13/12/2008 02:16:00
Feliz aniversário, Adélia Prado
Por Rosângela Stefanelli
PARTE 1 – A MULHER DO SÉCULO 21
Adélia, como você analisa a mulher neste novo século? Onde ela evoluiu e em quais circunstâncias pode ter havido retrocessos em suas conquistas?
Adélia - Conquistamos direitos políticos, civis, facilmente verificáveis, mas a luta por eles desalojou-nos de papéis e funções, a meu ver, especificamente femininos, com formidável prejuízo para homens e mulheres. Isto é um retrocesso. Houve uma descompensação que necessitamos reparar. O homem está mais frágil e nós muito "musculosas". Transferimos nossa força para o lugar errado, o da competição. Os homens procuram uma mulher, nós procuramos um homem. Não nos reconhecemos mais. As relações estão cansadas antes de começarem. Black out geral.
A mulher vive hoje conflitos inerentes às suas buscas: Sucesso profissional X Fragilidade das relações amorosas X Ter ou não ter filhos. É preciso mesmo fazer escolhas?
Adélia - Sim, e uma escolha real supõe a consciência de ambos de sua igualdade ontológica, mas com papéis diferenciados. Ter filhos é questão degenerosidade e fé na vida e seu mistério. A obrigação primeira dos pais é suprir a necessidade vital de proteção e afeto a seus filhos, o quesignifica dar presença e atenção reais. Fugimos disso porque esta tarefa nos convoca para o sacrifício de nosso egoísmo. Cuidar do outro ameaça o ego instalado numa ilusória comodidade. O amor é mais que violento, exige conversão.
Os homens estão preparados para se relacionar com essa mulher contemporânea, estão mais sensíveis para entender o universo feminino?
Adélia - Alguns pouquíssimos e maravilhosos exemplares. Deve-se procurá-los de luz acesa.
Como Adélia percebe o mundo globalizado? O que se perde e o que se ganha com esses novos paradigmas?
Adélia - Acho que envelhecer é também perceber o tempo com uma velocidadeacelerada ainda que se considere o real volume de novidades continuamentesuplantadas que nos criam a sensação de "50 anos em cinco". A globalização é inevitável, um avião que consome cada vez menos tempo para nos levar aonosso destino penso que ilustra a idéia, grosseiramente, é claro. Esta nova ordem tecnológica oferece perdas e ganhos. O mal não é o mundo globalizado, mas o homem desumanizado. A culpa não é da internet, já foi da vacina, do lampião de gás, da máquina de escrever. A culpa é nossa, mas isso não queremos encarar. Dá trabalho. É melhor deixar o filho enlouquecer na internet enquanto me queixo à vizinha.
Adélia é uma mulher contemporânea: bonita, elegante, culta, senhora de si. Como você lida com a sua feminilidade?
Adélia - Da maneira mais secreta. Tão secreta que não vou falar dos adjetivos com que me presenteou.
Sobre envelhecer, há medos? Quais os ganhos na terceira idade?
Adélia - Sim. Há conquista de virtudes muito difíceis de se ter quando se é jovem, como a paciência por exemplo.
Quais os segredos de envelhecer com sabedoria?
Adélia - Se envelhece aos poucos e a sabedoria deve ser pedida a Deus e Elenos dá se a pedirmos e podemos envelhecer sem estridência.
Morando em Divinópolis como você se conecta, interage com o mundo global?
Adélia - Sendo o mundo redondo, coberto por satélites, TV, rádio, internet etelefone e telepatia, é fácil. Divinópolis está no centro do mundo.
Na política, vem se ampliando a presença de mulheres em cargos de decisão. Mulher no poder melhora o mundo?
Adélia - Tem obrigação de melhorar, já que é um ser mais dotado que o homem.Quando é má é pior que qualquer homem. Tem a arma secreta. Quando é santa omelhor homem lhe fica devendo.
Já participou ou foi convidada a integrar alguma administração pública e Divinópolis?
Adélia - Já. Aceitei e foi bom pra eu ver que não tenho talento.
