois primeiros foram editados em 2008. O terceiro achei num sebo e é sensacional...

João Carlos Rodrigues é escritor, ensaísta e pesquisador.

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Lá vai:

“O filho eterno”- Cristovao Tezza (Record
“Os de minha rua”- Ondjak(Linguageral
“A equação que ninguém conseguia resolver” Mario Livio (Record)

Affonso Romano de Sant’Anna poeta, ensaísta e conferencista.

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Legal a enquete. Lá vai.

Três romances que li este ano e de que gostei muito:

Em O segundo tempo, Michel Laub utiliza como pano de fundo uma partida de futebol entre dois tradicionais times gaúchos para falar das relações afetivas entre dois irmãos e para tecer considerações sobre a condição humana e sobre a sociedade brasileira no final da década de oitenta. Chega-se a pensar que o romance tem traços biográficos, tal a impressão de veracidade causada pela narrativa.
Seda, do italiano Alessandro Baricco
, cativa o leitor pela concisão e pelo lirismo. Em capítulos curtos e com um enredo tecido sutilmente, tomamos contato com a pequena odisséia do personagem Hervé Joncour, pacato cidadão francês e comerciante de seda de meados do século XIX que se vê enredado em um romance platônico com uma mulher que conhece em suas idas e vindas ao Japão.
Depois de dez anos sem escrever um romance, Gabriel García Márquez narra em Memória de minhas putas tristes uma história de amor entre uma ninfeta e um homem de noventa anos. O narrador do livro é um culto e entediado jornalista provinciano que comprova a tese tão cara ao autor colombiano de que não envelhecemos por dentro: envelhecemos por fora, envelhecemos para os outros.

abração daqui,
Ovídio Poli é escritor.

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Dois romances e uma coletânea de poemas: Todos os cachorros são azuis, de Rodrigo Souza Leão, O Filho Eterno, de Cristóvão Tezza e Diálogos e Sermões de Frei Eusébio do Amor Perfeito, de Mafra Carbonieri.
Os três, pelo mesmo por que: um ponto de vista inesperado que se expressa num estilo muito feliz. No primeiro, é um esquizofrênico que atravessa suas fases; no segundo - um pai que não quer o filho com síndrome de Down mas acaba visceralmente envolvido; no terceiro, um frade ateu e mulherengo que vergasta os despudores de nossos órgãos representativos.
Entre as obras de não fiçcão: Tratado de Magia, de Giordano Bruno (Martins Fontes), por sua originalidade; A escada de Wittgenstein, de Marjorie Perloff (EDUSP), por sua atualidade; e o ensaio de Giorgio Agamben sobre Res Amissa de Giorgio Caproni (Garzanti) por sua agudeza.

Aurora Bernardini é professora, ensaísta e tradutora.

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Vamos ao trabalho:

Os três melhores livros que li este ano foram: 1 - "O Filho Eterno", de Cristovão Tezza, pela qualidade literária. Um romance emocional mas sem emocionalismo. Ou seja, perfeito equilíbrio narrativo. Até porque falar de filho, em qualquer situação, é muito difícil. 2) "Rita no Pomar", de Rinaldo de Fernandes, que revela um narrador sensível e com o controle dos elementos internos da ficção. A solidão da personagem e sua longa confissão a Pet demonstram que toda narrativa precisa de harmonia; melhor dizendo, de uma sólida harmonia. 3) "Vidas Secas", de Graciliano Ramos, porque é preciso revistar esse texto todos os anos, sobretudo pela técnica e pela concisão, além do humanismo pleno. E pelo óbvio: estamos comemorando setenta anos da publicação deste livro".

Aí está, amigo. Qualquer coisa mande às ordens,
Abs de Raimundo Carrero é romancista e mestre oficineiro.

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Os tres livros mais bacanas que eu li este ano são:

Testo Junkie, Beatriz Preciado (Ed. Grasset, France, 2008)
No creo que haya un ensayo más original, más cáustico y revelador que el escrito por Beatriz Preciado, documentando la aplicación de sus múltiples dosis de testosterona en gel, ajena al protocolo clínico de cambio de sexo. Todas nuestras viejas ideas de libertad sexual, formas de resistencia y mecanismos de poder se ven desafiados por la filósofa española, creando un libro que además injerta la (auto) ficción en el discurso filosófico, contaminándolo y abriendo nuevas rutas para el pensamiento crítico de las sociedades farmacopornográficas en las que actualmente habitamos. LA RESURRECCIÓN DE KARL MARX EN CUERPO TRANSGÉNERO, DELEUZE VOLCADO A LA PRAXIS, DESTRUCCIÓN Y VISIÓN LUMINOSA DE LA FICCIÓN, FILOSOFÍA COMO POESÍA DEL SER O FILOSOFÍA DE VIDA (NIETZSCHE), CHANGER LA VIE (RIMBAUD).

Acordados, Ana Rüsche (Ed. Amauta, Brasil, 2007)
Una prosa magistralmente poética, entrelazada con rabia y elegancia, uno de los poquísimos casos de escritura sin miedo que podemos encontrar en las cercanías. Técnicamente impecable, sin que esto se convierta en discurso o charlatanería modernólatra. Las historias reflejan la devastación humana al interior de las sociedades farmacopornográficas anteriormente citadas. La densidad y rigor de su escritura están en relación directa con el espesor de la experiencia ahí condensada. Poesía y prosa no distinguen límite y cualquier concretud aquí va más allá de cualquier delirio tipográfico, su extremo lirismo instala la feroz poesía de los cuerpos devastados durante la era del látex y la profilaxis.

A ordem secreta dos ornitorrincos, María Alzira Brum (Ed. Amauta, Brasil, 2008)
Con una prosodia que nos recuerda a los mejores momentos de Cortázar y con un humor que habría celebrado Augusto Monterroso, María Alzira Brum elabora una de las propuestas más arriesgadas y sólidas que ha conocido la prosa brasileña en el último tiempo, saliendo, como el conejo de Alicia, por agujeros inesperados. La vida como ficción total, el conocimiento como forma de encuentro y la sensualidad tropical llevada a una confrontación con las ideas establecidas de civilización, evolución y mestizaje. La literatura aquí quiere representar nuevas formas de vida y de lectura, quizás revirtiendo la propia idea de "lector-hembra" que formulara en su momento Cortázar, mutando hacia un texto-fiera, donde lector y autor se penetran mutuamente.

Se fosse possível colocar 4, eu acrescentaria esse:

La orilla africana, Rodrigo Rey Rosa (Ed. Seix Barral, España, 1997)
Alan Mills é poeta e ensaísta guatemalteco.

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Meus 3 livros:
Casimiro de Brito, Portugal - Livro das Quedes, poesia.
O poeta foge dos esquemas da contemporaneidade e mergulha profundamente na tradição lusófona para voltar com um produto de beleza formal contundente. Parecia-me ler Jorge de Lima em Livro dos Sonetos e na Invenção de Orfeu em alguns momentos - ambos o que há de melhor em nossa poesia. Ao merguilhar na tradição, Casimiro não se dretgém no já-dito e oferece soluções surpreendentes em cada um dos seus poemas.

Romério Rômulo - Matéria Bruta, poesia.
Livro de dicção (v.Owen Barfield) poética forte, grave, fundada nos estratos mais puros do indivíduo humano. Dificilmente se encontrará, na poesia dos dias correntes, poeta mais completo: seu corpo reage a dentes, diria Cabral, à realidade circundante, sertão mineiro. Sem ser regionalista no sentido histórico do termo na historiografia crítica brasileira, insere a rgião no mais basilar de seu verbo apolíneo, Dionisos presente, domando as forças anárquicas da permanente entropia do mundo em-fora.

Alejo Carpentier - Os Passos Perdidos, romance.
Ao fugir de uma vida árdua em Nova York, um musicólogo viaja para uma das raras regiões do mundo aonde a civilização não chegou – as altas extensões do rio Orinoco,tendo como missão a coleta de instrumentos musicais indígenas para uma das galerias de um museu organológico. À medida que ele penetra os labirintos da floresta, a viagem se revela também uma volta às etapas históricas mais significativas da América, ao tempo dos passos perdidos da humanidade: um lugar onde o progresso desvaneceu. Fascinante. Com a revolução barroca de sempre de Carpentier. Empolgante no mínimo.

Maria da Conceição Paranhos é escritora.

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Lá vai, sem pudor, radicalizando: Ismar Tirelli Neto – Synchronoscopio; L. Mutarelli Jesus Kid; Marcelino Freire, Rasif- mar que arrebenta, pessoas que nunca vi.

bj

Heloisa Buarque de Hollanda é escritora, professora e editora.

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Os três, hmmm... deixa ver. Já sei: Kafka, Kafka e mais Kafka. Por quê? Leiam que vocês saberão.
Beijos,
Jeanette Rozsas é escritora.

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Lá vai, sinteticamente:

O Filho Eterno - Tezza se superou e mereceu todos os prêmios; Vida y Destino, de Vasili Grossman - Li a resenha no El País e fui atrás. É o "Guerra e Paz" da II Guerra Mundial, um impressionante painel da vida na União Soviética durante os anos da guerra, com o heroísmo, a violência stalinista e os paradoxos da época em um painel magistral; As Benevolentes, de Jonathan Littell - Outro livro sobre a II Guerra Mundial, onde o franco-americano Littell escreve sob a perspectiva de um oficial nazista e mostra que o mal é tanto mais malvado quanto mais complexo do que pensamos. Não pode ser lido antes de dormir.

Felipe Lindoso é escritor e antropólogo.

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O Volume do Silêncio - João Anzanello Carrascoza.
O livro, que é uma antologia, traz um lirismo bonito aliado a uma visualidade muito bem realizada. Além disso, trata de dramas humanos e vem em um tom levemente elegíaco. As histórias são bonitas e sensíveis, e, em geral, falam de relações familiares.

Famílias Terrivelmente Felizes - Marçal Aquino.
O livro traz os primeiros contos do Marçal Aquino, reunindo dois livros e alguns dispersos. O livro tem muita ação, mas não só isso, como o próprio título enseja. Uma parte do livro é mais experimental e a outra traz contos com histórias mais definidas. Há uma visualidade importante e a leitura é gostosa e rápida. De repente, encontro o Piauí em um dos contos.

O Romance que Explodiu - Carlos Emílio
O livro traz contos fantásticos realizados com muita imaginação. São textos diferentes de todos os que já vi, a começar pelos títulos. De repente, seres estranhos, possibilidade de aparecem novos mundos, distorções do tempo e do espaço, entre outras coisas do tipo. O estranho e o fantástico são uma constante. Grande parte dos textos está na Cronópios.

