quarta-feira, abril 02, 2008

Pernambuquês - Fernando Antônio Gonçalves


Pernambuquês
Por Fernando Antônio Gonçalves

Um dos passatempos do João Silvino da Conceição, este nordestino por demais arretado de bom, é escrever pequenas historietas, utilizando o pernambuquês, linguajar criado e curtido pelos que moram neste estado pioneiro, berço de Gilberto Freyre, Manuel Bandeira, João Cabral de Mello Neto e Luiz Gonzaga. Este último também eleito para encabeçar a lista dos que mais se destacaram no século passado.
Aproveitando o raiar do último domingo da Ressurreição, o Silvino me mostrou um texto seu que é uma beleza de amor pelo linguajar regional. Uma meia página que deve ser divulgada aos quatro ventos, servindo também de bom alerta. Ei-la:
“Sentindo-se o diabo chupando manga, só por ter sido aprovado num vestibular que carecia de maior seriedade fiscalizatória, o abilolado do Lordenelson, batizado assim em homeagem a um cabra bom do além-mar, raspou os pêlos do cocoruto e ganhou a rua para ser admirado pelas minas aguadas das redondezas, algumas minchas que nem pirraia sem ainda os frisos dianteiros.
Arremedando os arretados que foram aprovados nos vestibulares mais acochados, Lordenelson, todo metido a cavalo do cão e virado num molho de coentro, foi dar com os costados numa praça de alimentação de shopping, de braços dados com a Creonilda, uma catraia toda zambeta que fazia um rala-e-rola completo nos cafundós do Judas da área portuária.
Falando bem alto, na maior zoada, Lordnelson apregoava que tinha feito um vestibular numa faculdade tampa de foguete, onde os alesados enguiçados do saber não tinham vez de jeito maneira. E que estava naquela praça com a bobônica, pra responder pros interessados os noprós de vestibular, pra ele tudo bronca safada.
Arrodeado de uns galalaus trelosos e umas sararás amostradas, de diademas rosas recheados de birilos, Lordenelson ouviu a primeira pergunta, vinda de um tamborete de zona pra lá de cabeça feita, de alpercata de rabicho, com o diabo no couro por ter sido agoniado demais nas respostas dadas, pressa que lhe tinha surripiado o lugar primeiro de uma universidade federal. Sem poder conversar miolo de pote e não desejando se arredar dali como um abiscoitado, Lordenelson arriscou um ”não sei, essa” bem baixinho, gerando um balaio de gato depois de uns outros tantos “não sei”. Até um lanterneiro que apreciava o papo, danou-se, presenteando as fuças do Lord com uma chapoletada de deixar comendo brocha o mais arisco dos marombeiros da região.
Sentindo-se atolado e meio com a cipoada levada, tão forte que provocou um catabiu nos seus solados, Lordnelson, já sentindo uma graxinha intestinal a lubrificar-lhe o peritônio, imaginou-se no fiofó do mundo, bem distante daquela inhaca que já exalava do seu fundo de calça. Sentindo que podia comer capim pela raiz, se farrapasse em mais um “não sei”, deslisou de mansinho, arribando-se ligeirinho para seu quartinho, muito puto da vida por ter-se enganado a respeito dos seus dotes intelectivos”.

Segundo João Silvino, a historinha acima é um alerta para os que fazem vestibular em “falcudade só carestia”: “Para que as aratacas metidas a terceiro grau se arribem, deixando de tapiar os bagos dos pés-de-chinelo com tabuletas de esparro, não carece de fusuê. Basta que os alesados saibam identificar as organizações trepeças que enrolam, que apenas desejam o tutu dos idiotas, deixando todos, nos amanhãs, profissionalmente malamanhados”.
Estou com o João Silvino e não abro nem pro trem, sob as Graças do Homão de Nazaré, que sabia das coisas sem nunca ter freqüentado universidade.
Fernando Antônio Gonçalves é professor universitário

FONTE: pe360graus.com - Recife,Pernambuco,Brazil

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