sábado, novembro 06, 2010

Ryszard Kapuscinski. O melhor repórter do mundo ou uma fraude?

Kapu dizia que o jornalista devia usar cinco sentidos: ver, ouvir, sentir, partilhar e pensar
James Keyser/getty images
Publicado em 06 de Novembro de 2010 .

Dois livros, duas versões. "Kapuscinski Non-Fiction" acusou-o de ficcionar as suas histórias. Agora uma biografia vem defendê-lo

Garcia Márquez considerou-o o maior jornalista do século xx. Atravessou 27 golpes de estado e revoluções, elevou a reportagem ao nível de obra literária, foi candidato ao Nobel e vencedor do prémio Príncipe das Astúrias. Era "o correspondente de guerra", "o repórter completo". Para outros tantos, simplesmente "o mestre", ou "Kapu". Pode a morte ter arrancado o mestre do seu pedestal?

Ainda o mundo recebia a notícia da morte de Ryszard Kapuscinski, em 2007, quando surge o primeiro abalo. Afinal o autor de "Ébano" e de "Viagens com Heródoto", o jornalista que se tinha transformado numa referência era afinal, um espião dos serviços secretos comunistas. Kapu só terá conseguido atravessar fronteiras e ser correspondente da agência polaca PAP durante décadas porque assinou um acordo em que se comprometia a enviar informações dos países por onde passava.

Em Março deste ano, o segundo abalo. "Kapuscinski Non-Fiction", escrito pelo amigo e jornalista polaco Artur Domoslawski (chega às livrarias espanholas na próxima semana), acusou-o de ficcionar as suas reportagens, inventar encontros e acontecimentos, alimentar uma lenda, ter amantes e, mais uma vez, ser um espião comunista.

Agora "Kapuscinski. Una biografía literaria" (na edição espanhola, que chegou às bancas esta semana), escrito pelos estudiosos da sua obra Beata Nowacka e Zygmunt Ziatek, quer repor a reputação do jornalista. Na biografia que incluiu análises das reportagens de Kapu, os polacos também respondem às acusações de Domoslawski: defendem a opção de Kapuscinski pela "criação literária" e justificam algumas imprecisões dos relatos do repórter.

Jornalismo ou Literatura? Domoslawski atacou os textos de Kapucinski: muitos "rompem as fronteiras entre o jornalismo e a ficção" e estão mais próximos da literatura que do jornalismo. Na biografia, Nowacka e Ziatek vêm defender "o direito do escritor" de, ao optar pela reportagem narrativa, "descrever as suas aventuras com imaginação e criatividade e de acordo com as leis da memória".

Imprecisões? Kapucinski fala de vários momentos em que terá escapado a pelotões de fuzilamento, mas Domoslawki só conseguiu confirmar um: nas outras ocasiões, o repórter era "a única testemunha do que lhe tinha acontecido". Domoslawski nota ainda que encontros com figuras como Patrice Lumumba e Che Guevara terão mesmo sido inventados. Quando Kapu se deslocou pela primeira vez a África já o líder congolês tinha sido assassinado e quando foi questionado pelo biógrafo de Che sobre o encontro descrito nas costas das edições inglesas dos seus livros, Kapu admitiu que essa referência tinha sido um erro dos seus editores. O facto de nunca ter desmentido a história leva o amigo jornalista a descrevê-lo como alguém que gostava de alimentar "a lenda" e de ser visto como "um tipo duro: um repórter que não teme a guerra".

Em "Kapuscinski. Una biografia literária", Nowacka e Ziatek justificam algumas imprecisões pela distância temporal entre o momento da acção e o momento da escrita: entre 1962 e 1972, Kapucinski escreveu notícias de agência; só a meio dos anos 70 transportou as suas experiências para reportagens.

Espião? Domoslawski começou a investigação com uma pergunta-chave na cabeça - "Como fez carreira de grande repórter dentro de um regime não democrático?" - e concluiu que isso só seria possível se tivesse caído nas boas graças do regime comunista. O nome "Ryszard Kapucinski" consta dos ficheiros da antiga polícia secreta. Ao lado acrescenta-se que durante anos "não contribuiu com nenhuma informação interessante". A viúva do repórter, Alicjia Kapuscinski - que recorreu ao Tribunal de Varsóvia para tentar impedir a publicação de "Kapuscinski Non-Fiction" -, garantiu numa entrevista que Kapu nunca foi um espião. O contrato com o regime foi simplesmente "o preço que teve de pagar" para, debaixo de um governo comunista, se "tornar o repórter que foi".

FONTE: i Informação

http://www.ionline.pt/

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