terça-feira, maio 19, 2009

A entrevista histórica de Ezra Pound

A entrevista histórica de Ezra Pound
07/05/2009 Por em
“Eu achava que estava lutando por uma questão interna de governo constitucional. E se qualquer homem, qualquer indivíduo, puder dizer que ouviu de minha boca palavras contra raças, crença ou cor, que se apresente e as repita”

Entrevista publicada na "The Paris Review", em 1962. Traduzida especialmente para Revista Bula por Amanda Górski.

Desde sua volta para Itália, Ezra Pound passou a maior parte de seu tempo em Tirol, no Castelo de Brunnenburg com sua esposa, sua filha Mary, seu genro, o Príncipe Boris de Rachewiltz e seus netos. No entanto, as montanhas neste país de atrações turísticas próximo a Merano, são geladas no inverno, e o Sr. Pound gosta do sol. O entrevistador estava prestes a deixar a Inglaterra no fim de Fevereiro, quando um telegrama o parou na porta: “Merano está congelada. Venha para Roma.”

Pound estava sozinho em Roma, ocupando um quarto no apartamento de um velho amigo, Ugo Dadone. O verão mal começava e estava excepcionalmente quente. As janelas e venezianas do quarto de Pound dançavam com os barulhos da Via Angelo Poliziano. O entrevistador sentou-se em uma grande cadeira, enquanto Pound encaixou-se confortavelmente em um sofá. A presença de Pound no quarto consistia de duas malas e três livros.

Nas horas sociais da tarde — jantar no Crispi’s, uma volta nas cenas de seu passado, sorvete em um café — Pound caminhava com o vigor ufano de um jovem rapaz. Com seu grande chapéu, sua resoluta bengala, seu cachecol amarelo esvoaçante e seu casaco, o qual arrastava como uma capa, ele era novamente o leão da Latin Quarter. Então seu talento para o mimetismo veio à tona, e gargalhadas faziam sua barba acinzentada vibrar. Durante as horas da entrevista, que durou três dias, ele falou cuidadosamente e as perguntas algumas vezes o cansaram. Na manhã em que o entrevistador retornava, Sr. Pound ficava ansioso para revisar as falhas do dia anterior.

Donald Hall, 1962


A ENTREVISTA

ENTREVISTADOR — Você está quase concluindo os “Cantos” agora, e isso me faz pensar sobre o começo deles. Em 1916 você escreveu uma carta na qual falava sobre a tentativa de escrever uma versão de Andreas Divus nos ritmos de Seafarer. Isso parece uma referência ao “Canto 1”. Você começou os “Cantos” em 1916?

POUND — Eu comecei os “Cantos” por volta de 1904, eu acho. Eu tinha vários esquemas, começando em 1904 ou 1905. O problema era conseguir uma forma – algo elástico o suficiente para usar o material necessário. Deveria ser uma forma que não excluísse algo meramente por que não encaixava. Nos primeiros esboços, um rascunho do atual primeiro “Canto” era o terceiro. Obviamente você não consegue um ótimo pequeno mapa de ruas assim como a Idade Média se apossou do Céu. Apenas uma forma musical daria suporte ao material, e o universo Confucionista como eu vejo, é um universo de pressão e tensões interativas.

ENTREVISTADOR — Seu interesse em Confucius começou em 1904?

POUND — Não, a primeira coisa era o seguinte: havia seis séculos que não foram acondicionados. Era uma questão de lidar com o material que não estava na “Divina Commedia”. Hugo fez uma “Légende des Siècles” que não era uma questão avaliativa, mas apenas pedaços de história enfileirados. O problema era desenvolver um círculo de referência – considerando a mente moderna como sendo a mente medieval com lavagem após lavagem da cultura clássica despejada sobre ela desde a Renascença. Era a psique, se assim preferir. Era questão de lidar com a própria essência.

ENTREVISTADOR — Deve haver trinta ou trinta e cinco anos desde que você escreveu qualquer poesia fora dos “Cantos”, com exceção dos poemas “Alfred Venison”. Por que isso?

POUND — Eu cheguei ao ponto em que, além de um ocasional impulso inspirador, o que eu tinha para dizer se moldava ao esquema geral. Houve uma boa quantidade de trabalho jogado fora por que houve atração por um caráter histórico e então percebi que ele não funciona dentro da minha forma, não comporta um valor necessário. Eu tentei fazer os Cantos serem históricos (vid. G. Giovannini, re-relação história à tragédia. Dois artigos dez anos fragmentados em algum material periódico filológico, não de fonte, mas relevante), mas não ficção. O material que se quer encaixar nem sempre funciona. Se a pedra não é dura o bastante para manter a forma, deve ser eliminada.

ENTREVISTADOR — Quando você escreve um “Canto” agora, como o planeja? Você segue um curso de leitura especial para cada um?

POUND — Não é necessariamente uma leitura. Pode-se trabalhar na vida com resignação, eu acho. Eu não conheço um método. O ‘o que’ é muito mais importante do que o ‘como’.

ENTREVISTADOR — Ainda quando era jovem, seu interesse na poesia concentrava-se na forma. Seu profissionalismo e devoção à técnica tornaram-se proverbiais. Nos últimos trinta anos você trocou seu interesse na forma pelo interesse no conteúdo. Tal mudança foi no preceito?

