sexta-feira, outubro 15, 2010

A filosofia grega e a democracia

Mozart Lacerda Filho - 03/10/2010

Estimado leitor, hoje iremos às urnas e celebraremos, com isso, o espírito democrático, tão caro num país afeito, historicamente, a golpes de estado como o nosso. Entretanto, à guisa de provocação, discorrerei brevemente sobre a filosofia grega e sua relação com a democracia.

Platão (428-347 a.C.), filósofo grego, foi um dos maiores críticos da democracia do seu tempo. Pelo menos daquela que era praticada na cidade de Atenas e que ele conheceu tão bem.

Filho de uma família nobre, que se orgulhava de descender do grande reformador Sólon, Platão acabou desviando-se da carreira política devido ao regime dos Trinta Tiranos. Um dos seus parentes mais próximos havia exercido elevadas funções durante aquela tirania, que, apesar da curta duração, foi extremamente violenta. Esse fato lançou suspeitas sobre toda a sua família, atingindo inclusive o jovem Platão, quando a democracia foi restaurada.

Sua aversão à democracia deveu-se ao julgamento e à condenação a que foi submetido no areópago o seu velho mestre, o sábio Sócrates, injustamente acusado de não cultuar os deuses da polis e de ter corrompido a juventude ateniense. Esse caso célebre aconteceu no ano de 399 a.C. e culminou com Sócrates sendo obrigado a beber a cicuta, veneno oficial com que se executavam os condenados em Atenas. Esse crime jurídico, que vitimou o amável ancião, fez com que ele passasse a se dedicar, entre outras coisas, à busca de um regime político ideal, que evitasse para sempre a possibilidade de se reproduzir injustiças como aquela.

Curiosamente, num dos mais famosos diálogos de Platão, Críton, ao que parece, Sócrates também rejeita a democracia. Segundo ele, o demos – ou seja, o povo – age ao sabor do acaso e, em função desse descaso, não merece ter suas opiniões levadas em conta.

Nesse sentido, podemos afirmar que a crítica de Sócrates à democracia é uma crítica democrática que deve ser distinguida de uma crítica totalitária da democracia. A crítica democrática é amigável. A crítica totalitária é hostil.

A crítica de Sócrates à opinião da maioria tem o sentido de defender que a única autoridade moral é o indivíduo, não a multidão. Isso talvez seja compatível com a democracia, pois a democracia se volta ao problema da autoridade política, não da autoridade moral.

Por isso, se o povo geralmente pensa as questões políticas ao sabor do acaso, ele também não seria uma boa autoridade política. No fundo, o argumento não seria muito diferente do encontrado em outros diálogos do Sócrates platônico, em que também se critica a opinião vulgar e explicitamente a democracia. De todo modo, Sócrates visava apenas à crítica da maioria como autoridade moral.

Bom domingo a todos.

(*) doutorando em História e professor do Colégio Cenecista Dr. José Ferreira, da Facthus e da UFTM  - mozart.lacerda@uol.com.br

FONTE: Jornal da Manhã - Uberaba

IMAGEM: polegaropositor.com.br

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