César Vallejo é o grande poeta da hispanidade, talvez o mais contido entre os mais produtivos — sem a excessividade magnífica de Neruda, sem o radicalismo experimentalista de Huidobro. Genial em todas as suas frases, desde Los Heraldos Negros (1919 e Trilce (1922), quando exercita um modernismo com ressábios simbolistas e um certo hermetismo sensual e auto-flagelador. Mas é na temporada européia, confrontando as correntes revolucionárias desde o dadaísmo e o surrealismo que ele conjuga um certo automatismo verbal com sua veia telúrica e social, executando um praxismo frasístico com os paradoxos da reflexão crítica, às vezes prosaica e irônica: “¿Y la forense diéresis, la mano,/ mi patata y mi carne y mi contradicción bajo la sábana?”. Contrapondo (dialeticamente) “las individualidades colectivas” e as “colectividades individuales”, e ao “paso inmóvil en el borde del mundo”. Em seguida confessa: “Algo te identifica con el que se aleja de ti”. Eu diria, em contrapartida, que também com o que se identifica o poeta: “Algo te identifica con lo que se aleja de ti”... Sem dúvida. Talvez um resquício maniqueísta na constatação de sua formação católica:
“¿Qué hay más desesperante en la tierra, que la imposibilidad en que se halla el hombre feliz de ser infortunado y el hombre bueno de ser malvado?”
E responde, paradoxalmente:
“!Alejarse! ¡Quedarse! ¡Volver! ¡Partir! Toda la mecánica social cabe en estas palabras”.
Quem duvida? Justamente em suas duas última obras – Poemas Humanos (1939) e España, aparta de mi este cáliz (1939), em seu distanciamento da pátria, é que ele assume aquela universalidade/atemporalidade tão circunstanciada de seus versos mais engajados em que revela: “quiebro contra tu rigidez de doble filo/ mi pequeñez en traje de grandeza!”.
É sempre um atrevimento descabido traduzir poesia, mais ainda de um poeta como César Vallejo, desafio a que me entreguei com certa timidez. Durante o exercício, ocorreu-me o poema com que inicio esta entrega:
INTERTEXTUALIZANDO CÉSAR VALLEJO
Poema de Antonio Miranda
“vagarían acéfalos los clavos” CÉSAR VALLEJO
Inventei o verbo aindar
quando ainda havia verbos e havia caminhar.
Havia idas e regressos
e havia versos a desafiar
o tempo e seus retrocessos.
!Tengo el alma clavada por cien clavos…!
vocifera Vallejo com ou sem pregos
cravados na garganta e nas asas seqüestradas.
Ainda havia flores tranqüilas nas madrugadas
e a certeza de arrebóis transcendentes
despertando um morto de sua tumba,
havia dentes, impureza, sóis e um horto havia.
Um morto que voltava às trevas da existência
com as luzes infinitas de seu desprendimento,
substância em clara mutação. Ainda:
apodreciam “sueños que no tienen cuando”.
Aindando o inútil reverso
do Não-ser e sua essência.
(Chácara Irecê, Goiás, 2/7/2006)
LOS HERALDOS NEGROS
César Vallejo
Hay golpes en la vida tan fuertes... Yo no sé!
Golpes como del odio de Dios; como si ante ellos,
la resaca de todo lo sufrido
se empozara en el alma... Yo no sé!
Son pocos, pero son... Abren zanjas oscuras
en el rostro más fiero y en el lomo más fuerte.
Serán tal vez los potros de bárbaros atilas;
o los heraldos negros que nos manda la Muerte.
Son las caídas hondas de los Cristos del alma,
de alguna fe adorable que el Destino blasfema.
Esos golpes sangrientos son las crepitaciones
de algún pan que en la puerta del horno se nos quema.
Y el hombre... Pobre... pobre! Vuelve los ojos, como
cuando por sobre el hombro nos Ilama una palmada;
vuelve los ojos locos, y todo lo vivido
se empoza, como charco de culpa, en la mirada.
Hay golpes en la vida, tan fuertes... Yo no sé!
A primeira etapa de sua produção poética é representada por Los Heraldos Negros. Nessas poesias ressalta a angústia do homem insatisfeito com a vida. Vive sua dor e a dos outros. Na sua produção poética, destacam-se: Trilce; Poemas Humanos; España, Aparta de Mí Este Cáliz. Entre suas novelas: El Tungsteno. A obra de Vallejo constitui não só o ponto mais alto de toda a literatura peruana, senão uma das aventuras estéticas mais profundas e geniais do século XX. Narrador, dramaturgo e ensaísta de talento, Vallejo foi sobretudo um imenso poeta, um dos maiores do idioma, deixando uma considerável marca na poesia contemporânea de âmbito hispânico. Morreu em Paris.
FONTE: http://www.portalentretextos.com.br/
IMAGEM: http://descaminhossombrios.blogspot.com/
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