Ivaldo Ribeiro Filho e poeta e advogado.

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Os três livros são:

1. A Filha da Fortuna, de Isabel Allende.
Editora Bertrand - 476 páginas.
Gostei do romance porque é uma viagem ao final do século XIX, onde descobri detalhes sobre o nascimento da Califórnia tomada pela febre do ouro e as reações inusitadas das pessoas diante da miséria e da possibilidade da fortuna fácil. História protagonizada por Eliza Sommers, uma jovem chilena que foge do Chile em busca das pepitas de ouro latentes no coração de seu amante.

2. Poemas de amor e Terra, de Luiz de Aquino
UCG - Editora da Universidade Católica de Goiás, 2007 - 78 páginas

O livro prima pelo resgate da poesia romântica adaptada aos dias de hoje, onde a cada verso filtra-se a luz solar e revela-se a força da natureza.

3. O menino e o maestro, de Ana Maria Machado (livro infantil)
Ilustrado por Maria Inês Martins
Mercuryo Jovem, 2006 - 46 páginas
Ana Maria Machado prestou uma linda homenagem a Mozart, contando a história de Teleco, um menino pobre do morro do Rio de Janeiro de hoje, que assim como Mozart, trazia inato o talento da música, que o menino teve a oportunidade de começar a desenvolver através do tamborim e depois se estendeu em outros instrumentos musicais. Uma boa história para todas as idades.

Madalena Barranco é escritora.

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Dentre os vários livros recebidos/comprados/lidos no ano de 2008, destaque especial para três, todos de escritores brasileiros:

Aleijadinho e o Aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial (Guiomar de Grammont, Civilização Brasileira/Editora Record, Rio de Janeiro, RJ, 2008): seria simplesmente uma tese!? Um longo ensaio!? Uma ficção!? Uma biografia!? O grande exercício intelectual e estético são as interconexões na leitura, reunión de gêneros literários, em mais de 300 páginas e dezenas de referências bibliográficas nacionais e estrangeiras, numa temática instigante. Polêmica magnífica. A filósofa, historiadora, professora da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), doutora em Literatura Brasileira (USP) e premiada escritora mineira Guiomar de Grammont, numa linguagem envolvente, análise profunda e rica em informações, estuda com inteligência a construção do mito, a vida e a obra de Antônio Francisco Lisboa, natural de Vila Rica, MG, o Aleijadinho (1730-1814), artista plástico mais importante do Brasil de todos os tempos. A pesquisadora transita minuciosamente à procura de verdades ou verossimilhanças: a autoria ou não de determinadas obras atribuídas a Antônio Francisco Lisboa, a sua formação como entalhador, arquiteto, a origem familiar e o seu estilo escultural. Destaque especial para o capítulo 1 (A gênese do “herói barroco”), ao entrecruzar e refletir com lucidez os conceitos do “homem barroco” em Affonso Ávila e José Lezama Lima, para conceber uma visão admirável sobre o barroco mineiro. Outro capítulo que merece uma leitura mais atenta é o 4 (Aleijadinho, estilo e autoria). A partir das idéias de Michel Foucault e Roger Chartier, vai além e demonstra uma das questões centrais levantadas, controvérsia entre muitos historiadores contemporâneos: a ubiqüidade de Aleijadinho. E analisa as críticas, estudos estilísticos e ambigüidades que perpassam as várias teorias levantadas, sem jamais descaracterizar e refutar, por parte da autora, a genialidade do artista. Um dos melhores livros do ano - com ilustrações, digno de uma leitura atenciosa, calma e reflexiva -, que afirma e interroga o processo de formação do mito Aleijadinho através da História do Brasil, sem ficar preso aos discursos históricos oficiais e fórmulas herdadas.

Sortilégio (Edson Cruz, Editora Demônio Negro, São Paulo, SP, 2007): livro bilíngüe (português/espanhol) de estréia, repleto de artifícios poéticos sonoros. Enviesado por composições curtas, longas e singulares. Os limites invisíveis são enfeitiçados pela linguagem Sambaquis de signos em movimentos. Caieiras. Edson Cruz ferve a boa poesia, tal qual o “forno onde se calcina/ a cal da memória”. Como observa Eduardo Milan, “mescla a uma ironia controlada que a veces, saludamente, desbarra em ira”. Na seção Parabolês - a melhor e mais consistente de todas - temos suítes longas e afiadas. Em Cidade imaginária, a rima desconcertante nutre a busca indignada, incessante, em meio às tempestades e o sol tórrido. O poema transcendental, em transe, diálogo com o Oriente e stand-by existencialista, reflete a roda do mundo, na qual “a cidade é imaginária, pura névoa cármica”. Ao multiplicar-se em partituras preciosas, processo sólido da escrita, Edson Cruz, editor-fundador do Portal de Literatura & Arte Cronópios, apresenta-nos uma antologia - o livro lembra uma antologia - afirmativa/reafirmativa, com vôos prodigiosos para o futuro. Intrépido “feito gato no cio” é um quelônio pertinaz “na contingente luz verde que se revela”, e antevê/vê com maestria “o sândalo na onda indo noutra direção”.

Um dia, o trem (Fernando Fiorese, Nankin Editorial, São Paulo, SP, 2008): poesia da mais alta qualidade, impactante, com imagens engenhosas, sem jamais cair no excesso de sentimentos. Na realidade, o livro tem um lirismo com requintes grandiosos. Metafísico. Caminhos, ir e vir - um devir - que pulsa na tensão pai-filho-pai-filho, enlace com ternura, articulados num ritmo extraordinário; a sagrada confluência, ou encruzilhada, de versos, prosas, ressonâncias e enigmas silenciosos. Híbrido. Lembra uma Maria Fumaça percorrendo seus trilhos numa viagem reflexiva, sinuosa, sem perder o tom e flashes poéticos, indagando quem é ela/ele na travessia e para onde vai - o menino, o pai, por extensão, quem somos nós e para onde vamos. Fernando Fiorese, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), que comemora com Um dia, o trem 25 anos de publicação do seu primeiro livro, sussurra paisagens/passagens em bitolas amplas de letra, forma e ferro, banhados pelo despertar do carvão e da fumaça, de uma maneira bem mineira. Cinematográfico. Murilamendes falando, telegrafa e desloca o tempo, a temperatura e as estações: "as pessoas são frases, fases". A sua bagagem é um trem-metáfora, um parêntese que apita eternamente. "A infância é ferroviária".

PS: não poderia deixar de mencionar a excelente revista comemorativa dos dois anos da Confraria do Vento (Editores Márcio-André, Ronaldo Ferrito e Victor Paes, Editora Confraria do Vento, Rio de Janeiro, RJ, 2007). Recebi o exemplar em 2008 - assim como o livro mencionado acima do escritor Edson Cruz. O projeto gráfico, visual, ensaios (distinção para Poesia e Imagem, de autoria do argentino Raul Antelo), poesias, contos, traduções e imagens (Jean Baudrillard e Fernando Figueiredo, exímios) são “Make it new”. Renovação, qualidade e pluralidade. Vamos aguardar o próximo número...

José Aloise Bahia é jornalista e escritor.

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Órfãos do Paraíso, de Milton Hatoum. Terceiro livro do romancista amazonense que leio e releio, cada vez gosto mais. Desde o seu primeiro Relato de Um Certo Oriente, é dos meus prediletos.

Itinerário, do poeta e romancista cubano Miguel Barnet. Lírico que nos ensina como é trabalhoso alcançar a beleza da simplicidade.

La Vengeance du Gaia, de James Lovelock. O cientista norte-americano nos dá, em linguagem acessível, a verdade das causas e as trágicas conseqüências do aquecimento da Terra sobre a vida do planeta, berço e morada da humanidade. .

Thiago de Mello é poeta e conferencista.

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Por causa do ano Machado reli "O Alienista" e "Dom Casmurro", o primeiro a notável sátira contra o autoritarismo em geral e contra o autoritarismo em particular, o segundo aquele clássico e soberbo estudo sobre o ciúme. E li "Banquete com os Deuses", de meu conterrâneo, amigo e genial cronista Luís Fernando Veríssimo.

Abrs.

Moacyr Scliar é escritor e médico.

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Os 3 livros mais bacanas lidos em 2008:

- O livro das impossibilidades (Editora Record), de Luiz Ruffato
- O Filho Eterno (Editora Record), de Cristovão Tezza
- Uma História da Música Popular Brasileira (Editora 34), de Jairo Severiano

Luiz Ruffato amplia em “O livro das impossibilidades” sua concepção da saga do proletariado brasileiro de 1950 até a virada do século XX para o XXI, articulando a forma ao conteúdo com precisão e ousadia. É literatura de primeira.

Cristóvão Tezza mostra em “O filho eterno” a força criativa de sua literatura. Rompe temores e enfrenta desafios numa narrativa densa.

O pesquisador Jairo Severiano revela com conhecimento de causa a essência da MPB e mergulha nas entranhas da nossa música desde sua formação à sua consolidação. “Uma História da Música Popular Brasileira” é fonte segura de informação e leitura prazerosa.

Jorge Sanglard é jornalista.

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Olhai, desta vez, atendo seu convite e rapidamente. Também, porque foram três livros tão essenciais, tão marcantes, que não exigiram, now, uma intensa pesquisa interna...

AS BRASAS- do Sándor Márai -(Companhia das Letras -SP- 2008) duma intensidade exigente, que há muito não encontrava em páginas algumas...Como os dois protagonistas , passei uma noite em claro, sem conseguir ir dormir , antes deles... mexida e revolvida por sentimentos inteiros e movediços , compreendidos e nebulosos, que foram - devassados por atos ocasionais , confusos, determinantes... Amizades e amores mui complexos...me conduzindo numa leitura envolvida , o tempo todo, em linduras maiores !!
CARTA A D. - História de um amor- de André Gorz -(CosacNaify- SP- 2008) Narrativa duma sofrência no limite do inaguentável , também doída para o leitor seguir... Uma linda, linda história de amor , vivida e contada por um sociólogo marxista (!!!??) . História de entrega, de descoberta, de mudança de rumo e rota, de indignação, de aprendizagens constantes a procura de novas condições de vida para a mulher amada e de enfoques para sua militância. Declarações de desejo invejantes ,de amor , de entrega, de dependência da mulher que se esvai por um erro médico. ..Até o pacto de morte, por ser impossível a vida sem ela...
Um texto curto, uma edição primorosa (CosacNaify), proporcionando uma leitura doida, sofrida, dolorosa, dum amor tão intenso que nós, leitores, nos fraglamos " voyeuses " por várias vezes.
UM RIO CHAMADO TEMPO, UMA CASA CHAMADA TERRA - de Mia Couto- (Companhia das Letras- SP- 2008) Suceder de bonitezas , de sonoridades, de poeturas, de imagens visuais fortíssimas, de levezas humoradas , como se encontra -quase sempre- nas escrivinhações do Mia Couto... !!! Leitura deleitosa !!