POUND — Eu acho que ocultei isso. A técnica é o teste da sinceridade. Se algo não vale no julgamento da técnica, é de importância inferior. Tudo isso deve ser tratado como exercício. Ritcher diz em seu “Treatise on Harmony”, “Existem os princípios da harmonia e do contraponto; eles não têm nada a ver com composição, que é uma atividade bem separada.” A declaração que alguém fez de que não se pode escrever nas formas provençais de Canzoni em Inglês, é falsa. A questão de ser apropriado ou não era outro problema. Quando não havia o critério de linguagem natural sem inversão, aquelas formas eram naturais, e elas eram realizadas com música. Em inglês, a música possui natureza limitada. Temos a perfeição Francesa de Chauser, a perfeição Italiana de Shakespeare, temos Campion e Lawes. Não acho mesmo que tenha alcançado essa forma, até ter chegado aos refrões no “Trachiniae”. Eu não sei se cheguei a alguma coisa assim, mas realmente pensei que fosse uma extensão da escala musical completa. Pode ser uma ilusão. Estive sempre interessado na implicação da mudança de altura do som na união de “motz et son”, da palavra e melodia.


ENTREVISTADOR — Escrever os “Cantos” agora consome tudo do seu interesse técnico ou a escrita de traduções, como o “Trachiniae”, que você acabou de mencionar, o satisfaz dando mais trabalho manual?

POUND — Vejo o trabalho a ser feito e adentro nele. O “Trachiniae” surgiu da leitura que Fenollosa Noh encena para a nova edição, e do desejo de ver o que aconteceria a uma peça Grega, com aquela mesma base e esperança, sendo executada pela companhia Minorou. A visão de Cathay na Grécia, parecendo poesia, estimula correntes secundárias.

ENTREVISTADOR — Você acha que o verso livre é particularmente um padrão Americano? Eu imagino que William Carlos Williams provavelmente acha que sim, e considera os iâmbicos Ingleses.

POUND — É como na frase de Eliot: “Nenhum verso é libre para o homem que quer fazer um bom trabalho.” Eu acho que o melhor verso livre vem de uma tentativa de voltar à métrica quantitativa. Suponho que esse verso seja não-Inglês sem ser especificamente Americano. Lembro-me de Cocteau tocando tambores em uma banda de jazz como se fosse um difícil problema matemático. Eu te direi uma coisa que considero ser uma forma Americana: o parêntese jamesiano. Você realiza que a pessoa com a qual está falando não passou por diferentes passos, e então volta a eles. Em verdade, o parêntese jamesiano melhorou imensamente agora, tanto que penso ser algo definitivamente Americano. Isso consiste no empenho que se faz quando encontramos outro homem que teve muita experiência para encontrar o ponto onde as duas experiências se tocam, para que ele realmente saiba do que você está falando.

ENTREVISTADOR — Seu trabalho inclui grande quantidade de experiência, assim como forma, constituição específica. O que você considera ser a maior qualidade que uma poesia possa ter? É algo em sua forma, ou uma qualidade de pensamento?

POUND — Eu não acho que se possa colocar as qualidades necessárias em ordem hierárquica, mas devemos ter uma curiosidade contínua, que, é claro, não faz de ninguém um escritor, mas se não houver isso, a pessoa definha, murcha. E a questão de fazer algo sobre isso depende de uma energia persistente. Um homem como Agassiz nunca fica entediado ou fatigado. A mudança da recepção de estímulos para o registro é o que toma a energia de uma vida toda.

ENTREVISTADOR — Você acha que o mundo moderno mudou as maneiras que a poesia pode ser escrita?

POUND — Existe muita competição que não havia antes. Observe o lado sério da Disney e o lado confucionista da Disney. Foi criado um ethos, assim como no filme da “Perri”, uma esquilo fêmea, onde há os valores da coragem e ternura dispostos de modo que todos possam compreender. Lá temos uma genialidade absoluta. Podemos ver uma correlação da natureza mais grandiosa do que havia sido vista antes do tempo de Alexandre o Grande. Alexandre dava ordens para que se o pescador encontrasse algo interessante, uma coisa específica, falasse para Aristóteles. E com essa correlação, chegamos à ictiologia em um grau científico que permaneceu assim por dois mil anos. E agora é possível obter com uma câmera uma enorme correlação de particularidades. A capacidade de fazer contato é um tremendo desafio para a literatura. Isso expõe a questão do que é necessário ser produzido e do que é supérfluo.

ENTREVISTADOR — Talvez seja uma oportunidade também. Particularmente quando você era jovem, e até mesmo no decorrer da produção dos Cantos, você mudou seu estilo poético várias vezes. Você nunca se satisfez em fixar-se em algum lugar. Você estava conscientemente buscando ampliar seu estilo? O artista precisa continuar mudando?

POUND — Eu acho que o artista deve continuar mudando. Você está tentando levar a vida de modo que não entedie as pessoas, e tenta derrubar o que vê.

ENTREVISTADOR — Eu gostaria de saber o que você acha dos movimentos contemporâneos. Eu não vi comentários seus sobre poetas mais recentes que Cummings, a não ser sobre Bunting e Zukofsky. Outras coisas o ocuparam, eu suponho.

