sexta-feira, julho 04, 2008

A Alma Feminina

Hail new world! (Vilnius 2)
Ceslovas Cesnakevicius
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A Alma Feminina
A Vaz Galvão, Editor menbro da academia de letras do Recôncav

owww.olobo.net

No tempo em que cama era camarinha, que tapete era alcatifa, que remédio era mesinha, que quarto era alcova, que carta era missiva e beijo era ósculo, ou seja, em mil novecentos e antigamente – como diz o vulgo –, ou melhor, quando eu era jovem, bem jovem, foi que encontrei o meu primeiro amor. Esse, ao contrário daquele que Ângela Maria(*) cantou que era “...como uma flor que desabrochou e logo morreu”, foi eterno. E se eterno parecer um período muito longo, digo que o meu amor dura desde meus 13 anos e só morrerá comigo, que teimo em não morrer jamais...

Mas se não foi como o amor da música paraguaia, o meu tinha uma forte ligação, ainda que inversa, com uns versos de Castro Alves: “Seu nome era o meu canto de poesia,/ Que com o sol – pena de ouro – eu escrevia/ Nas lâminas do céu”. Poderia mesmo dizer que se identificava ainda com os versos seguintes: “...Mas um dia acordei... E mal desperto/ Olhei em torno de mim.../ – Tudo deserto.../ Deserto o coração.” Poderia dizer, mas não posso, pois não é sempre que a vida imita a arte. Até mesmo porque nunca dormi com ela, nunca lhe cheguei muito perto. Nem sequer um casto ósculo lhe dei. Por isso digo que a minha forte ligação foi apenas com os primeiros versos, por, neles, idealizá-la. Porém, por não saber que não era poeta, nem mau poeta, então resolvi escrever-lhe uma carta, onde cometi a imprudência de copiar umas quadras populares sertanejas:

Menina tu quer e eu quero/ Teus parentes é que não quer/ Vamos cumprir nossa sina/ Deixa falar quem quiser. Parêntese...

Minha amiga Macária, quando for revisar este texto, por certo dirá: Esse amor não podia mesmo prosperar, tinha que fenecer, com tantos erros de concordância... E terá razão porque os erros de concordância, da mesma forma como fazem com a gramática, são fatais para o amor.

Fecha-se o parêntese..

.Surpreendentemente, porém, não o matou. Digo que não matou o amor em mim, já que ela, o objeto do meu amor feneceu. Dito assim porque, como para meu coração ela era uma flor – a mais bela – nunca digo que morreu, prefiro a forma erudita de... feneceu. Ainda que ele, o amor (ou seus vestígios), permaneça vivo em minha memória. Melhor dizendo, no meu coração.

Lembra-me perfeitamente como se deu o seu passamento. Descobriram a carta, digo, a missiva que lhe mandara – a que levava a quadrinha citada (a que tinha aquele primor de verso: “Teus parentes é que não quer”) – e, não sei se pela abundância de atentados à gramática, não sei se pela ingenuidade das minhas propostas ou pelo seu ridículo intrínseco, tornou-se motivo de chacota entre os nossos colegas de escola. O mais curioso foi que a ela todas as outras meninas olhavam com inveja – como mulheres, eram práticas e objetivas. Ao diabo a gramática – deviam pensar – e as concordâncias, o importante era o amor. Mas os meninos... como mangaram de mim. Resisti, fugindo deles. Não sei como meu comportamento covarde repercutiu em sua alma sensível. Deve ter repercutido, pois esses fatos, relacionados com o ridículo exposto, marcaram o início de sua morte. Dela, o objeto do meu amor.

Mas como o tempo é remédio para tudo, a minha missiva acabou por cair no esquecimento, e nós, antes que a morte se consumasse, conseguimos trocar algumas palavras e até algum gesto mais ousado, como tocar nas mãos, olhar dentro dos olhos e – suprema ventura! – até trocarmos (finalmente!) um casto ósculo, com os lábios fechados, é claro.

Um dia Eduarda – ai esquecendo de escrever o seu nome –, depois de dizer-me que estava cansada de ser ridicularizada pelos meninos, os quais, volta e meia, lembravam do... “Teus parentes é que não quer”, perguntou-me se eu realmente a amava. Se a amava muito.

— Sim.

Se para toda vida.

— Sim. Para toda a vida.

Frente a minha resposta ela foi afirmativa:

— Você jura que nunca vai se esquecer de mim?

— Nunca. – Jurei beijando os dedos em cruz .

E ela, dizendo-me que era só para tirar uma prova, morreu. Morreu para certificar-se da sinceridade da minha jura e, conseqüentemente, da intensidade do meu amor. Não o fez, porém, ali, naquele momento. Morreu logo depois, tomando uma grande dose de uma substância letal qualquer.

Fiquei inconsolável. Chorei (escondido) por semana a fio. Estávamos, os dois, na casa dos dezesseis e dezessete anos. Éramos tão jovens... Que idade triste para se morrer...! Comecei a ouvir tangos. Esta noche me emborracho, que eu não compreendia a letra, era o meu tango preferido. Foi por essa época que tomei a minha primeira bebedeira, sem saber que me emborrachaba....

Sem esquecê-la, chegou o tempo do serviço militar, foi então que sonhei com ela pela primeira vez. Não foi um sonho comum, desses que ocorrem quando se está dormindo; ela “apareceu-me” quando eu estava de serviço, de guarda, em um canto ermo do quartel. Chegou, com aquela suavidade meiga, tão dela, e disse: “Você não está me esquecendo, não é mesmo, José?” Quando consegui calma para lhe responder que não a esquecera, ela tinha desaparecido. Mas, não demorou muito, voltou a aparecer outro dia, e nunca ficou muito tempo ausente. Com a continuidade, passamos a conversar, uma de suas preocupações era se eu estava sofrendo muito com sua ausência. Indagava sobre a intensidade da dor. “Você prometeu não me esquecer” – lembrava-me. Ou então me dizia: “Se você me ama, realmente, tem que sofrer muito. Por toda a vida” – frisava.

Às vezes, Eduarda me dizia: “Você não está sofrendo com a intensidade que eu esperava. Começo a achar que não valeu a pena ter morrido”. – para concluir – “Afinal eu morri só para te fazer sofrer... Sofre, José, sofre mais... Sofre muito, José...”

Posso dizer que passei pela vida e não vivi, apenas sofri. Um sofrimento tão sutil e constante que apenas dói, mas não mata. Creio que estou vivo só para continurar sofrendo. Por isso digo que teimo em não morrer. Sempre penso nela. E lá do fundo da memória, ouço sua voz.

— Sofre, José, sofre mais... Sofre muito, José...

Ah! Ia esquecendo, meu nome é José. José, apenas, sem rima e sem solução. Tampouco o José do Drummond. Apenas José – um poço de saudades – que sofre e sofre muito, só para satisfazer os caprichos (póstumos) de uma mulher...

(*) Esta canção, Meu Primeiro Amor, foi cantada (gravada) por várias cantoras, inclusive Maria Bethanha. Pesquisando na Internet eu, que a julgava da autoria de Munsueto, descobri que é uma versão de uma música de Hermínio Gimenez (?), feita por José Fortuna e Pinheirinho Júnior.

FONTE: Valença Agora Online - Valença,Bahia,Brazil

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