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“Não sei por onde vou, só sei que não vou por ali” - Thiago de Mello
Não sou desses que sai do Brasil e ao voltar se derrama em elogios às terras por onde andamos. Gosto de fazer comparações, gosto de ver o que tem de novo, gosto de me divertir sabendo que logo logo estarei de volta pras terras tupiniquins. Como a gente daqui é tão melhor que a gente de lá!
Mas não sou daqueles que, tal qual o avestruz, não vê o que não quer ver e para isso aponta as partes baixas pra lua (para evitar grosserias, melhor dizer assim). Ler os jornais na chegada é um impacto. Claro, já vinha meio anestesiado pelos acessos constantes a internet dando conta, em tempo real, da vida na nossa casa. O tema das escutas clandestinas é algo que me incomoda há anos. Quando lia (e ainda leio) nas revistas e jornais trechos inteiros, colocados entre aspas, relatando conversas telefônicas entre agentes públicos (ou mesmo entre pessoas nas suas vidas privadas) sempre me questionava sobre o direito constitucional ao sigilo telefônico, a intimidade, a privacidade, me perguntava se a Constituição não valia pra imprensa.
Os fatos são inúmeros, torrenciais agressões aos mínimos direitos de cidadania. Agora, o que vem pegando, são as escutas incontroladas feitas por organizações estatais: Polícia Federal, ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), Polícias Estaduais etc. As tais maletas que xeretam a vida de todo mundo estão espalhadas por todos os lados. A pergunta que fica é a seguinte, teremos que viver num país de mudos? Privacidade zero! Não vamos nem falar nas câmeras espalhadas pelas ruas das cidades!!!
Nossas conversas por telefone terão de ser reinventadas. Imaginem uma conversa íntima entre você e seu cônjuge acertando o horário para pegar as crianças no colégio:
- Alô!- Quem fala? (não ficou bom, pode induzir o interlocutor a dizer seu nome)
- Eu! (quer dizer que vocês tem uma relação íntima... digamos, promiscua)
- Tão tá. (também não ficou bom, pode significar que o negócio está fechado)
- Que horas? (é, não ficou bom de novo, pode ser que o araponga pense que estás querendo acertar o horário para a entrega da propina)
- Pra quê? (pode ser para a propina, para o araponga, é claro)
- Praquilo... (praquilo não ficou bom, pois a imaginação do araponga vai voar, pense outra coisa)
- Ah. (ah, ficou bom… eu acho que ah não quer dizer nada... eu acho...)
- Ok! (ok é ótimo porque ok só deve querer dizer ok)
- 9hs (complicado… pode significar qualquer coisa… depende da imaginação do policial ou do repórter, lembre-se que pode ser a hora para a entrega da propina)
- Tá. Beijo! (beijo também não ficou bom, como tem cinco letras, pode significar 5 milhões ou cinco licitações ou como começa com B pode querer dizer qualquer coisa que comece com B)
Moral da história... Acerte em casa a hora para pegar as crianças na escola ou poderás ter o nome estampado numa manchete de jornal ou ser preso para investigações e ter sua imagem, de pijamas em casa, divulgadas em nível nacional.
Uma vergonha nacional. Uma cidadania emudecida. Temos que perguntar quem controla aqueles que nos controlam? Por que o Senado da República não tem o direito de ter acesso a todas as informações que correm na Polícia Federal? Não esqueçam que um delegado da PF negou-se a prestar informações ao Senado sob o argumento que as investigações estavam sob sigilo.
Ora, agora descobrem que escutavam os Senadores, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e até o presidente da República. Isso não pode continuar assim. Alguém tem que controlar aqueles que, pagos pelo povo, usurpam suas funções. Por mais que eu não goste do nível dos representantes no Congresso Nacional, nós os elegemos e nós poderemos trocá-los.
Já sobre funcionários públicos, não temos controle algum. As corporações estão adquirindo vida própria e estão tornando-se tutores do bem público. Isso não é correto. Vejam agora o que está fazendo a AMB (Associação dos Magistrados do Brasil)! Mais uma tal de “lista suja”. Ora, a Constituição diz que ninguém é culpado sem o trânsito em julgado de sentença condenatória. Mas a AMB, uma associação civil (tipo uma associação de bairro), envergando a carga simbólica que o nome “magistrados” traz em si, resolve fazer política e vem divulgar listas arbitrárias (arbitrárias por que eles e somente eles elegem o critério para inclusão de nomes na tal de lista).
Isso não é correto pela singela razão de que são eles magistrados (membros de um poder de Estado), são os incumbidos pela Constituição de julgar os cidadãos e ao agirem, por intermédio de sua associação civil, prejulgam, condenam sem direito de defesa, sem devido processo legal, desde já, condenam politicamente —como se a AMB fosse um tribunal de exceção— sem que o cidadão tenha direito de ter a Constituição a seu favor.
Ora, a imprensa pode fazer e divulgar essas listas, a imprensa pode nominá-las de “listas sujas”; as associações de bairro, os sindicatos, as associações de mães, todos podem, os magistrados NÃO! Não devem e não deveriam fazer o que estão fazendo.
Essas coisas são as que entristecem. Como disse Nelson Rodrigues, temos que perder o complexo de vira-latas. Toda vez que vou pra lá, gosto mais daqui! Mas toda vez que volto pra cá, percebo que temos que importar de lá um único conceito: cidadania! É só deste sentimento que necessitamos.
Cidadania é um estado de espírito!!! Ainda vou escrever sobre as noções de cidadão, contribuinte e consumidor. Essa trilha horrorosa que nos retira a auto-estima. A trilha que nos transformou em meros consumidores: exercemos direitos não porque somos cidadãos, mas por que viramos consumidores.
Bom, como disse o poeta: não sei por onde vou, só sei que não vou por ali.
Segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Segunda-feira, 8 de setembro de 2008
FONTE: Braganca Jornal Diario - sao paulo,SP,Brazil
http://ultimainstancia.uol.com.br/
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