POUND — Não é possível ler tudo. Eu estava tentando decifrar fatos históricos, e não é possível ver o que há atrás de sua própria cabeça. Eu não acho que haja registros de qualquer homem capaz de criticar as pessoas que surgem após ele. É uma questão diáfana da quantidade de leitura que um homem pode realizar. Eu não sei se é ele ou uma pedra preciosa que coletou, mas de qualquer forma, umas das coisas que Frost disse em Londres em 1912 – ou quando quer que tenha sido – foi isso: “Resumo da oração: ‘Ó Deus, preste atenção em mim’. ” E é essa a atitude dos jovens escritores – não exatamente para a divindade! – e em geral é preciso limitar a leitura aos poetas jovens que são recomendados no mínimo por outros jovens poetas, como patrocinadores. É claro que um discurso desse tipo poderia levar à conspiração, mas de qualquer jeito... Enquanto critica pessoas mais novas, não se tem tempo para fazer comparação estimativa. Quando alguém aprende algo de uma pessoa, se compara com ela. Eu vejo tempos agitados agora, mas... Para condições gerais, há indubitavelmente uma alegria. E Cal (Robert) Lowell é muito bom.

ENTREVISTADOR — E você aconselhou os jovens por toda a sua vida. Você tem algo especial para dizer a eles agora?

POUND — Para incrementarem sua curiosidade e não serem falsos. Mas isso não é suficiente. A mera anotação e uma dor de barriga e o esvaziamento da lata de lixo não são suficientes. Um estudante da Universidade da Pensilvânia em Punchbowl costumava ter como lema, “Qualquer tolo idiota pode ser espontâneo.”

ENTREVISTADOR — Uma vez você escreveu que tinha quatro dicas úteis de predecessores literários vivos, que eram Thomas Hardy, William Butler Yeats, Ford Madox Ford e Robert Bridges. Quais eram essas dicas?

POUND — A de Bridges era a mais simples: um aviso contra homofônicos. A de Hardy era o nível ao qual se deve concentrar no assunto da questão, e não na questão. A de Ford, em geral, era o frescor da língua. E você disse que a de Yeats era a quarta dica? Bem, por volta de 1908 Yeats havia escrito letras simples nas quais não há retirada da ordem natural das palavras.

ENTREVISTADOR — Você era secretário de Yeats em 1913 e 1914. Que tipo de coisas você fazia para ele?

POUND — Na maioria das vezes, ler em voz alta. “Dawn in Britain” de Doughty, e assim por diante. E discutir, é claro. A contradição Irlandesa. Ele tentava aprender a manusear uma quarenta e cinco (arma de fogo), o que era engraçado. Ele debatia-se com as folhas como uma baleia, e algumas vezes dava a impressão de ser um idiota pior que eu.

ENTREVISTADOR — Há uma controvérsia acadêmica sobre sua influência em Yeats. Você trabalhou em suas poesias com ele? Você cortou algum dos poemas dele do mesmo modo com que fez no “The Waste Land”?

POUND — Não acho que me lembre de algo assim. Estou certo de ter contestado expressões particulares. Certa vez, com Rapallo, eu tentei – pelo amor de Deus – evitar que ele imprimisse uma coisa. Eu disse a ele que estava uma porcaria. Tudo o que ele fez foi imprimir aquilo com um prefácio dizendo que eu disse que era um lixo. Me lembro de quando Tagore começou a rabiscar na beirada de suas provas, e disseram a ele que aquilo era arte. Houve um show disso em Paris. “Isso é arte”? Ninguém estava muito interessado nesses rabiscos, mas é claro que muitas pessoas mentiram para ele. Na medida em que ocorre a mudança em Yeats, acho que Madox Ford pode ter algum crédito. Yeats nunca teria aceitado um conselho de Ford, mas eu acho que Fordie o ajudou, através de mim, tentando buscar a direção de uma maneira de escrever natural.

ENTREVISTADOR — Alguém já o ajudou em seu trabalho assim como você ajudou aos outros? Quer dizer, com críticas ou cortes?

POUND — Além de Fordie rolando no chão indecorosamente e segurando a cabeça com as mãos, e gemendo em certa ocasião, não acho que ninguém tenha me ajudado no decorrer dos meus manuscritos. A natureza de Ford então parecia ter se perdido, mas ele levou a briga contra arcaísmos terciários.

ENTREVISTADOR — Você se associou de perto com artistas visuais – Gaudier-Brzeska e Wyndham Lewis nos vórtices do movimento, e mais tarde com Picabia, Picasso e Brancusi. Isso teve alguma coisa a ver com você como escritor?

POUND — Eu creio que não. Posso ter olhado as pinturas nas galerias e ter encontrado algo. O poema “O Jogo de Xadrez” mostra o efeito da arte abstrata moderna, mas o vorticismo, no meu ponto de vista, era uma renovação do senso de construção. A cor morreu e Manet e os impressionistas a ressuscitaram. Então o que eu podia chamar de senso de forma se manchou, e o vorticismo, sendo distinto do cubismo, era uma tentativa de restabelecer o senso de forma – a forma que havia em “De Prospectiva pingendi”, de Piero della Francesca, o seu tratado sobre proporções e composição. Eu me iniciei na ideia de formas comparativas antes de deixar a América. Um amigo chamado Poole fez um livro sobre composição. Eu tinha algumas coisas em mente quando cheguei em Londres, e tinha ouvido falar sobre Catulus antes de ouvir sobre poesia moderna Francesa. Há um tanto de biografia que pode ser retificado.