Abração

E contente com a minha 1ª colaboração pros Cronópios em 2008...

Fanny Abramovich é escritora.

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Aqui vai:

"The Prestige" de Christopher Priest. Um romance de ficção científica sobre a competição entre dois mágicos de palco na época vitoriana. Contrapõe a magia de palco (que finge produzir coisas impossíveis) e a ciência (que produz coisas tidas como impossíveis). Literariamente, tem várias narrativas, umas dentro das outras, com narradores não confiáveis.
"O romance morreu" de Rubem Fonseca.
Crônicas em que RF fala sobre assuntos que lhe interessam e que também me interessaram.
"Contos do Inverno" de Isak Dinesen.
Histórias estranhas que não se esgotam na leitura ou na releitura, escritas numa prosa memorável.

abs

Bráulio Tavares é escritor e compositor.

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Meus prediletos em 2008:

Roberto Bolaño
Putas assassinas

São treze contos, fatias de um único bife chileno. Bolaño mistura formas narrativas. Em Carnê de baile o conto que é uma enumeração de fatos feito lista de supermercado, as mercadorias são depoimentos objetivos de um poeta. Em Encontro com Enrique Lihn o próprio Bolaño entra em cena narrando a proximidade infértil entre mestre e discípulo. Em O retorno, um famoso estilista compra um cadáver, o narrador é esse cadáver no melhor estilo Memórias póstumas Brás Cubas, tão cínico quanto o Machado de Assis, é como cadáver que o personagem vê o famoso em sua intimidade. Como o personagem diz, o necrófilo quer fazer sexo com alguém morto para se proteger, assim ele sabe que não será machucado e nem machucará. Impossível sair ileso da literatura desse chileno. Bolaño é um dos maiores escritores da América Latina.

Sándro Márai
De verdade


Romance volumoso, não pelo número de páginas, mas na descrição pormenorizada de cada intenção por trás de um ato, quer ele do presente ou passado. É um triângulo amoroso, onde o filho de um industrial de Budapeste se apaixona pela empregada doméstica. Trata-se de uma família burguesa que ritualiza desde o café da manhã até a cerimônia de enterro. Se o autor fosse cineasta ele teria inventado e usado uma nano-câmera pela qual observaríamos o volume de um cílio e sua queda. Monumental.

William Faulkner
O som e a fúria

Em algum momento se esbarra em William Faulkner, você pode adiar o encontro, sugiro encará-lo de vez. Digamos que a liberdade seja uma cota dividida entre leitor e escritor. Faulkner fica com cem por cento da liberdade, pois se o leitor não se entrega a ponto de reagir com os personagens, a leitura perde a força e o sentido. É o caso de O Som e a Fúria. William Faulkner é um Guimarães Rosa americano. Ou você ama ou você não precisa dele. A comparação também vale pela originalidade, o uso livre da palavra, a crueldade rústica. Em o ‘O som e a fúria’, Faulkner diz roseanamente: “O homem é o somatório de seja lá o que for”. É um autor violento e ousado, trata-se de um criador tão livre que é impossível alcançá-lo.

Andréa del Fuego é escritora.

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Filosofia em tempo de terror
Diálogos com Habermas e Derrida
>> Giovanna Borradori
JORGE ZAHAR EDITORES


Sheakespeare – Nosso Contemporâneo
>> Jan Kott
COSAC & NAÏF


O Mais Vendido
Ricardo Silvestrim
NANKIM


Tavinho Paes é poeta, compositor e agitador cultural.

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Tanto Faz - Reinaldo Moraes
Como dizia Bukowski: bom tempo é como boas mulheres, não acontece sempre e quando acontece, não dura pra sempre. Digo o mesmo para os livros, mas com uma pequena diferença: o tempo passa, as boas mulheres te deixam, mas os bons livros ficam com você, ali na estante, ao alcance da mão. Os bons livros são mais fiéis do que os cães. Tanto faz é bacana porque é divertido, hedonista, cheio de vida. Gosto dos hedonistas, se é pra doer, vamos nos divertir, certo? Tanto Faz é uma homenagem ao prazer, ao amor e a amizade. Morri de alegria e inveja da amizade do Rica com o Chico. E por falar nisso, onde estão os amigos, as amizades de verdade, dessas em que até as nossas amigas mijam na nossa frente quando voltamos de uma farra, arrotando cerveja e salame? Mas voltando, Tanto faz é bacana-sacana porque é um jorro de alegria. Não há forçação de barra, a coisa flui naturalmente como deve ser. Até os estrangeirismos se encaixam perfeitamente. A escrita é aparentemente simples, despojada, mas cuidado, ela engana. Num capítulo eu rachava o bico devido a alguma cagástrofe do Rica, no outro, franzia a testa e fechava a cara porque não tinha respostas para os questionamentos filosóficos do personagem embriagado de vida e Demi perdido em uma das Gare. Quando li tanto faz, peguei a mochila e me mandei pra Europa, Paris, como não poderia deixar de ser. No final de tarde parisiense, toda vez que me aboletava numa mesa e pedia um Demi, sempre brindava com um Rica e com um Chico imaginários. Tanto faz é bacana, ponto. Porque é um desses livros que tem a manha de mudar a sua vida, mesmo que você não queira... tanto faz...

1933 foi um ano ruim - John Fante
John Fante escreve como quem se confidencia a um amigo. Você acaba comprando a briga dele, ficando do seu lado. 1933... como o próprio título já entrega, é um livro triste. Um livro que fala de sonhos e amores impossíveis, muito frio, tempos de desemprego, saudade, pobreza, mas tudo isso embrulhado no papelzinho do lirismo e com um lacinho de sarcasmo. O sarcasmo de um adolescente inconformado com a vida que leva. Arturo Bandini com seus olhos de raios-x, disseca Svevo Bandini, seu pai, com tanta minúcia e audácia, com tanto ódio e amor, que até dá vontade de lhe ceder o nosso emprego, nosso salário. Comprar-lhe uma casa. Gosto das passagens em que Fante se refere “os olhos do fogão de minha mãe. Ele só obedecia a ela” ou “ O piso da varanda estalava quando o pai pisava...ela sabia que era ele”
Fante é mais um desses escritores que não se protegem em palavras bonitas, vai direto ao ponto: O Coração. Fante tem o poder de se apossar do leitor. Num dado momento, chegamos a pensar que somos Arturo Bandini, ou seu amigo mais próximo. 1933... Arrebata... toca
1933 foi um ano ruim é bacana porque Fante consegue nos alegrar com a sua tristeza e principalmente com a sua inconformação eletrizante.

Complexo de Portnoy - Philip Roth
Chorei e ri demais. Ou será que ri e chorei demais? Sei lá... só sei que foi catarse total. Só quem não foi criança ou adolescente é que não vai se identificar com o personagem, o Alex Portnoy. O Livro é divertido, é engraçado e como dizia Borges: O livro tem que divertir, se não, o jogue fora, pois é. Resisti anos e anos a fio em comprar o Complexo de Portnoy porque, sinceramente achei que era mais um desses livros paranóicos que tentam tirar você da sua paranóia. Enganei-me. Sorri molhado, chorei sorrindo. Uma frase te leva pra baixo, a outra já te traz pra cima com as lágrimas em gargalhadas. Resisti muito tempo também a Philip Roth, nada mais de livros sobre o holocausto. Nada a ver. Outra coisa. Narrativa simples e direta, mas rica e densa. Alex é um personagem que desengonçadamente tenta abrir as portas do coração dos pais medrosos e protetores ao extremo, como não consegue, fecha a porta do banheiro e se acaba na bronha. O Pinto é seu passaporte para a liberdade. Uma verdadeira e hilária epopéia masturbatória. Quem não conseguir rir com a passagem do problema que Alex Portnoy tem com um de seus testículos, deve calar seu riso para sempre: “Quando eu tinha nove anos, um dos meus testículos se cansou de viver dentro do escroto e resolveu migrar pro Norte... deixando seu temerário companheiro sozinho no meio de chuteiras, cercas de madeira, pedras, paus e canivetes, todos aqueles perigos que enlouqueciam minha mãe...”
O complexo de Portnoy não é só bacana, é do caralho, porque Roth pegou todo o seu passado e com muita coragem transfigurou-o.

Reynaldo Bessa é poeta, músico e compositor.

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Caro Edson, os três livros de poesia mais interessantes que li em 2008, foram Mr. Interlúdio (Rio de Janeiro: edição do autor), de Armando Freitas Filho, Ravenalas (São Paulo: Demônio Negro), de Horácio Costa, e Cocatriz (Bauru: Lumme Editor), de Adriana Zapparoli. São três obras densas, com trabalho rigoroso de linguagem, riqueza de vocabulário, de imagética e com dicções pessoais bem delimitadas.

Mr. Interlúdio é um livro que aparenta ser um monólogo confessional (“Quem sou você / que me responde / do outro lado de mim?”), com evidente diálogo intertextual com a poesia portuguesa, e em especial com Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Porém, essa é apenas a impressão imediata; o livro de Armando Freitas, com o belo projeto gráfico de Sérgio Liuzzi e ilustração do próprio poeta, com tiragem de apenas cem exemplares, é a meu ver um consistente trabalho de reinvenção do poema longo, aliando a dramaticidade emocional e o sentido da perplexidade do estar no mundo à escolha meticulosa dos vocábulos e à sua orquestração em frases / acordes dispostas espacialmente nas páginas, de maneira quase cinematográfica (seqüências de cortes e montagens). É um livro que prossegue e radicaliza outros trabalhos recentes do autor, como Fio Terra e Raro Mar, que fazem de Armando um dos melhores poetas brasileiros em atividade na cena contemporânea.

