sábado, setembro 25, 2010

Manoel d’Oliveira partilhou recordações e o fascínio por Camilo Castelo Branco

“Eu estou aqui a falar, mas não sabem quem eu sou. Eu sou o Manoel d’Oliveira”: a apresentação estava feita perante uma plateia lotada que escolheu passar a sexta feira à noite na companhia do cineasta.

O pretexto era o regresso de Manoel d’Oliveira à Casa de Camilo, em Vila Nova de Famalicão, quase vinte anos depois da estreia do filme “O Dia do Desespero”, que relata a história verídica dos últimos anos de vida do romancista Camilo Castelo Branco. O Centro de Estudos Camilianos emprestou o seu auditório para rever “O Dia do Desespero”, com a promessa de ouvir o mestre recordar e rever os pormenores das filmagens - e os famalicenses não faltaram à chamada.

Em passo apressado, o realizador que em dezembro cumprirá 102 anos, entrou numa sala cheia. À porta, quem não conseguiu entrar espreitava, tentava vislumbrar a silhueta do mestre. E este fez ecoar os mais sinceros agradecimentos e apresentou-se, poupando palavras ao seu interlocutor, que tinha acabado de perguntar: “Como apresentar quem não precisa de apresentações?”

Manoel de Oliveira descobriu o fascínio por Camilo Castelo Branco, revelado tanto em “O Dia do Desespero”, como nas suas obras “Amor de Perdição” e “Francisca”, porque, tendo sido “um escritor excecional” é impossível não o descobrir. “Quem é que não o descobriu? O fascínio é evidente”, atirou num tom bem-humorado que manteve, tanto na conversa prévia à exibição do filme, como na demorada sessão de perguntas posterior, levando a plateia inúmeras vezes às gargalhadas.

Sobre os pormenores da rodagem de “O Dia do Desespero”, filmado em 1991 e projetado no Centro de Estudos Camilianos de Vila Nova de Famalicão, o realizador reconheceu não se lembrar de histórias particulares, nem daquela em que terá pedido folhas, importadas da Bélgica, para uma acácia despida. O tom bem disposto foi pontuado por momentos sérios, especialmente quando o tema era Camilo Castelo Branco. “A vida dele foi funesta”, assegurou o realizador, que vê na figura do escritor o peso de uma “perseguição” de que foi alvo desde criança.


O homem que já foi “muita coisa”, mas agora é só realizador, intercalou o tema camiliano com outro: a morte. “A morte igualiza toda a gente. Ricos e pobres”, afirmou, debruçando-se depois perante a relação que se estabelece entre o seu oposto, a vida, e o cinema.

Para Manoel d’Oliveira, “a própria vida não tem nada de original”. “Foi o viver que me ajudou a fazer cinema e não o contrário. O cinema copia o que o Criador cria, portanto não me podem chamar criado”, resumiu.

Apesar de não ser presença habitual nas salas de cinema, o cineasta que começou quando o cinema ainda era mudo - “Fiz cinema mudo, porque não havia som”, disse -, não se escusou a comentar a nova revolução tecnológica pela qual a sétima arte está a atravessar. “Acho que as três dimensões são de mais, porque exageram a própria vida. Por mais voltas que deem à técnica, nunca a técnica substitui os seres humanos”, defendeu o realizador mais velho do mundo ainda em actividade.

FONTE: Correio do Minho
http://www.correiodominho.com/
 
IMAGEM: revistasim.com

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