ENTREVISTADOR — Eu estava pensando sobre suas atividades literárias na América antes de vir à Europa. Falando nisso, quando você veio pela primeira vez?

POUND — Em 1898, quanto tinha doze anos, com minha tia avó.

ENTREVISTADOR — Você estava lendo poesia Francesa nesta época?

POUND — Não, eu acho que estava lendo “Elegy in a Country Churchyard” de Gray ou algo assim. Não, eu não estava lendo poesia Francesa. Eu comecei a estudar Latim no outro ano.

ENTREVISTADOR — Você entrou na faculdade com quinze, não é?

POUND — Eu fiz isso pra me livrar dos exercícios na Academia Militar.

ENTREVISTADOR — Como você começou a ser um poeta?

POUND — Meu avô, de um lado, costumava corresponder-se com o banco local em versos. Minha avó e seus irmãos, do outro lado, costumavam usar versos de cabo a rabo em suas cartas. Era pra garantir que ninguém além deles havia escrito aquelas coisas.

ENTREVISTADOR — Você aprendeu alguma coisa em seus estudos universitários que o tenham ajudado como poeta? Eu creio que você estudou por sete ou oito anos...

POUND — Apenas seis. Bem, seis anos e quatro meses. Eu escrevia o tempo todo, especialmente enquanto estudante da graduação. Eu comecei estudando Latim e Brut de Layamon no primeiro ano. Eu entrei para a Universidade por conta do meu Latim; foi a única razão pela qual eles me aceitaram. Eu tinha a ideia, aos quinze, de fazer um levantamento geral. É claro que se eu era ou não um poeta, era uma questão para os deuses decidirem, mas ao menos cabia a mim descobrir o que havia sido feito.

ENTREVISTADOR — Você foi professor apenas por quatro meses, até onde me lembro. Mas você sabe que agora os poetas na América são, na maior parte das vezes, professores. Você tem alguma ideia sobre a conexão do ensino na Universidade com a produção de poesia?

POUND — É o fator econômico. Um homem tem que conseguir seu sustento de algum modo.

ENTREVISTADOR — Como você levou tantos anos na Europa?

POUND — Ah, Deus. Ó meu Deus! Meu ganho inicial de Outubro de 1914 a Outubro de 1915 era de £42.10.0. Esses números estão profundamente encravados em minha memória... Eu nunca fui muito bom em escrever para as revistas. Certa vez eu fiz um artigo satírico para a “Vogue”, eu acho que era essa a revista, sobre um pintor que eu não admirava. Eles pensaram que eu havia conseguido o tom certo e então Verhaeren morreu, e eles me pediram para fazer uma nota sobre ele. Então eu me acalmei e disse, “Você quer uma bela, inteligente e rápida notícia obituária do homem mais melancólico da Europa.” “Como assim ele era melancólico?” “Sim,” eu disse. “Ele escreveu sobre camponeses ou faisões?” “Camponeses”. “Ó, não acho que devamos falar sobre isso.” Foi assim que eu aleijei minha capacidade de fazer dinheiro por não saber ficar quieto.

ENTREVISTADOR — Li em algum lugar – creio que você mesmo escreveu – que uma vez tentou escrever um romance. Onde isso foi parar?

POUND — Felizmente, na lareira do Langham Palace. Acho que houve duas tentativas antes que eu tivesse qualquer ideia acerca do que deveria ser um romance.

ENTREVISTADOR — E essas tentativas tiveram alguma coisa a ver com “Hugh Selwyn Mauberley”?

POUND — As tentativas foram feitas bem antes de “Mauberley”. “Mauberley” veio mais tarde, mas foi a tentativa precisa no sentido de reduzir o romance ao tamanho do verso. É realmente “Contacts and Life”. Wadsworth parecia achar “Propertius” difícil porque era sobre Roma, de modo que se aplicou a mesma coisa ao mundo exterior contemporâneo.

ENTREVISTADOR — Você disse que foi Ford quem o ajudou a adquirir uma linguagem natural, não foi? Voltemos novamente para Londres.

POUND — Estávamos à procura de uma linguagem simples e natural, e Ford, dez anos mais velho, acelerou o processo nessa direção. Havia uma discussão contínua a esse respeito. Ford conhecia as melhores pessoas que haviam chegado antes dele, como se vê, e não tinha ninguém com quem se divertir até que Wyndhan, eu e minha geração surgimos. Ele era completamente contrário ao dialeto, digamos assim, de Lionel Johnson e Oxford.

ENTREVISTADOR — Você esteve em contato por duas ou três décadas com todos os principais escritores ingleses da época, e com uma porção de pintores, escultores e músicos. De todas essas pessoas, qual foi a mais estimulante para você como artista?

POUND — Eu me baseava mais em Ford e Gaudier. Eu deveria pensar que as pessoas sobre as quais escrevi eram as mais importantes para mim. Não há muito o que se rever quanto a isso. Talvez eu possa ter limitado minha obra, assim como o interesse nela, concentrando-me na inteligência específica de certas pessoas, ao invés de observar no caráter e personalidade completos dos meus amigos. Wyndham Lewis sempre proclamava que eu jamais vi as pessoas, pois nunca notava como elas eram más, como eram uns filhos da mãe. Eu não estava nem um pouco interessado nos vícios dos meus amigos, mas sim na inteligência deles.