Ravenalas é o registro da produção poética de Horácio Costa desenvolvida entre os anos de 2004 e 2008. Os poemas foram incluídos no livro em seqüência cronológica; conforme diz o autor, “esses poemas não foram afetos ao processo de polimento e reescritura aos quais normalmente submeto os meus textos. (…) Há núcleos temáticos, formas e sentidos recorrentes, nexos, reaparições, que o meu leitor estabelecerá com outras partes de minha obra poética. (…) O que me propus fazer ao dispor estes poemas em forma rigorosamente cronológica é arriscar deixar claras as descontinuidades, a porosidade do (meu) processo poético”. De fato, aqui estão poemas narrativos, em versos longos; poemas herméticos, alegóricos, urbanos, satíricos, homoeróticos, num bem organizado museu de si mesmo organizado pelo autor, cuja dicção é única em nossa poesia recente. Destacaria, aqui, o belo poema Abismos, que abre o volume: “Não me obriguem a chegar mais perto dos abismos: / Ícaro despenhou-se; / Ariadne foi abandonada em Naxos / e cantou sua desdita a um abismo / Tristão e a pobre Isolda desceram a falésia / rumo ao barco que os levaria direto / às ondas”.

Cocatriz, segunda plaquete publicada por Adriana Zapparoli, revela a originalidade temática e semântica de uma das autoras mais talentosas que surgiram na literatura brasileira nos últimos cinco ou dez anos. A autora (que também publicou a plaquete A flor da abissínia, pela Lumme Editor, em 2007) escreve poemas que mesclam a temática erótica, mitológica e científica com um vocabulário denso, enigmático, de forte apelo sonoro e visual, que utiliza inclusive a incorporação (econômica e rítmica) de cores no texto. É uma poeta para ser lida com os cinco sentidos. Destaco, deste volume, um fragmento da última página: “onde permanece beatriz, a louca-irada, / pela aurora-de-retina, aceitando a sugestão / de cantoria e verso, em estação / enfeitada por bijuteria, / enquanto observa as iguanas correndo / em curta distância, sobre as águas”.

Claudio Daniel é poeta e editor.

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Eis 3 livros que me impressionaram em 2008:

-The Huarochirí Manuscript, traduzido do quéchua por Frank Salomon e George L. Urioste
Trata-se de uma das maiores cosmogonias ameríndias, publicada numa edição soberba, quéchua-inglês. Entre outros temas, o texto fala da distribuição das águas na região andina. Nunca se falou tão bem das águas doces e salgadas, na origem do mundo. Li também a versão francesa dessa cosmogonia e a sua recriação em espanhol, de autoria do grande escritor peruano José María Arguedas, que foi muito imfluenciado pelo "Manuscrito de Huarochirí".
-Reading the Maya Glyphs, de Michael D. Coe e Mark Van Stone

Um livro belíssimo e acessível sobre a escrita maia, uma das mais avançadas da Mesoamérica. É possível estudar e decifrar essa escrita-imagem, feita de hieróglifos compactos, que se enrolam sobre si mesmos como a casa do caracol. Uma escrita icônica que os poetas e os artistas plásticos brasileiros precisam conhecer melhor. Influenciou os muralistas mexicanos e toda a iconografia da região. Deixa qualquer um encantado. Corresponde à bela sonoridade do idioma maia.
-Todos os cachorros são azuis, de Rodrigo de Souza Leão
A novela de estréia do escritor carioca me surpreendeu, é curta mas repleta de visões e de invenções lingüísticas. Delírio lúcido, se o oxímoro é tolerável, e sempre bem-humorado, razão por que cativa imediatamente o leitor. No final, o autor nos apresenta a linguagem inumana, a primeira do gênero a ser esboçada na literatura brasileira neste novo século. Espero que esse filão seja desenvolvido e radicalizado pelo escritor em seus próximos trabalhos. Tive o prazer de escrever a orelha do livro, lançado recentemente pela Editora 7 letras, do Rio.

Sérgio Medeiros é poeta e tradutor.

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Bem, você pede três livros, uma seleção bem difícil de fazer, mas vamos lá:

1- Rio Silêncio - Poesia - Antônio Moura - Lumme Editor
2- Embarcações - Poesia - Luís Serguilha - Editora Ausência
3- Antonin Artaud, meu próximo" - Filosofia - Pazulin

As razões são a da boa leitura: grande trânsito de idéias, imaginação, pensamento impensado, beleza de imagens e escrita. Grande Abraço,

Ney Ferraz Paiva é escritor.

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Livros que li em 2008

1. Posso dizer que A Viagem ao Oriente de Le Corbusier é um belo livro.
Ele me impressionou não apenas pela edição super cuidada da Cosac Naify, com ilustrações do próprio Le Corbusier (em papel de gramatura densa) como também pelas notas do autor inseridas nos rodapés. Vale a viagem escrita desde Berlim, Praga e Viena até Pompéia, Florença e Lucerna, passando por lugares como Istambul e Atenas. Escrito em 1911, e revisto em 1965, é seu último texto.

2. Passagens de Walter Benjamin, editado pela UFMG em 2006, no aspecto mais parece uma bíblia, de tão volumoso. O texto corrobora a experiência à qual se propõe o escritor ao longo de sua obra histórica, filosófica e inventiva. É um livro para ser lido, visitado e revisitado ao longo do tempo

3. Entre os livros de poetas, vou citar apenas um: Histórias da Guerra de Charles Bernstein com tradução e prefácio de Régis Bonvicino (Ed. Martins Fontes): “Seus poemas são instigantes, desafiadores, extremamente articulados com as tendências estéticas modernas da literatura americana do pós-guerra.”

E ainda dois livros de ensaios escritos por poetas: La boca del testimonio Lo que dice la poesia de Tamara Kamenszain (Grupo Editorial Norma) e Alejandra Pizarnik de Cesar Aira (Beatriz Viterbo editora). Recolho, na maneira de dizer o poema e/ou a poética, a singularidade de cada experiência de escrita.

Solange Rebuzzi é poeta e psicanalista.

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A Viagem do Elefante - José Saramago (Ed. Companhia das Letras)
Um dos melhores momentos de Saramago. Humor e genialidade falam do Tempo, da alma humana, da morte, da vida; tudo cabe dentro de um Elefante. Que também pode ser um Elefante de Tróia. Metáforas e alegorias literárias ajudam o autor a transformar um livro inteiro num silencioso grito por mais alguns anos de vida.

Senhor Proust - Célest Albaret - ( Ed. Novo Século)
A intimidade de Marcel Proust contada por sua governanta e única confidente. Célest viveu ao lado de Proust durante os oito anos em que ele escreveu sua obra-prima: Em Busca do Tempo Perdido. Depois da leitura desse livro ganhamos uma importante chave para entrarmos na genialidade proustiana e compreendermos melhor a sua obra e os seus principais personagens.

O Local da Cultura - Homi k. Bhabha ( Ed. UFMG)
Livro de ensaios escrito por um dos pensadores mais importantes do século XXI, o crítico indo-britânico Homi BhaBha. Esse livro faz análises originais e polêmicas de temas centrais da atualidade e contribui muito para diversas áreas, sobretudo a crítica literária e os estudos culturais.

Lucius de Mello jornalista e escritor.

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Caro,

Em resposta a sua questão. Os três livros dos que mais gostei este ano são:


1.- Um ensaio: "Gilberto Freyre. Um vitoriano dos trópicos", de Maria Lúcia Garcia Pallares-Burke (Editora UNESP) porque é uma reflexão sobre os livros que permitiram a formação intelectual do autor de Casa Grande & Senzala. É toda uma biografia literária e entendo que deveria servir de modelo para as biografias dos escritores, já que um autor é os livros que escreve e as leituras que lê.

2.- Um romance: "Órfãos do Eldorado" e "Cinzas do Norte", de Milton Hatoum. Esses dois romances dão continuidade ao ciclo amazônico do escritor. Acho que se trata de uma saga e abre novos caminhos a literatura do nosso tempo. A escrita se multiplica em novos planos da escrita e a historia no fim é narrada por uma comunidade humana. Poderia dizer mais, mas remeto ao artigo que publiquei sobre Milton na minha coluna "Las voces y los ecos".

3. Um clássico: "Tristram Shandy", de Laurence Sterne. Reli este livro no passado mês de agosto. É fundamental para entender As memórias póstumas de Brás Cubas e também é uma nova forma de narrar, além de descrever os assuntos humanos com lucidez e ironia. O humor é fundamental para nos enfrentar as grandes verdades.

Antonio Maura e escritor e professor espanhol.

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Meu caro,

não sei se alguém já falou isso (e eu estaria sendo repetitivo), mas limitar minhas escolhas a 3 chega a ser sacanagem... Entendo bem que, pela quantidade de pessoas com suas opiniões, o número de indicações é enorme. Mas não facilita nossa vida.

Bueno, vou tentar me ater.

Em verdade, não vou sair muito do lugar comum.

Em primeiro lugar, no começo do ano saiu PERSÉPOLIS, de Marjane Satrapi, em um único volume, pela Companhia das Letras. A obra, que já era extraordinária e uma das coisas mais bonitas que já li em minha vida, adquiriu com essa edição um status ainda maior de obra de arte tratada com respeito e dignidade. Já sinalizava também o foco maior que a editora estava dirigindo para a área de Quadrinhos e que irá aumentar no ano que vem.
Não posso deixar de citar a soberba edição dos IRMÃOS KARAMAZOV, de Dostoiévski, editora 34. O que posso dizer? Primordial, fundamental, absurdamente belo, essencial na formação cultural de qualquer pessoa do mundo (como foi para mim mesmo), com (finalmente) uma tradução que está à altura do desafio, realizada direta do russo.
CONVERSAS COM WOODY ALLEN, de Eric Lax, da Cosac Naify
, traz entrevistas realizadas durante um período de décadas com um diretor que sempre conseguiu realizar os filmes que quis e não deveu em nada à maquinaria escorchante da indústria hollywoodiana, que sempre seguiu seu próprio caminho, mesmo com tropeços pelo meio de sua carreira, as quais ele reconhece e aproveita para se reinventar. Aliás, um grande traço do caráter de Allen é sua tremenda humildade e sua profunda auto-crítica.
Pelos brasileiros, amei e vibrei com a indicação e posterior premiação pelo Jabuti com o Histórias do Rio Negro, de Vera do Val, Martins Fontes. O prêmio serviu não só para reconhecer o patente talento da escritora, mas também como uma forma de quebrar a pressão desse lado sudeste do país, o que por si já demonstra o valor do trabalho da Vera. Devo dizer, no entanto, que apesar de gostar, e muito, desse livro, eu sou absolutamente apaixonado por outra obra da Vera, O IMAGINÁRIO DA FLORESTA - Lendas e Histórias da Amazônia, onde consegue alcançar um auge de beleza narrativa que tomou por completo.
E recém houve o lançamento do que acredito ser uma obra que deveria balançar o quadro da poesia, e da literatura brasileira em geral, A Musa Chapada, de Ademir Assunção e Antonio Pietroforte, pela contundência do seu tema (poemas que versam e se referem ao universo das drogas), pela força e beleza dos textos em si, pela imponência e força do projeto gráfico da editora Demônio Negro, aliados todos por esse impressionante trabalho das ilustrações de Carlos Carah.

