Literatura
De Nápoles para África, a paixão da literatura
Mónica Gomes, revista África 21 *
De Nápoles para África, a paixão da literatura
Na Fundação Prémio Napoli e na Universidade L’Orientale, em Nápoles, Luandino Vieira e Margarida Paredes deambularam pela literatura e pelas evocações de um tempo ainda muito vivo nas suas memórias.
Mónica Gomes, revista África 21 *
Nápoles - O escritor angolano Luandino Vieira foi convidado pela Fundação Prémio Napoli e pela Universidade L’Orientale, para um debate sobre «literatura e biografia» com a escritora portuguesa Margarida Paredes, tendo sido recebido em Nápoles como um «mito» e uma «lenda literária» graças às traduções italianas de Luuanda e de A vida verdadeira de Domingos Xavier, cujos tradutores compareceram para conhecer o autor.
O encontro entre Luandino Vieira e Margarida Paredes ofereceu ao público fragmentos de uma experiência que os dois escritores viveram a partir de posições diferentes mas partilhando o mesmo lugar, Angola e o sonho realizado da sua libertação.
Os musseques de Luanda, a guerra, os laços de solidariedade e lealdade criados dentro do MPLA, onde a escritora portuguesa também combateu, a literatura de Luandino Vieira como meio de intervenção política e afirmação da identidade nacional, foram os eixos que atravessaram a conversa apaixonada e densa que proporcionou ao público lembranças e evocações de um tempo ainda muito recente e sobretudo ainda muito vivo na memória e na escrita dos dois protagonistas.
A paixão de Livia Apa
Luandino no meio de um público de leitores e estudantes, alguns vindos de Roma para o ouvirem, declarou sentir-se em casa. Ao ver a baía e ao respirar o movimento interno da cidade sob a luz quente de Nápoles, afirmou que parecia estar em Luanda.
A calorosa recepção de que o escritor angolano foi alvo deve-se ao trabalho desenvolvido pela professora de Literatura Portuguesa, Livia Apa, que há mais de dez anos se dedica a divulgar na Universidade L’Orientale a obra de Luandino e de outros escritores africanos de língua portuguesa.
Esta paixão da bela napolitana começou em Portugal, onde fez o mestrado em Literaturas e Culturas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa da Universidade Nova, orientada pelo moçambicano Lourenço do Rosário, e em contacto com a segunda geração de criticos das literaturas africanas ainda da «expressão portuguesa» como a são-tomense Inocência Mata e o português Pires Laranjeira.
Em Lisboa foi proprietária da Livraria Mabooki, no Bairro Alto, ponto de referência e de encontro de intelectuais e artistas ligados a África.
De regresso a Nápoles, apesar de não existir a disciplina de Literaturas Africanas na Universidade e da academia italiana ser fundada sobre os ditos «baroni» do mundo, os professores catedráticos que também nas literaturas tentaram tudo para que as obras dos autores africanos não fossem alvo de estudo, Livia Apa tem conseguido trabalhar os textos dos escritores questionando a retórica da Lusofonia e os «enganos» que este paradigma produz tanto nos cursos de língua portuguesa, como nos de tradução. A sua paixão frutificou, fez escola e discípulos seus já produziram um número consistente de teses de licenciatura e mestrado sobre autores africanos dos PALOP.
Entretanto, o Departamento em Estudos Ibéricos aceitou a primeira tese de doutoramento sobre a poesia moçambicana de Jessica Falconi recentemente editada em livro, tendo esta docente passado a acompanhar Livia Apa nesta missão. Através do trabalho que desenvolvem, o conhecimento das literaturas em língua portuguesa foi subvertido e em Nápoles os estudantes chegam a Portugal através da questão colonial. Luandino Vieira é divulgado antes de Camões ou Saramago e o cânone literário de Portugal e da Europa foi deslocado para África.
A literatura africana tornou-se também, para Livia Apa, um território privilegiado para outro desafio, o da tradução. Autores como Mia Couto, Ruy Duarte de Carvalho, José Eduardo Agualusa, poemas de Maria Alexandre Dáskalos e Ana Paula Tavares, Rui Knopfli, Virgílio de Lemos e Luís Carlos Patraquim foram por ela traduzidos.
A presença de Luandino neste Colóquio, a convite do decano Giovanni Ricciardi e dedicado a homenagear Soeiro Pereira Gomes, um escritor neo-realista português, foi mais um sinal de que é possível, contra políticas institucionalizadas, levar para as salas de aulas do centro histórico de Nápoles escritores e estudiosos como Ana Paula Tavares, Ondjaki, Maria Alexandre Dáskalos, Arlindo Barbeitos, Luís Carlos Patraquim, Ana Mafalda Leite, Laura Padilha, Michel Laban e Pedro Rosa Mendes, todos eles recebidos como amigos por um grupo de fiéis e apaixonados estudantes que aprenderam definitivamente a «deslocalizar» a Língua Portuguesa.
Giovanni Ricciardi é especialista em literatura brasileira e tem vários livros editados no Brasil com mais de uma centena de entrevistas a escritores brasileiros realizadas entre os anos 80 e 90, como o aclamado Raduan Nassar que abandonou a escrita para criar galinhas (na sua biografia diz que «uma das melhores alegrias da infância» de que se lembra, foi receber como presente do pai um casal de galinhas-de-Angola), a poetisa Adélia Prado, ou os escritores Lygia Fagundes Telles e Silviano Santiago. Durante o colóquio foi homenageado o escritor moçambicano Virgílio de Lemos assim como o estudioso Michel Laban, recentemente falecido.
Sobre os convidados, Carlo Cavallaro, mestrado em Estudos Portugueses, apresentou uma comunicação sobre «Língua e Identidade em José Luandino Vieira e João Guimarães Rosa», e Jessica Falconi apresentou uma original leitura sobre o romance O Tibete de Africa, «Não era angolana, não era portuguesa: Identidade e ficção na escrita de Margarida Paredes».
Foram ainda apresentadas comunicações sobre escritores latino-americanos como o brasileiro Jorge Amado, a cubana Margarita Mateo Palmer e o peruano José María Arguedas. A professora Guiomar Sousa, curadora do Fórum Literário de Ouro Preto, apresentou uma comunicação sobre «O Aleijadinho: Invenção de uma biografia» e depois do debate na prestigiada Fundação Prémio Napoli convidou publicamente Luandino Vieira e Margarida Paredes a estarem presentes no próximo Fórum das Letras de Ouro Preto no Brasil.
Artigo publicado na edição de maio da revista África 21
FONTE (foto incluída): África 21 Digital - Brasília,DF,Brazil
FONTE (foto incluída): África 21 Digital - Brasília,DF,Brazil
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