ENTREVISTADOR — James era um tipo de padrão para você em Londres?

POUND — Quando ele morreu, tive a impressão de que não se havia mais ninguém a quem perguntar qualquer coisa. Até então, achava que alguém deveria saber. Depois de meus sessenta e cinco anos, tive grande dificuldade em constatar que eu era mais velho que o James quando o conheci.

ENTREVISTADOR — Você conheceu Remy de Gourmont pessoalmente? Você o mencionou muitas vezes.

POUND — Apenas por cartas. Houve uma carta que Jean de Gourmont também considerou importante, onde ele disse, “Franchement d’écrire ce qu’on pense, seul plaisir d’un écrivain.*”

*Francamente, escrever o que se pensa é o único prazer de um escritor.

ENTREVISTADOR — É surpreendente que você tenha vindo à Europa e se associado rapidamente com os melhores escritores vivos. Você já sabia de algum desses poetas na América, antes de ir embora? Robinson significava algo para você?

POUND — Aiken tentou me fazer gostar de Robinson, mas não conseguiu. Isso aconteceu em Londres também. Então arranquei dele a informação de que havia um cara de Harvard escrevendo coisas interessantes. Mr. Eliot apareceu mais ou menos um ano depois. Não, acho que por volta de 1900, já tínhamos Carman e Hovey, Carwine e Vance Cheney. A impressão, então, era a de que as coisas Americanas eram tão boas, sob qualquer aspecto, quanto as Inglesas. E tínhamos as edições piratas de Mosher das edições inglesas. Não, eu fui para Londres porque achava que Yeats sabia mais sobre poesia do que qualquer outra pessoa. Eu vivia minha vida em Londres visitando Ford à tarde e Yeats à noite. Mencionando sobre um para o outro, sempre começava uma discussão. Esse era o exercício. Fui estudar com Yeats e verifiquei que Ford discordava dele. Assim, continuei a discordar dos dois por vinte anos.

ENTREVISTADOR — Em 1942, você escreveu que você e Eliot tiveram uma desavença chamando um ao outro de protestante. Gostaria de saber o que foi essa divergência.

POUND — Ah, eu e Eliot começamos a discordar desde o começo. O que há de divertido numa amizade intelectual é que a gente diverge quanto a isto ou aquilo, e concorda quanto a apenas alguns pontos. Eliot teve durante toda a vida a paciência cristã da tolerância, ou coisa assim, e trabalhando bastante arduamente, deve ter me achado um sujeito muito difícil. Desde que nos conhecemos, começamos a discordar a respeito de muitas coisas. Também concordávamos em poucas coisas, e imagino que nós dois tivemos razão quanto a uma ou outra coisa.

ENTREVISTADOR — Bem, houve algum ponto em que, poética e intelectualmente, você se sentiu mais deslocado do que já havia estado?

POUND — Há todo o problema da relação entre o Cristianismo e o Confucionismo, e a questão dos diferentes ramos do Cristianismo. Há a luta a favor dos Ortodoxos – Eliot pela Igreja, eu brigando por determinados teólogos. Em certo sentido, a curiosidade de Eliot parecia estar focada em um número menor de problemas. Até mesmo isso é muito para se dizer. A verdadeira perspectiva da geração experimental era uma questão de ethos individual.ENTREVISTADOR — Você acha que, como poetas, vocês sentiram uma divergência em fundamentação técnica, sem relação com os temas?

POUND — Primeiramente, eu diria que a divergência era uma diferença quanto aos temas. Indubitavelmente, ele possuía uma linguagem natural. Quanto à linguagem teatral, me parece que ele deu uma contribuição muito importante. E foi capaz também de fazer contato com um ambiente sobrevivente, e um estado sobrevivente de compreensão.

ENTREVISTADOR — Isso me lembra duas óperas — “Villon” e “Cavalcanti” — que você escreveu. Como você começou a compor música?

POUND — Eu queria a palavra e a melodia. Eu desejava que a grande poesia fosse cantada, e a técnica libretto de ópera Americana não era satisfatória. Eu queria, com a qualidade dos textos de “Villon” e “Cavalcanti”, obter algo mais amplo que a simples lírica. É isso. ENTREVISTADOR — Suponho que seu interesse na “canção das palavras” foi estimulado particularmente pelo seu estudo da Provença. Você acha que sua descoberta da poesia provençal constituiu seu maior avanço? Ou talvez tenham sido os manuscritos de Fenollosa?

POUND — O Provençal começou com um interesso muito imaturo, então não foi realmente uma descoberta. E o Fenollosa foi inesperado e um choque diante da minha ignorância. Eu possuía o conhecimento interno da significação de Fenollosa e a ignorância de uma criança de cinco anos.

ENTREVISTADOR — Como a Sra. Fenollosa se encontrou com você?

POUND — Bom, me encontrei com ela na casa de Sarojini Naidu e ela disse que Fenollosa havia vivido em oposição a todos os professores e academias. Ela tinha visto algumas de minhas obras, falou também que eu era a única pessoa capaz de terminar aquelas anotações da mesma forma com que Earnest as queria prontas. Fenollosa viu o que necessitava ser feito, mas não teve tempo para terminar.