É isso.
Abraços!

Claudinei Vieira é ficcionista e editor.

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A Ordem Secreta dos Ornitorrincos, Maria Alzira Brum Lemos (São Paulo: Amauta, 2008)
A Ordem Secreta dos Ornitorrincos (cuja referência mais antiga data de 1570, arquivada na Torre do Tombo em Portugal) é o subterfúgio para criticar a produção intelectual sem sentido, aliada ao modo de vida igualmente gratuito da contemporaneidade. O livro é um pastiche de gêneros propositadamente irônico, entre bicos de pato de romance, botando ovos de relatórios científicos, dando de mamar a fábulas de meninas abusadinhas. Sem largar o livro, minha leitura sobreviveu a 5 embarques na linha da CPTM às 6h da manhã.
Antologia Frágil, Oficina Moda y Pueblo, org. Diego Ramírez (Santiago, 2008)
Em edição xerocopiada que documenta um processo, a antologia retrata as idas & vindas da oficina de criação poética, sediada na Carnicería Punk, em Santiago do Chile. Vem embalado em caixinhas personalizadas pelos oficineiros, com objetos dentro, "mi pequeña industria cultural". Os texto são sobre a sobrevivência digna antes as luzes da disco, de emos a metaleiros, sobre a melancolia do plástico, das compras possíveis e impossíveis, sobre amores e desamores. A indicação é pela agressiva ternura desse bando, cuja própria existência se documenta como poema. Vídeo a respeito aqui (http://tinyurl.com/4f6c79).
Os Detetives Selvagens, Roberto Bolaño (Cia das Letras, 2006)
(dica: não acrescente um s no nome do autor, senão ele vira o Chapolin) Documentário ficcional epistolar detalhado sobre toda a paranóia que ronda o meio dos poetas, trata da saga dos poetas reais-visceralistas Arturo Belano e Ulisses Lima na procura por Cesárea Tinajero, poeta vanguardista desaparecida no deserto de Sonora, fronteira entre México e EUA. Bolaño retrata, com admiração e sarro, esses poetas, que somos muitos, os quais dedicam seus instantes mais preciosos de vida a perseguir fanaticamente a fiel idéia traiçoeira de Poesia.

Ana Rusche é poeta e romancista.

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Durante esse ano, estive envolvido com alguns temas que têm me deixado inquieto:

1- A privacidade, anonimato, vigilância e espetáculo;
2- A memória e esquecimento;
3- O modelo, padronização, hedonismo
4- O mal e monstruosidade

Por isso recomendo os seguintes livros:

JEHA, J. (org.). Monstros e Monstruosidades na Literatura.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.


São ensaios que discutem a construção e o modelo do mal e das monstruosidades na literatura, o que nos ajuda a entender o imaginário construído dessas representações e suas relações com os fenômenos atuais.

DEBORD, G. A Sociedade do Espetáculo.
Rio de Janeiro: Contraponto, 2007.


Nesse livro, a espetacularização da vida, a coisificação do homem e os modelos padronizados pelo mercado- mesmo da desobediência e da rebeldia - construídos por nossa sociedade, são examinados e iluminados por uma crítica que não poupa credo, ou tendência política. Um livro esclarecedor, principalmente para uma releitura.

FOUCAULT, M. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 2005.
Pensando os efeitos dos meios de comunicação, o escancaramento da vida privada pelos meios virtuais, e a paixão da sociedade pela sua imagem refletidas nesses meios, o livro de Foucault ainda é muito atual. Principalmente quando cruzamos a vigilância e o poder disciplinador de Foucault, com o estudo dos meios de comunicação de Mcluhan. Se Dorian Grey não conseguia vislumbrar o próprio retrato, imagine quando nos olharmos no espelho.

WEINRICH, H. Lete: Arte e Crítica do Esquecimento.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
Finalmente, Weinrich nos revela a necessidade do esquecimento em uma era da informação. Algo que nos parece irreal, pois hoje somos capazes de arquivar uma quantidade enorme de informações. Mas o risco de não esquecer é trazer a informação sem pensar, o efeito previsto por Borges em seu conto "Funes, o memorioso". O pior é que parece que tanto Borges, como Weinrich estão certos, basta olhar a utilização da informação em nosso tempo.

Espero que gostem. Boa leitura.
Patricio Dugnane é poeta e professor.

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Ontem não te vi em Babilônia - Lobo Antunes: pelo desassossego com a estrutura tradicional do romance, com ruptura do tempo-espaço tradicionais, e pelo trabalho insistente com a linguagem.

Um homem que dorme - Georges Perec - pelo intrigante delírio do personagem, exercício de uma depressão do homem moderno, de sua negação diante do mundo.
Ribanceira - Dalcídio Jurandir - (releitura): pelo trabalho com a linguagem.

Carlos Pessoa Rosa é médico, escritor e editor.

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Heterodoxia, de Ernesto Sabato, pela clareza da exposição de idéias complexas e pela convicção com que vão contra a corrente, de esquerda ou de direita.
O Vôo da Madrugada, de Sérgio Sant´Anna, pela segunda vez; a síntese de amor e morte encontra a sua gramática perfeita no Brasil pelas palavras deste escritor.

O Conto do Amor, de Contardo Calligaris, o livro sobre os anos de chumbo italianos, escrito em português e fora da Itália: seria impossível pensá-lo e escrevê-lo ali. Trata-se do livro italiano mais importante dos últimos 20 anos. Brasileiro, vejam só.
Um Diálogo, não chega a ser um livro propriamente dito: Sinfonia do Desbravador, Daisaku Ikeda com Kodama, imigrante japonês da primeira leva, de 1908. Um relato simples e despretensioso conta muito de nossa história e deita uma boa luz em sombras esquecidas do Brasil da Primeira República.

Maurício Paroni é professor e diretor teatral.

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Lá vai essa coisa de livros.

Allegro - Fernando Portela: um contista de primeira. São 91 contos em um estilo conciso, elegante, limpo. Nada sobra e nada falta. Eu já conhecia Portela como um dos maiores jornalistas deste país. O ficcionista me surpreendeu. Em tempos em que se escreve muito, belas imagens, etc etc, e na verdade se diz pouco, Allegro é imperdível.
Rita no pomar - Rinaldo de Fernandes: outra delícia e outra surpresa de 2008, acabei de ler e gostei muito. De não me engano é o primeiro romance do autor. Um livro que a gente lê de um galope. Rinaldo encontrou uma bela maneira de contar uma história. E fez isso muito bem.
Pastoral americana - Philip Roth: O autor põe o dedo na ferida sangrenta da sociedade americana. O sonho acabou. Um dos poucos livros que eu reli partes dele qdo acabei de ler. E uma das melhores coisas que li na vida.

Vera do Val é escritora. Mora em Manaus.

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Indico apenas um, mas acho que vale por muitos.

Pequeno manual de procedimentos, César Aira (Arte & Letra, 2007). Edição organizada por Eduard Marquardt e Marco Maschio Chaga. Trata-se de uma reunião de textos publicados na internet, jornais, revistas etc. Crônicas e artigos que transitam entre o ensaio e a ficção. Destaco “A boneca viajante”: para consolar uma menina que chorava por causa da perda de sua boneca, Kafka teria escrito uma série de cartas. Assinadas pela boneca, as cartas contariam suas aventuras pelo mundo e explicariam o seu desaparecimento. Aira não é apenas um dos mais inventivos escritores contemporâneos, é também um desses escritores capazes de pensar a literatura com ousadia e originalidade.
Indico também uma das raras entrevistas de Aira na Internet:


Carola Saavedra é escritora.

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"Depois dos 50 anos de vida de um leitor, os livros ou são uma releitura ou um conserto, concerto e acerto de contas de formação.

1) Lazarilho de Tormes: esse clássico, que eu não conhecia, dele tive notícia pela primeira vez em uma palestra de Ariano Suassuna. Vale a pena pelo humor e pela crueza das aventuras de um personagem, sobrevivente que parece ter saído das terra do Nordeste brasileiro. Não é nenhum Dom Quixote, porque não possui a grandeza, humanidade e graça da escrita de Cervantes, mas arrisco dizer que sem ele talvez não existisse o Dom Quixote.

2) Travessias Singulares - Pais e Filhos: poderia dizer: "Não tínhamos no Brasil até aqui um livro sequer parecido. Não por falta de conflito, ternura ou guerra nessa relação, é claro. Não por falta de escritores que aqui e ali não se furtaram a essa coisa tão íntima quanto a relação com o útero materno. Uma relação-correspondência que nem sempre chega ao destinatário, fundamental para a definição da identidade, do caráter que somos...". Mas digo: participo da antologia, o que é sempre um motivo de boa lembrança.

3) Paris é uma festa: entra no capítulo das releituras. É um livro para escritores maduros ou iniciantes, leitores maduros ou iniciantes. Mais de um escritor já teve sua vocação despertada por essas memórias de Hemingway. Mais de um escritor maduro já identificou nelas sua própria história, em uma Paris que pode estar em São Paulo, Recife, Quixeramobim ou Porto Alegre. Leitores de todo o mundo lêem-no com prazer, até hoje. Recomendo: se você está cansado, estafado, chateado, desencantado ou puto, pra fugir da rima, leia Paris é uma festa. Faz bem ao espírito.
4) Machado de Assis, ensaios e apontamentos avulsos: não estranhem os três livros que são quatro, porque não poderia deixar de lado esse presente que ganhei neste dezembro. O autor é Astrojildo Pereira, aquele intectual que beijou as mãos de Machado um dia antes da morte do nosso maior escritor. Astrojildo é aquele intelectual que fundou o Partido Comunista do Brasil, que "ganhou" Prestes para o comunismo, e depois foi expulso do Partido e depois reintegrado. Só fazemos bem as coisas que fazemos por amor. O afeto de Astrogildo Pereira por Machado de Assis fez com que ele pulasse o sectarismo, a estreiteza de concepções mecânicas dos companheiros de luta nos anos 30. Leio o livro com prazer e carinho, para aprender com Astrogildo uma visão nova da grandeza de Machado."

Urariano Mota é jornalista e escritor.