Cidadania, ética, diversidade são questões atuais e muito discutidas no espaço público, nas empresas, nas comunidades. Quais os princípios básicos de cidadania para Adélia Prado?
Adélia - Estão todos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.Fazem parte da doutrina de todas as religiões que têm a Deus como Senhor e Criador de tudo, o que fatalmente nos torna livres e irmãos entre nós e das criaturas todas.
Basta cuidar do corpo ou é preciso cuidar do espírito? E como cuidar do espírito em um mundo tão avesso à perenidade?
Adélia - Não temos corpo e espírito. Somos corpo e espírito. Cuidar do espírito é fazer uma escuta real à consciência que não está na cabeça,mas no coração. Escutar e segui-lo.
PARTE 2 – A MULHER DE FAMILIA
Quais os seus prazeres no cotidiano de Divinópolis?
Adélia - Tenho grande prazer em estar com meus parentes. Nos reunimos muito. Sou louca por cinema e leio muito.
Quais os seus prazeres no cotidiano de sua casa?
Adélia - Gosto de ficar em casa. Gosto de habitar.
Dos afazeres do lar, o que mais gosta de executar e o que mais detesta?
Adélia - Gosto de cozinhar. Passar roupa é tenebroso.
Como divide-se entre os afazeres da casa e o ofício de escrever? Há uma organização dessas rotinas?
Adélia - A casa tem rotina. Escrever não. Só quando estou "cheia de palavras".
Conta historinhas para os seus netos? Qual o mundo ideal que gostaria de projetar para eles?
Adélia - Claro, com muito gosto. Um mundo? De fraternidade.
Seu melhor dia da semana e por que?
Adélia - Segunda-feira. A roda do moinho se movimenta enquanto eu fico àtoa olhando. Dia abençoado.
PARTE 3 – A MULHER ESCRITORA
Se pudesse voltar aos seus 40 anos, início de sua carreira como escritora, mudaria alguma coisa?
Adélia - Não e também porque os processos não eram intencionais. Seguiram um caminho inconsciente, o que foi muito bom.
Uma das mais respeitadas escritoras do Brasil e ao mesmo tempo, uma mulher voltada para os afazeres da família. Você se encontra, se sente confortável nessas duas realidades?
Adélia - Demais.
Como lida com a exposição pública, com a fama? Em Divinópolis você é uma pessoa famosa?
Adélia - Graças a Deus não sofro exposição. Quanto à fama não há perigo. O fato de algumas pessoas me conhecerem bem e eu mesma um pouco, me vacina contra a vaidade.
Continua escrevendo sua obra no papel?
Adélia - Continuo escrevendo à mão.
A sua literatura é paixão, vocação ou missão?
Adélia - É paixão da vocação
Há mercado de trabalho (editores) e leitores (consumidores) para os novos poetas/escritores brasileiros?
Adélia - Claro, eu também já fui "jovem autora" e ganhei espaço.
O que recomenda expressamente a um aspirante na sua profissão?
Adélia - A primeira coisa: desacelere. Tenha paciência.
Explica como consegue extrair poesia tão pura da tríade cotidiano X sexualidade X fé?
Adélia - Deus é uma unidade. Poesia, cotidiano, sexualidade e fé, como tudo que existe, procedem dEle e só por isso estão e estamos na unidade. Seria impossível a criação de qualquer obra fora desta unidade radical. Uma sexualidade separada da fé, uma fé fora do cotidiano e tudo fora da poesia não dá pra agüentar. A poesia é a face de Deus contemplada na brutalidadedas coisas. Me perdoe, é uma auto-citação, mas não vejo maneira melhor deresponder.
Deseja ser imortal integrando a Academia Brasileira de Letras?
Adélia - Me falta a vocação acadêmica.
Seu próximo livro já tem nome, falará sobre o quê?
Adélia - É poesia. Ainda não tem nome.
Rosângela Stefanelli é jornalista e diretora da agência Oakian Comunicação Empresarial em São Paulo. Site: http://www.oakian.com.br/ E-mail: rosangela@oakian.com.br
FONTE (imagem incluída): newsletter@cronopios.com.br
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