ENTREVISTADOR — Deixe-me mudar de assunto agora e perguntar algumas coisas que são mais biográficas que literárias. Eu li que você nasceu em Hailey, Idaho, em 1985. Suponho que tenha sido bem difícil lá, não é?

POUND — Eu parti de lá com dezoito meses de idade, e não me lembro dessa dificuldade.

ENTREVISTADOR — Você não cresceu em Hailey?

POUND — Não, não cresci lá.

ENTREVISTADOR — O que sua família fazia lá quando você nasceu?

POUND — Meu pai abriu um negócio governamental lá. Eu cresci perto da Filadélfia. Nos subúrbios da Filadélfia.

ENTREVISTADOR — O índio selvagem do Oeste então não era...?

POUND — O índio selvagem do oeste é apócrifo, e o ensaiador assistente da mina não era um dos mais notáveis bandidos da fronteira.

ENTREVISTADOR — Acredito que seja verdade que seu avô construiu uma via férrea. Qual foi a história disso?

POUND — Bem, ele levou a ferrovia até Chippewa Falls e eles não o deixaram ampliar mais os trilhos. Isso está nos “Cantos”. Assim, ele foi para o norte do Estado de Nova Iorque e encontrou trilhos numa estrada de ferro abandonada, comprou tudo e os transportou, e então usou esse crédito com os lenhadores para fazer a estrada chegar até Chippewa Falls. O que gente aprende em casa é diferente do que se aprende na escola.

ENTREVISTADOR — O seu interesse em cunhagem começou com o trabalho de seu pai na mina?

POUND — Posso ficar horas falando disso. Os departamentos governamentais eram mais informais naquela época, embora eu não saiba de qualquer outro menino que tenha entrado lá para visitá-los. Hoje em dia os visitantes são conduzidos através de túneis de vidro e veem as coisas de certa distância, mas naqueles tempos podíamos ir à sala de fundição e ver o ouro empilhado no cofre. Ofereciam-nos um grande saco de ouro, dizendo que podíamos levá-lo conosco. Mas a gente não conseguia levantar. Quando os democratas finalmente voltaram ao governo, contaram todos os dólares em prata – quatro milhões de dólares em prata. Todos os sacos haviam apodrecido naquelas grandes galerias úmidas, e eles carregavam todo o dinheiro com pás maiores que as de carvão, para colocar as quantias nas máquinas de contar. Esse espetáculo de moedas removidas como se fossem camadas humíferas, aqueles sujeitos cobertos de dinheiro até à cintura lançando as moedas, por meio de pás, nas chamas de gás – era coisa que mexia com a imaginação. Há, ainda, toda a técnica de se fazer dinheiro metálico. Em primeiro lugar, o exame da prata requer muito mais habilidade que o exame do ouro. O ouro é simples. É pesado, depois refinado e pesado de novo. Pode-se saber o grau do metal por meio de pesos apropriados. Mas o teste da prata constitui uma solução nebulosa; a exatidão do olho na medição da espessura da nebulosidade constitui uma percepção estética, como o senso crítico. Agrada-me a ideia da fínura do metal, que analogamente nos remete ao hábito de testar manifestações verbais. Naquela época tanto as barras de ouro como os espécimes de piritas tidas como ouro, eram levadas ao escritório do meu pai. A gente ouvia a conversa sobre o último sujeito que trouxera uma barra de ouro que não passava de ouro fajuto.

ENTREVISTADOR — Sei que você considera a reforma monetária como a chave de um bom governo. Gostaria de saber por qual processo o senhor passou dos problemas estéticos para os problemas governamentais. Acaso a Grande Guerra, em que morreram tantos de seus amigos, foi responsável por isso?

POUND — A Grande Guerra chegou de surpresa e, certamente, ver os ingleses – essa gente que jamais fez coisa alguma – unirem-se e lutarem, foi algo muito impressionante. Mas assim que tudo acabou eles morreram, e a gente passou os vinte anos seguintes tentando evitar a Segunda Guerra. Não sei dizer exatamente quando começou meu estudo sobre o governo. Acho que a redação da New Age Office me ajudou a ver a guerra não como um acontecimento isolado, mas como parte de um sistema, uma guerra após outra.

ENTREVISTADOR — Há um ponto específico de ligação entre a literatura e a política que você estabelece em seus escritos que me interessa muito. No “A.B.C. of Reading” você diz que os bons escritores são aqueles que mantém a linguagem eficiente, e que essa é a função deles. Você desassocia essa função do partido político. É possível que um homem do partido errado use eficientemente a linguagem?

POUND — Pode. Aí é que está todo o problema! Uma arma é sempre boa, não importa quem aperte o gatilho.

ENTREVISTADOR — Pode um instrumento pacífico ser usado para criar desordem? Suponha que uma boa linguagem seja usada para fomentar um mau governo. Um mau governo não faz uma má linguagem?