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Uma ponte acima do mundo
Pachachaca, palavra quéchua que encontrei no romance – Os rios profundos – de José María Arguedas. Metáfora da leitura. Pachachaca – uma ponte acima do mundo - caminhar acima de seus rios profundos em êxtase. Arguedas nos leva para o interior de Cuzco, suas ruas de pedra, seus palácios incaicos, suas casas com pátios internos. Uma seqüencia de lugares, pontes, rios e fazendas. A vida de um menino no internato, suas descobertas, seu amor ao povo Inca. Um relato autobiográfico de suas andanças com seu pai, um advogado itinerante, antes um juiz. Destituído de suas funções, o pai caminha pelas cidades peruanas e descortina para o menino um universo único. Arguedas, um escritor etnólogo, para mim se apresentou como o maior narrador peruano. Os índios e as palavras belas no idioma quéchua. Siwar k’enti é beija-flor. Arguedas suicidou-se em 1969, aos 58 anos. O amor pelo idioma quéchua surgiu na infância, quando a madrasta sempre o castigava mandando dormir na cozinha com os índios. Tornou-se antropólogo, etnólogo, escritor. O livro me preencheu de encanto. Exótica narrativa dos lugares por onde ele caminhou e sentimentos que experimentou em carne viva. A lembrar que a realidade é sempre mais profunda.

Os rios profundos – José María Arguedas.
Tradução: José Bento.
Ed. Assírio & Alvim

Outro livro que amei ler em 2.008 – Um ensaio sobre Mário de Andrade. O ensaio se propõe a falar do leitor Mário de Andrade e dos leitores de Mário de Andrade. Um mergulho na intimidade e no pensamento dele. Um texto pincelado de ternura, que desperta uma saudade de Mário. “O importante não é ficar, é viver. Eu vivo” E vivendo, viajando, mesmo se nominando antiviajante ele narra um País que o assombra – “A vitória-régia, a grande flor, é a flor mais perfeita do mundo, mais bonita e mais nobre, é sublime. É bem a forma suprema dentro da imagem da flor (que já deu idéia de Flor).” A certa altura o livro narra o ócio de viver sem ter o que fazer, posando para Anita Malfatti, que pintou muitos retratos dele no ócio repartido. Mas, algumas obras são construídas neste ócio, pois mesmo as cartas são obra prima: “Não posso me esquecer da frase que ele [Portinari] disse um dia enquanto eu posava para ele. Parou de pintar de repente, me olhou, olhos luzindo de outra luz mais dadivosa e falou estourando: ‘Você parece um santo espanhol de madeira, do século treze!’. Nunca fui procurar nos meus livros os santos espanhóis do ‘século treze’ exatamente, pra ver si ele acertou na data. Mas sei o que ele queria dizer, vendo atrás da minha feiúra dura e minha cor que são bem de madeira, uma bondade, o sujeito bom que ele exigia de mim pra me querer bem”. Ler este ensaio é mesmo adubar as raízes, como vaticinou Mário - “As almas são árvores. De vez em quando uma folha da minha vai avoando poisar nas raízes da de você. Que sirva de adubo generoso.”

Mário de Andrade e a Cultura Popular - Maria Aparecida Silva Ribeiro
Vencedora do Prêmio Nacional de Ensaios - Prêmio Xerox - 1997
- Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, Câmara do Livro, The Document Company Xerox (1997)

Para concluir, 2008 apresentou a prosa poética de Rodrigo de Souza Leão com o relato nonsense – Todos os cachorros são azuis. Dentro do caos emerge a poesia e beleza de Rimbaud com flores na lapela e a dor de pessoas que desconectaram do mundo e vivem neste espaço de limbo azulado onde tudo é permitido. Foi uma grata surpresa o romance do Rodrigo, um dos projetos premiados com a bolsa de escritor _Petrobrás_ do ano passado.
Quando somos crianças engolimos grilos e quando crescemos engolimos chips, e tudo traz este barulho infernal em nossas vidas.
“Todos os cachorros são azuis? Engoli um chip. Engoli um grilo. O que falta devorar neste mundo?
O carnaval só tem cores de felicidade curta. Tratar com loucos ou com gente normal. Qual a diferença? Com quantos paus se faz a canoa da realidade? Com quantos morteiros se afunda o barco das coisas?”

Todos os cachorros são azuis
Rodrigo de Souza Leão
7Letras, 2008

Bárbara Lia é poeta.

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Eis os três livros mais interessantes que li neste ano:

1. Leituras de Infância, de Jean François Lyotard: neste livro, o filósofo francês faz uma releitura de autores como Joyce, Kafka, Satre, dentre outros, do ponto de vista da infância que, para ele, não é um idade da vida que passa, mas algo que povoa o discurso e portanto habita em nós sempre. A infância é o primeiro olhar, é poder conceituar algo, é livrar-se de um "pré-conceito", de um nome. Assim fazendo, Lyotard nos oferece uma crítica fresca, um olhar renovado sobre esses autores tão consagrados e já conceituados pela crítica. Esclareço que li a ótima tradução espanhola do livro, lançado pela editora Eudeba, Argentina.
2. Relatos de um corvo sedutor, de Péricles Prade. O livro, mais do que uma narrativa, é uma experiência de leitura. Tudo no livro é veloz, as cenas, os personagens. A estória se perde num turbilhão de imagens, informações, referências, nada detém o narrador nonsense do livro, que, mesmo ao final, tendo devorado os próprios dedos, não consegue por fim à sua narração. O livro acabou de ser lançado pela editora Letras Contemporâneas.
3. O presidente negro, de Monteiro Lobato, livro que mostra o perfil eugenista do escritor e clama por um novo olhar e uma nova leitura de sua obra, incontestavelmente paradoxal e maior do que ela nos tem sido apresentada.

Dirce Waltrick do Amarante é escritora, tradutora e pesquisadora.

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Não foi fácil escolher os 3 melhores livros de 2008. Outra tarefa árdua foi falar a respeito dos eleitos. Sou um bom leitor, mas um crítico lamentável. Durante o cumprimento do pedido, percebi o quão difícil é discorrer sobre livros que lemos, mesmo que de maneira sucinta (embora eu conheça alguns pseudo-intelectuais que falam de livros que nunca leram mais que a orelha. Mas deixa pra lá.). Graças ao seu pedido, percebi o porquê de não haver muitos críticos literários pelo Brasil.

Mas vamos lá!

Jesus Kid, romance.
Autor: Lourenço Mutarelli.

Já fazia algum tempo que eu queria ler um livro do Lourenço Mutarelli. “O cheiro do ralo” não servia, pois já tinha visto no cinema. Então procurei pelo “Natimorto”. Não tinha na livraria. O vendedor me ofereceu o “Jesus Kid” e resolvi aceitar a sugestão. Não me arrependi. Mutarelli ganhou, não só um leitor, mas também um fã. Alguém que parte da claustrofóbica premissa de escrever sobre um escritor escrevendo sem cair na mesmice, surpreendendo e divertindo mais a cada capítulo, merece nossa atenção. A saga do escritor Lourenço, autor de livros baratos, vendido em bancas de revista, enclausurando-se em um hotel, deparando-se com os tipos mais curiosos e patéticos e ainda tendo que conviver com Jesus Kid, seu principal personagem e amigo imaginário, é engraçadíssima. Recomendo.

A ponto de explodir, contos.
Autor: Sérgio Fantini.

Conheci o autor antes de ter lido sua obra. Nessas andanças literárias Brasil afora, acabamos por nos tornar amigos. Quando soube que ele lançaria um livro com edição independente lá em BH, encomendei um exemplar. Li, gostei e encomendei 10 para presentear amigos escritores natalenses. Os contos do livro “A ponto de explodir” são de uma fluidez deliciosa. Os temas das histórias variam já que se trata de uma reunião de textos feitos para coletâneas, suplementos literários e publicações diversas. Mas todos têm um ponto em comum: a ótima qualidade, transformando o amigo Sérgio Fantini na maior surpresa de 2008 para mim.
Quem quiser encomendar um exemplar ou simplesmente aperrear o autor, o e-mail dele é: sergiofantini@gmail.com

Fora de órbita, contos.
Autor: Woody Allen.
Woody Allen é histérico, cínico e hilariante. Faz do absurdo, um playground inesgotável de novas possibilidades ficcionais. Este livro é mais uma prova disso. Recomendo, assim como todos os anteriores do autor. Leiam e tentem não morrer de rir.

Carlos Fialho é escritor.

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Minhas três indicações de livros lidos em 2008:

Machado e Borges - Luís Augusto Fischer - Arquipélago Editorial
Um notável ensaio sobre Machado de Assis e Jorge Luis Borges, escrito com lucidez e profundidade e que aponta com frescor, leveza e contemporaneidade, luzes e identidade sobre os dois grandes autores latino-americanos.
Escolhido como o Prêmio Livro do Ano Açorianos 2008.

Paris não tem fim - Enrique Vila Matas - Cosak Naify
Um romance magnético sobre Paris, que é a comprovação pelo autor que Paris é sempre singular e individual, a cidade é a de seu habitante ou visitante, peculiar e intransferível, seja ela a de Hemingway, a do próprio Vila Matas, a de Kafka ou a do leitor. Vale no final a imaginação de quem a interpreta, de quem a decodifica e essa será a verdadeira Paris. Um grande livro.

Meu nome é Legião - António Lobo Antunes - Dom Quixote (Lisboa)
Potente e denso romance de Lobo Antunes, uma espécie de sinfonia literária, tonitroante, entremeada de fermatas e muito original, que nos surpreende com intensidade, comprovando aquilo que o autor afirma: "que somente ele escreve dessa maneira". Esse fato é verdadeiro e esse romance é um bom jeito de se descobrir e de se empolgar com essa forma contemporânea, muito particularizada de se criar uma escrita e um ritmo literário de estilo único.

Alfredo Aquino é artista plástico e escritor.

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Os meus três livros

1 – A sagração da primavera, de Modris Ekteins. História contemporânea.
2 – A imitação do amanhecer, de Bruno Tolentino. Poesia brasileira. Relido.
3 – A mudança – O espelho partido, de Marques Rebelo. Redescoberta de um dos mestres da prosa brasileira.


João Filho é escritor e dono de sebo na Bahia.

