Hail new world! (Vilnius 2)
Ceslovas Cesnakevicius
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A Alma Feminina
A Vaz Galvão, Editor menbro da academia de letras do Recôncav
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owww.olobo.net
No tempo em que cama era camarinha, que tapete era alcatifa, que remédio era mesinha, que quarto era alcova, que carta era missiva e beijo era ósculo, ou seja, em mil novecentos e antigamente – como diz o vulgo –, ou melhor, quando eu era jovem, bem jovem, foi que encontrei o meu primeiro amor. Esse, ao contrário daquele que Ângela Maria(*) cantou que era “...como uma flor que desabrochou e logo morreu”, foi eterno. E se eterno parecer um período muito longo, digo que o meu amor dura desde meus 13 anos e só morrerá comigo, que teimo em não morrer jamais...
Mas se não foi como o amor da música paraguaia, o meu tinha uma forte ligação, ainda que inversa, com uns versos de Castro Alves: “Seu nome era o meu canto de poesia,/ Que com o sol – pena de ouro – eu escrevia/ Nas lâminas do céu”. Poderia mesmo dizer que se identificava ainda com os versos seguintes: “...Mas um dia acordei... E mal desperto/ Olhei em torno de mim.../ – Tudo deserto.../ Deserto o coração.” Poderia dizer, mas não posso, pois não é sempre que a vida imita a arte. Até mesmo porque nunca dormi com ela, nunca lhe cheguei muito perto. Nem sequer um casto ósculo lhe dei. Por isso digo que a minha forte ligação foi apenas com os primeiros versos, por, neles, idealizá-la. Porém, por não saber que não era poeta, nem mau poeta, então resolvi escrever-lhe uma carta, onde cometi a imprudência de copiar umas quadras populares sertanejas:
Menina tu quer e eu quero/ Teus parentes é que não quer/ Vamos cumprir nossa sina/ Deixa falar quem quiser. Parêntese...
Minha amiga Macária, quando for revisar este texto, por certo dirá: Esse amor não podia mesmo prosperar, tinha que fenecer, com tantos erros de concordância... E terá razão porque os erros de concordância, da mesma forma como fazem com a gramática, são fatais para o amor.
Fecha-se o parêntese..
.Surpreendentemente, porém, não o matou. Digo que não matou o amor em mim, já que ela, o objeto do meu amor feneceu. Dito assim porque, como para meu coração ela era uma flor – a mais bela – nunca digo que morreu, prefiro a forma erudita de... feneceu. Ainda que ele, o amor (ou seus vestígios), permaneça vivo em minha memória. Melhor dizendo, no meu coração.
Lembra-me perfeitamente como se deu o seu passamento. Descobriram a carta, digo, a missiva que lhe mandara – a que levava a quadrinha citada (a que tinha aquele primor de verso: “Teus parentes é que não quer”) – e, não sei se pela abundância de atentados à gramática, não sei se pela ingenuidade das minhas propostas ou pelo seu ridículo intrínseco, tornou-se motivo de chacota entre os nossos colegas de escola. O mais curioso foi que a ela todas as outras meninas olhavam com inveja – como mulheres, eram práticas e objetivas. Ao diabo a gramática – deviam pensar – e as concordâncias, o importante era o amor. Mas os meninos... como mangaram de mim. Resisti, fugindo deles. Não sei como meu comportamento covarde repercutiu em sua alma sensível. Deve ter repercutido, pois esses fatos, relacionados com o ridículo exposto, marcaram o início de sua morte. Dela, o objeto do meu amor.
Mas como o tempo é remédio para tudo, a minha missiva acabou por cair no esquecimento, e nós, antes que a morte se consumasse, conseguimos trocar algumas palavras e até algum gesto mais ousado, como tocar nas mãos, olhar dentro dos olhos e – suprema ventura! – até trocarmos (finalmente!) um casto ósculo, com os lábios fechados, é claro.
Um dia Eduarda – ai esquecendo de escrever o seu nome –, depois de dizer-me que estava cansada de ser ridicularizada pelos meninos, os quais, volta e meia, lembravam do... “Teus parentes é que não quer”, perguntou-me se eu realmente a amava. Se a amava muito.
— Sim.
Se para toda vida.
— Sim. Para toda a vida.
Frente a minha resposta ela foi afirmativa:
— Você jura que nunca vai se esquecer de mim?
— Nunca. – Jurei beijando os dedos em cruz .
E ela, dizendo-me que era só para tirar uma prova, morreu. Morreu para certificar-se da sinceridade da minha jura e, conseqüentemente, da intensidade do meu amor. Não o fez, porém, ali, naquele momento. Morreu logo depois, tomando uma grande dose de uma substância letal qualquer.
Fiquei inconsolável. Chorei (escondido) por semana a fio. Estávamos, os dois, na casa dos dezesseis e dezessete anos. Éramos tão jovens... Que idade triste para se morrer...! Comecei a ouvir tangos. Esta noche me emborracho, que eu não compreendia a letra, era o meu tango preferido. Foi por essa época que tomei a minha primeira bebedeira, sem saber que me emborrachaba....
Sem esquecê-la, chegou o tempo do serviço militar, foi então que sonhei com ela pela primeira vez. Não foi um sonho comum, desses que ocorrem quando se está dormindo; ela “apareceu-me” quando eu estava de serviço, de guarda, em um canto ermo do quartel. Chegou, com aquela suavidade meiga, tão dela, e disse: “Você não está me esquecendo, não é mesmo, José?” Quando consegui calma para lhe responder que não a esquecera, ela tinha desaparecido. Mas, não demorou muito, voltou a aparecer outro dia, e nunca ficou muito tempo ausente. Com a continuidade, passamos a conversar, uma de suas preocupações era se eu estava sofrendo muito com sua ausência. Indagava sobre a intensidade da dor. “Você prometeu não me esquecer” – lembrava-me. Ou então me dizia: “Se você me ama, realmente, tem que sofrer muito. Por toda a vida” – frisava.
Às vezes, Eduarda me dizia: “Você não está sofrendo com a intensidade que eu esperava. Começo a achar que não valeu a pena ter morrido”. – para concluir – “Afinal eu morri só para te fazer sofrer... Sofre, José, sofre mais... Sofre muito, José...”
Posso dizer que passei pela vida e não vivi, apenas sofri. Um sofrimento tão sutil e constante que apenas dói, mas não mata. Creio que estou vivo só para continurar sofrendo. Por isso digo que teimo em não morrer. Sempre penso nela. E lá do fundo da memória, ouço sua voz.
— Sofre, José, sofre mais... Sofre muito, José...
Ah! Ia esquecendo, meu nome é José. José, apenas, sem rima e sem solução. Tampouco o José do Drummond. Apenas José – um poço de saudades – que sofre e sofre muito, só para satisfazer os caprichos (póstumos) de uma mulher...
(*) Esta canção, Meu Primeiro Amor, foi cantada (gravada) por várias cantoras, inclusive Maria Bethanha. Pesquisando na Internet eu, que a julgava da autoria de Munsueto, descobri que é uma versão de uma música de Hermínio Gimenez (?), feita por José Fortuna e Pinheirinho Júnior.
FONTE: Valença Agora Online - Valença,Bahia,Brazil
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