POUND — Sim, mas a má linguagem está fadada a fazer um mau governo, enquanto que a boa linguagem não está destinada a fazer um mau governo. Isso também é Confúcio: se as ordens não forem claras, não podem ser executadas. As leis de Lloyd George eram uma bagunça tão grande que os advogados nunca sabiam o que elas significavam. E Talleyrand proclamou que os políticos mudavam o sentido das palavras entre uma e outra conferência. Os meios de comunicação se rompem, e é disso que estamos sofrendo agora. Estamos suportando o esforço de se trabalhar sobre o subconsciente sem apelar para a razão. Eles repetem uma denominação qualquer em uma música e depois repetem a música sem essa denominação, para que justamente a música traga à mente aquela denominação. Penso no assalto. Sofremos do uso da linguagem para esconder os pensamentos e impedir todas as respostas diretas e vitais. Há o uso delimitado da propaganda, linguagem retórica, meramente para calar e iludir.

ENTREVISTADOR — Onde terminam a ignorância e a inocência e o sofismo começa?

POUND — Existe a ignorância natural e a artificial. Eu diria que no presente momento a ignorância artificial é cerca de oitenta e cinco por cento.

ENTREVISTADOR — Que tipo de atitude se pode tomar?

POUND — A única chance de vitória contra a lavagem cerebral é o direito que cada homem tem de ter suas ideias julgadas de cada vez. Jamais se chega à clareza enquanto se tem tais ideias empacotadas, enquanto uma palavra é usada por vinte e cinco pessoas de vinte e cinto maneiras diferentes. Essa me parece ser a primeira luta, se quisermos que sobre algum intelecto. É duvidoso até que ponto se permitirá à alma individual sobreviver de algum modo. Hoje temos um movimento Budista que tem tudo, exceto Confúcio em seus ensinamentos. Uma Circe Indiana de negação e dissolução.

Defrontamo-nos com um número enorme de mistérios. Há o problema da benevolência, o ponto em que a benevolência deixou de ser eficaz. Eliot diz que eles passam o tempo tentando imaginar sistemas tão perfeitos onde ninguém precisará ser bom. A gente não pode se esquivar de uma porção de questionamentos feitos nesse ensaio de Eliot, como, por exemplo, a questão de saber se existe qualquer possibilidade de se mudar a escala de valores de Dante pela escala de valores de Chaucer. Se existe, até que ponto? As pessoas que perderam a reverência perderam muito. Foi esse o ponto em que rompi com Tiffany Thayer. Todas essas palavras imponentes se convertem em clichês. Há o mistério da dispersão, o fato de as pessoas que presumivelmente se entendem, se encontrarem geograficamente dispersas. Um homem que se adapta ao seu meio, como ocorre com Frost, deve ser considerado um homem feliz. Oh, a sorte de um homem como Mavrocordato, que está em contato com outros estudiosos, de modo que exista algum lugar em que ele pode confirmar um ponto! Agora, em relação a certos pontos em que desejo verificação, há um sujeito chamado Dazzi, em Veneza, para quem escrevo e que me vem com uma resposta, como, por exemplo, que fosse para uma questão que pudesse referir-se à Doação de Constantino. Mas as vantagens que supomos serem inerentes na universidade – onde existem outras pessoas que contrôl * a opinião ou que contrôl os dados – eram muito grandes. É enfraquecedor não tê-las. Claro que tenho tentado há mais de dez anos fazer com que qualquer membro de uma faculdade americana se refira a qualquer outro membro de sua mesma faculdade, em seu próprio departamento ou fora dele, com inteligência, e que o respeite para discutir assuntos sérios. Num dos casos, um desses senhores lamentava o fato de que outro indivíduo havia deixado a faculdade. Não tenho conseguido obter respostas diretas de pessoas acerca de questões que me pareciam de importância vital. Isso pode ter sido devido à violência ou obscuridade com que eu fazia as perguntas. Acho que a chamada obscuridade não é obscuridade na linguagem, mas no fato de a outra pessoa não ser capaz de perceber por que dizemos alguma coisa. O ataque contra Endymioni, por exemplo, se tornou complicado por que Gífford e companhia não conseguirem perceber por que razão Keats estava fazendo aquilo. Outra luta tem sido a de manter o valor de um caráter local e particular, de uma determinada cultura, nesta grande confusão, nesta terrível avalanche rumo à uniformidade. Toda a luta tem por objetivo a preservação da alma individual. O inimigo é a supressão da história; contra nós, há a desnorteante propaganda e lavagem cerebral, luxo e violência. Sessenta anos atrás, a poesia era a arte do pobre: um homem nos limites da civilização, ou Frémont, partindo com um texto grego no bolso. Um homem que quisesse o melhor poderia consegui-lo numa fazenda solitária. Na época, havia o cinema, e agora existe a televisão.

ENTREVISTADOR — A sua ação política que todos se lembram, foram declarações pelo rádio feitas na Itália durante a guerra. Quando o senhor proferia tais palestras tinha consciência de que estava infringindo a lei americana?

POUND — Não, fiquei completamente surpreso. Como vê, eu tinha feito aquela promessa. Concediam-me a liberdade do microfone duas vezes por semana. "Não pedirão que diga coisa alguma contrária à sua consciência ou ao seu dever como cidadão americano”. Pensei que isso abrangia tudo.

* Pound indica que está usando o contrôler Francês: “verificar, checar informações ou fatos.”


ENTREVISTADOR — A lei da traição não se refere a "conceder ajuda e conforto ao inimigo", e o inimigo não é o país com quem se está em guerra?