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Companheiros de leitura

Escolher três livros dentre todos os lidos durante o ano não é uma tarefa muito simples. Por isso, resolvi adotar um critério dos mais objetivos: escolher meus autores por relação de proximidade afetiva. Sei que vai parecer um critério um pouco egocêntrico, mas vir a público e falar de livros preferidos não deixa de ser um exerciciozinho de egolatria.
Portanto, lá vai: Passeios na Floresta (Éblis, 2008), de Ademir Demarchi, Camisa Qual (Éblis, 2008), de Cândido Rolim e Tratado dos Anjos Afogados (Letra Selvagem, 2008), de Marcelo Ariel.
Os livros do Ademir e do Cândido, além de serem muito bons (quem quiser ler uma opinião “isenta” [todos sabemos que isso não existe, nénão?] sobre eles: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=581427), ainda por cima foram publicados pela minha editora (sim, eu sei, a editora não é minha, é do Ronald Augusto e do Ronaldo Machado, mas a Éblis é, sim, minha assim como as revistas Babel [do citado Ademir] e Critério [do meu camarada Marcelo Chagas] também são).
O Ariel, por sua vez, publicou um livro de poemas que deve ser lido por todos os poetas jovens (mas não só) para que estes entendam que APENAS ler um montão de teoria e também todos os clássicos não faz de ninguém um bom poeta.
Na realidade, o mais legal de ler os autores citados é poder acessar “mundos mentais” completamente diversos nos quais tudo o que é humano nos parece tão poética e estranhamente humano.

Paulo de Toledo é poeta e blogueiro.

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Os três melhores livros do ano

(1) BEIJANDO DENTES (Editora Record) - Livro de contos forte e impactante, maduro e certeiro do campineiro estreante, vencedor do Prêmio SESC de Literatura: MAURÍCIO DE ALMEIDA. Uma beleza!

(2) DOBRADURA (Editora 7Letras) - Continuo na lista dos estreantes. E essa poeta tem fôlego e vai longe. Gosto de poesia simples, sem lengalenga e nhenhenhém. É o que ela faz e bem. A carioca, gravem esse nome: ALICE SANTANNA.

(3) MERCADORIAS E FUTURO (Ateliê Editorial) - Para terminar, outro estreante. Um dos livros mais inventivos e inspirados e inspiradores e que inaugura eu-não-sei-bem-o quê na literatura brasileira e beleza! O autor do romance-novela: Lirinha. Sim, o mesmo do Cordel do Fogo Encantado. E avante e até 2009 e fui e aquelabraço.

Marcelino Freire é escritor e agitador cultural.

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Este ano estive:

- Num hotel, deitada de roupão atoalhado, comendo amendoim de saquinho, longe de tudo, de todos, os olhos voltados pro teto branco, maravilhados, com o belo livro de estréia do Chico Mattoso: Longe de Ramiro.

- Num milharal, arrancando casca de ferida do joelho, apostando corrida de besouros, colecionando tampinhas de garrafa pet, no romance O verão do Chibo de Vanessa Barbara e Emilio Fraia. Escrito a quatro mãos, o livro é rico em "singeleza crua", capacidade que só as crianças e poucos crescidos têm.

- No Japão, distante e confusa com a intricada trama de cartas longuíssimas e bilhetes trocados, disfarçada de raposa do teatro Kyogen, sozinha entre japoneses lacônicos e tarados (?), na luxúria da escrita enxuta (uma espécie de pobreza nobre) de Bernando Carvalho, em seu último romance: O sol se põe em São Paulo.

Natércia Pontes é escritora.

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Não saberia como escolher os melhores livros que li no ano de 2008. Teria de comparar coisas muito diferentes entre si.
Mas tenho lido muita poesia e posso facilmente identificar, entre outras, três leituras que me deram muita satisfação, por um motivo ou por outro.
O primeiro destaque foi "Prime - Poesie Scelte 1977-2007", de Gabriele Frasca (Roma: Luca Sossella Editore, 2008). Uma poesia forte e densa, sobre a qual ainda não posso dizer muito, senão que me impressionou e exigirá ainda um bom tempo de reflexão. Apreciei especialmente os poemas breves.
O segundo livro que li com prazer foi "Uns e outros", de Rodolfo Gutilla (São Paulo: Landy Editora, 2005). O destaque, aqui, é o DVD que acompanha e sintetiza o volume impresso. Raras vezes encontrei um equilíbrio tão delicado, agradável e eficaz, do ponto de vista estético, entre a voz, o texto e os recursos de animação.
Uma terceira boa experiência foi o conhecimento da poesia de Thomaz Albornoz Neves ("Sol sem imagem: poemas". Rio de Janeiro: Topbooks, 1996 - e "Exílio: poesia". Porto Alegre: Movimento, 2008). Mais do que pelo desenho de cada um dos livros, que me pareceu algo irregular, é pela alta qualidade da maior parte dos poemas enfeixados em cada volume que essa poesia se afirma.

Paulo Franchetti é escritor, professor e editor.
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Já que não pude acompanhar a maioria dos lançamentos do ano, descaradamente promovo aqui uma ação entre amigos, mas amigos que merecem, entre vários outros. Na poesia, destaco o livro de Elson Fróes, "Poemas diversos" (Lumme), pelos motivos que me levaram a posfaciá-lo: trânsito desenvolto entre o verso livre e a meticulosidade semiótica do pedeuma. No conto, o livro de Luiz Roberto Guedes, "Meu mestre de história sobrenatural" (Nankin), que, apesar do título evocativo de Mário Quintana, evidencia que o autor se afirma como mestre do gênero infanto-juvenil, especialista em vampiros e lobisomens, essas criaturas tão reais, dando continuidade ao "Treze noites de terror". No romance, o livro de Lourenço Mutarelli, "A arte de produzir efeito sem causa" (Cia. das Letras), no qual nosso mais mórbido e sublime quadrinhista se reafirma como ficcionista digno das telas cinematográficas, devassando personagens meio psicóticos ou meio normais, dependendo do ponto de vista, ou seja, iguais a todos nós. Falei e disse.

Glauco Mattoso é poeta.

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“Os três melhores livros que li em 2008”

TRAVEN, B. O Visitante Noturno. Trad. Luciano Machado. São Paulo, Conrad, 2008. Um grande exemplo de literatura fantástica soturna e misteriosa. E feita por um norte-americano enigmático que viveu escondido no México (suspeitava-se até que fosse Jack London).
Bolaño, Roberto. A Pista de Gelo. São Paulo, Cia. das Letras, 2007.
Ler Bolaño é descobrir, com alívio imenso, que a literatura não acabou. Muitos escrevem, mas nem todos são escritores. Bolaño é, goste-se ou não do seu estilo. O vigor de sua escrita indica que viveu e morreu para isso.
FRANCHETTI, Paulo. Oeste. Cotia, Ateliê Editorial, 2007.
Nada de poemas-piada, paronomásias ou tercetos pretensamente haicaísticos: em Oeste, o haicai aparece em estado puro, com a limpidez dos grandes mestres, como Bashô e Issa.
Leila Guenther é escritora.
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Prezado,

não sei se atenderá, de todo, a seus propósitos, mas aí vão meus 3 livros - 2 deles, por força de estudos e apontamentos para obras que publicarei neste 2009, a saber:
* as coletâneas de contos de Arthur Azevedo: Contos possíveis, Contos fora da moda, Contos efêmeros, Contos em verso, Contos cariocas, Vida alheia, Histórias brejeiras — para efeito da obra "Contos efêmeros de Arthur Azevedo: edição crítica", que lanço em março.
Por que Arthur Azevedo? Porque é um dos melhores contistas da literatura brasileira, seus contos constituem um painel da própria sociedade brasileira de seu tempo, envolvendo diversos gêneros e criando novas possibilidades de criação literária; forneceu a matriz para uma espécie de contística carioca – os contos eram até mais populares que os de Machado de Assis na mesma época -- e seus contos são considerados os introdutores das classes médias na literatura nacional
* as obras de Euclides da Cunha: Contrastes e confrontos, À margem da História, Outros contrastes e confrontos, DA Independência à República [além de todos seus artigos publicados em A Província de S. Paulo - hoje o jornal O estado de S.Paulo]-- para efeito da obra "Escritos políticos de Euclides da Cunha", que lanço em agosto.
de Euclides, o mínimo a se dizer é trata-se de um dos maiores escritores não-ficcionais que o Brasil já produziu, um dos grandes cientistas sociais - sim, senhor -- haja vista que quem escreveu todos esses textos aos quais me reporto, e referências obrigatórias da ensaística brasileira, e que criou a obra-prima Os sertões [vide meu ensaio in Cronópios, dez.2008], insere-se inquestionavelmente na galeria dos primordiais artistas brasileiros.
* o terceiro livro, bem, veio ao chamado apagar das luzes de 2008 e é, a meu juízo, uma das melhores obras da literatura brasileira - no caso, de estatura universal - dos últimos tempos: A chave da casa, de Tatiana Salem Levy, uma quase obra-prima de temática étnico-histórica, reflexão existencial e em especial de construção literária no que Tatiana faz uso perfeito, lapidar, de vozes narrativas, ora na própria do narrador ora na de personagens, umas se transmutando com as outras, e isso, a meu juízo, constitui juntamente com a história da família o fio condutor do romance.
Mauro Rosso é escritor e pesquisador.

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Aí vão os livros:

Noturno do Chile, de Roberto Bolaño (Companhia das Letras). Sem falar no talento do escritor chileno, a admiração que tenho por seu calibre de romancista, minha identificação com suas emoções fundas, seu mergulho na, digamos, pesada carga humana, nesse Noturno Bolaño foi capaz de fazer um retraro admirável do inimigo, sem maniqueísmos, pois o narrador é um padre que dá aulas de marxismo ao ditador Pinochet. E acaba por testemunhar algumas torturas inconcebíveis que foram uma das marcas registradas da página mais negra da história do Chile.
Austerlitz, de W.G.Sebald (Companhia das Letras), romance admirável do escritor alemão, em que o narrador, contando seus encontros com o excêntrico Austerlitz nos leva por "passeios" inequecíveis por uma sinistra arquitetura símbolo das tragédias e da cultura da Europa. Um livro especialmente significativo para mim por passear pela cidade de Praga, em que ambiento o romance que escrevo atualmente. E vale apontar que o jogo de palavras com imagens funciona de forma admirável nesse livro.
Acenos e afagos, de João Gilberto Noll (Record). Uma epopéia libidinal, como define o próprio autor, dentro de um livro em que predomina a obsessão sexual, a repetição sem culpa de atos que indicam determinadas preferências. Esse romance, à parte a sua audácia e a maestria da linguagem de Noll, adquiriu também uma importância especial para mim, pois fui chamado para escrever a sua orelha e me desincumbi da tarefa, muitas vezes com o coração batendo.
Lembrei-me de um quarto e excepcional livro, Edson, que li em 2008. O náufrago, do austríaco
Thomas Bernhard (edição brasileira da Companhia das Letras). Dois pianistas têm suas vidas e carreiras arrasadas ao se darem conta de sua mediocridade diante do pianista (real) canadense, Glenn Gould (aliás, colega deles de curso), especializado em tocar as Variações Goldberg, de Bach. A narrativa é escrita por um deles, na primeira pessoa, aliás uma narrativa excepcional que coloca em xeque o que os também medíocres pensam ser o romance.

Sérgio Sant’Anna é escritor.

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A viagem do elefante, A imitação do amanhecer e Homem no escuro são alguns. O do Saramago pela talvez óbvia conclusão: independente do bicho que somos, sempre se chega aonde se tem de chegar, quer se percorra uma auto-estrada ou um pedregoso caminho. Minha Bíblia de cabeceira, o do Tolentino, me relembra, noite após noite, que o mundo é morada do fugaz e o melhor que tenho a fazer é "recolher nas calçadas do real/meus cacos frágeis, meus jasmins estilhaçados/e fazer o meu vitral desses legados". O do Paul Auster (além de concordar com o autor: a fuga para dentro de um livro, por mais obsessiva que seja, é frutífera porque ativa), só fez referendar o que, por força da profissão, conheço sobejamente: "que os atos sórdidos que os seres humanos cometem uns contra os outros não são meras aberrações - são parte essencial daquilo que somos".
Ana Guimarães é escritora.


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Este ano eu tive a astúcia de anotar o nome dos livros que fui lendo ao correr dos meses. Isso me levou a apurar que, até agora, li 45 deles. Só pra ilustrar que escolher três entre eles é uma tarefa desumana, principalmente para uma criatura nascida sob o signo de gêmeos. Mas vamos lá. Tentar não custa. Ah! Cabe uma observação: os livros citados foram lidos durante este ano, não necessariamente lançados durante o mesmo.
No começo foram os personagens. Alguns deles mexeram com meu juízo este ano por isso não poderia ignorar suas histórias nesta tentativa de eleger três livros: Júnior de Lourenço Mutarelli, A arte de produzir efeito sem causa (Companhia das Letras, 2008) e Félix Gurgel de Raimundo Carrero, O delicado abismo da loucura _ A dupla face do baralho (Iluminuras, 2005) estão entre eles.
Júnior me perturbou com sua loucura líquida, escorregando entre as frestas do cotidiano, da banalidade, procurando refúgio nos números, nos códigos de peças automotivas. Félix Gurgel com sua loucura terra, enraizada e firme, esteio para sua vida rude e cheia de certezas, governando o destino dos mais fracos. Os dois se contrapõem à primeira vista. Os dois são lados distintos de uma natureza igual.
A arte de produzir efeito sem causa traz a prosa estranha e com sugestões de fantástico. Mutarelli continua sem dó de seus personagens. Larga-os à beira do abismo com a mão invisível do leitor colada às costas deles. Adoro isso. O delicado abismo da loucura é na realidade uma reunião de três novelas do autor: A história de Bernarda Soledade, As sementes do sol e a dupla face do baralho, e embora tanto a história de Bernarda e sua família quanto o triângulo amoroso constituído por Ester, Lourenço e Davino, das outras novelas sejam bem construídos, fortes, foi Félix Gurgel quem roubou minha atenção. Félix foi um dos melhores personagens que li, não neste ano, na vida.
Os outros foram Ilonka, Péter, Judit, Lázár e o baterista de cabaré de Sándor Márai, De verdade (Companhia das Letras, 2008). A força com que se cruzam e se debatem, os conflitos gerados pela teia de relacionamentos entre eles são “dissecados” com delicadeza. E isso é possível. E é maravilhoso.
Valeu a tentativa, mas não vou resistir. Não vou conseguir ficar calada a respeito de dois outros livros:
1. Mercadorias e futuro de José Paes de Lira (Ateliê Editorial, 2008)
porque a maneira de brincar “poeticamente” com a filosofia, o resgate do que há de poético no profético, características do texto de Lirinha me acertaram em cheio. Nocaute. O livro é belíssimo. Cheio de vigor e expressividade. Primeiro livro do autor que, acredito, chegou com o pé na porta.
2. Rasif – Mar que arrebenta de Marcelino Freire (Record, 2008).
Eu não ia falar. Ele é meu irmão, eu sei, soa falta de ética, de compostura, sei lá, o escambau. Dane-se. O livro é bom. O livro é lindo. As gravuras de Manu Maltez sugerem o clima. Os personagens continuam doendo, continuam gritando. Por isso eu falo. Tá falado. E é isso aí.
Adrienne Myrtes é escritora.

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Leituras em 2008

Costumo ler com certa rapidez e por isso leio muito. Leio por obrigação e algum gosto as leituras de trabalho e leio com maior prazer os livros que escolho para ler sem obrigação. (Decerto, gosto mais de ler do que escrever. Aliás, sou melhor leitor do que escritor. Ainda bem que é assim, pois, caso contrário, escreveria mais do que leio e ler é bem mais feliz.).
Com o avançar da idade minhas leituras em escolhas por conta própria têm-se tornado seletivas e exigentes. Não há tempo para lermos tudo numa só existência, daí, por prazer e gosto próprio, hoje só leio livros com justa certeza de que são bons, bem escritos, essenciais e densos no entrelaçar de seus temas e tramas, com personagens encorpados, bem talhados, enredos vivos, inteligentes e precisos.
Leio mais narrativas do que ensaios. Também gosto de reler. Cada vez releio mais, com releituras que se repetem ano após ano, certo da felicidade nessas releituras.
Sem me entediar, todo ano releio “Memorial de Aires”, no meu modesto entendimento o mais iluminado romance de Machado de Assis. E, desde há algum tempo, sempre releio “O Amor nos Tempos do Cólera”, que penso ser a melhor obra de Gabriel Garcia Márquez.
Igualmente faço outras releituras teimosas ano após ano e creio que na plena velhice só vou reler e reler livros felizes, plenos de ânimo e sapiência a favor do desmedo da vida. Fortalecem mais o gosto por viver.
Esse meu modo atual de escolher textos para leitura me dificulta um tanto determinar os três melhores livros lidos por mim em 2008. Tudo o que li por escolha própria gostei de ter lido e li com a certeza de que iria gostar. Mas, vamos à escolha dos melhores entre os melhores, no cumprimento da intenção presente na pergunta a respeito dos três melhores livros lidos este ano.
Dentre os romances, destaca-se com justo mérito A LONGA HISTÓRIA, obra em prosa inventiva, exuberante e agradável de autoria do escritor capixaba REINALDO SANTOS NEVES, livro publicado pela Bertrand Brasil. Intelectual discreto em seu magnífico desempenho literário, REINALDO SANTOS NEVES, embora pouco referenciado pela mídia, no meu entender, hoje é o maior e mais caudaloso romancista brasileiro vivo.
Quem ainda não leu A LONGA HISTÓRIA, trate de ler se deseja ler um excelente romance. E leia, igualmente, outros livros do autor, todos de boa qualidade literária com intenso prazer do texto para o leitor, em especial leia a mais recente obra desse escritor, publicada em 2008, A CEIA DOMINICANA: ROMANCE NEOLATINO, livro que estou lendo por esses dias de dezembro. Com o que já li da obra, asseguro que é romance oportuno, vigoroso, literatura grandiosa.
De poesia, o que de melhor li em 2008 foi, sem sombra de dúvida, a obra ÉPICOS, reunião, em um só volume dos mais importantes poemas épicos da história da literatura brasileira, publicação da Edusp/Imprensa Oficial. Livro fundamental, organizado pelo professor IVAN TEIXEIRA. Traz, igualmente, excelentes ensaios de outros estudiosos a respeito das epopéias que reproduz. Poetas e leitores de poesia de todo o Brasil uni-vos na leitura de ÉPICOS !
Ensaios? Li poucos e o que aqui referencio li por obrigação em pesquisas de trabalho. Tornou-se, entretanto, obra fascinante, provavelmente inscrita em minha lista de releituras no porvir. Trata-se de “A CIÊNCIA DE LEONARDO DA VINCI”, estudo minucioso de FRITJOF CAPRA a propósito da obra científica do gênio renascentista, publicação da Cultrix/Amana Key. Leitura obrigatória para todos os amantes do conhecimento em quaisquer áreas do saber.
A lista poderia ser maior, mas fiquemos nessas três referências e que 2009 me conceda a bênção da vida viva para outras leituras igualmente prazerosas. Não sei viver sem ler. Que assim seja.


José Arrabal é escritor.

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1) Umberto Eco, Ensaios Sobre a Literatura, Editora Record.
Sempre é bom ler um teórico como Umberto Eco dizendo coisas tipo: "As obras literárias nos convidam à liberdade de interpretação, pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos colocam diante das ambigüidades e da linguagem e da vida." Um toque pra quem pensa a literatura. E pra quem pensa que pensa, também.
2) Michèle Petit, Os jovens e a leitura, Editora 34.
Uma leitura um tanto quanto ideológica, até. Depois de ler em Roland Barthes que "a literatura contém muitos saberes", passei a me interessar mais por experiências de leitura no Brasil e no mundo. Este é um livro que instiga todos que se envolvem de alguma forma com a necessidade da formação de leitores de boa literatura.
3) Jardim de camaleões - a poesia neobarroca na América Latina, Iluminuras.
Penso que a única coisa que salva uma antologia é o rigor nos critérios de escolha. Cláudio Daniel conseguiu produzir um recorte muito exato do que há de mais representativo na poesia neobarroca da América, nos dando a oportundiade de ler em um mesmo volume, Harondo de Campos, Peulo Leminski, Severo Sarduy e Wilson Bueno.

Lau Siqueira é poeta.
FONTE: Portal CRONÓPIOS - newsletter@cronopios.com.br"
Sobre a fonte: como várias matérias publicadas neste blog, vem esta pesquisa do portal: Cronocópios: Literatura e Arte no Plural. Excelente sítio sobre arte, que reúne contemporaniedade e tradição.
Copiamos algumas matérias, com a autorização e paciência dos administradores daquele "site", sempre remetendo a fonte e, sem jamais perder a de vista as óbvias vantagens do original.
Procuramos na verdade somar valores aos praticantes de judô, para que encontrem na poesia em particular, e na arte em geral, formas fluídas de lidar com sentimentos, que esperamos possam levar a solidariedade, a ética e ao respeito pela simplicidade e complexidade. Alteridade, não austeridade.
À equipe do Cronocópios desejamos um grande 2009, e, em nome dos leitores simples e ávidos, que temos tentado tocar, agradecemos de coração.
Domingos de Souza Nogueira Neto
Judô e poesia

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