POUND — Eu achava que estava lutando em favor de uma questão condicional. Quer dizer, pode ser que eu estivesse completamente maluco, mas sentia, sem dúvida, que não estava cometendo traição. Wodehouse também falou no rádio, mas os britânicos não o proibiram. Ninguém me disse que não fizesse isso também. Não houve comunicação alguma, até o colapso de que as pessoas que haviam falado pela rádio seriam submetidas a processos judiciais. Tendo trabalhado durante anos para evitar a guerra, e vendo a loucura da Itália e dos Estados Unidos, eu certamente não estava dizendo às tropas que se revoltassem. Eu achava que estava lutando por uma questão interna de governo constitucional. E se qualquer homem, qualquer indivíduo, puder dizer que ouviu de minha boca palavras contra raças, crença ou cor, que se apresente e as repita com detalhes. O “Guide to Kulchur” foi dedicado a Basil Bunting e a Louís Zukovsky, um quacker e um judeu.

Não sei se você acha que os russos devem estar em Berlim ou não. Não sei se eu estava fazendo algum bem ou não, ou se estava fazendo algum mal. Oh, eu estava provavelmente do lado errado. Mas a lei em Boston, diz que não há traição sem que haja intenção de tal. Eu estava certo quanto à preservação dos direitos individuais.

Se, quando o poder executivo ou qualquer outro ramo do governo se excede em seus poderes legítimos, ninguém protesta, a gente perde todas as liberdades. Meu método de oposição à tirania esteve errado durante um período de mais de trinta anos – mas não tinha nada a ver com a Segunda Guerra Mundial em particular. Se o indivíduo, ou o herético, apreender certa verdade essencial, ou vir algum erro no sistema que está sendo aplicado, ele próprio comete tantos erros marginais, que se considera esgotado antes de poder provar seu ponto de vista. O mundo, nos últimos vinte anos, acumulou muita histeria: ansiedade quanto a uma terceira guerra, tirania burocrática e histeria causada por fórmulas de papel. A imensa e inegável perda de liberdade, tal como era em 1900, é inegável. Temos visto o aceleramento da eficiência dos fatores tiranizantes. Basta, para isso, que se mantenha um homem preocupado. As guerras são feitas para criar débitos. Creio que há possibilidade nos satélites do espaço e em outras formas de fazer dívidas.


ENTREVISTADOR — Quando você foi pego pelos americanos esperava ser preso? Ou mesmo ser enforcado?

POUND — No começo, fiquei perplexo, pensando que havia cometido algum engano em algum momento. Eu esperava voltar-me para mim mesmo e que me perguntassem o que eu havia aprendido. Eu fiz isso, mas ninguém me perguntou nada. Sei que me analisei em várias ocasiões, durante as transmissões, refletindo que não cabia a mim fazer certas coisas, nem trabalhar para um país estrangeiro. Oh, era uma paranóia pensar que se podia argumentar contra as usurpações, contra os sujeitos que desencadearam a guerra para que os Estados Unidos participasse dela. Todavia, odeio a ideia de obediência a algo que é errado. Fui, depois, levado para o pátio da prisão, em Chiavari. Eles fuzilavam os prisioneiros, e eu pensei que tinha chegado meu fim. Então, finalmente, um sujeito se aproximou de mim e disse que ele estaria ferrado se ele me entregasse aos americanos, a menos que eu mesmo quisesse ser entregue.

ENTREVISTADOR — Em 1942, quando os Estados Unidos entraram na guerra, eu entendi que você tentou sair da Itália e voltar para a América. Quais foram as circunstâncias da recusa?

POUND — Tais circunstâncias foram só boato. Não tenho muito claro na minha memória um certo período de tempo, e acho que... Eu lembro que tive uma chance de chegar até Lisboa, e ficar escondido lá até o fim da guerra.

ENTREVISTADOR — Por que você quis voltar aos EUA naquela época?

POUND — Eu queria voltar durante a eleição, antes da eleição.

ENTREVISTADOR — A eleição foi em 1940, não é?

POUND — Seria em 1940. Honestamente, não lembro o que aconteceu. Meus pais estavam muito velhos para viajar. Eles tiveram que ficar em Rapallo. Meu pai se aposentou lá.

ENTREVISTADOR — Durante aqueles anos de guerra na Itália você escreveu poesias? Os “Pisan Cantos” foram escritos enquanto você esteve internado. O que você escreveu durante aqueles anos?

POUND — Argumentos, argumentos e argumentos. Ah, eu fiz algumas traduções de Confúcio.

ENTREVISTADOR — Como foi o fato de você voltar a escrever poesia somente depois de ter sido internado? O senhor não escreveu quaisquer cantos durante a guerra, escreveu?

POUND — Deixe-me ver – as coisas sobre Adams apareceram pouco antes de a guerra estourar. Não. Escrevi “Oro e lavoro”. Eu estava escrevendo coisas sobre economia em italiano.

ENTREVISTADOR — Desde sua prisão você publicou três coleções de “Cantos” e recentemente, “Thrones”. Você já deve estar perto do fim. Poderia dizer o que vai fazer nos “Cantos” restantes?


POUND — É difícil escrever um paradiso, quando todas as indicações superficiais são as de que se deveria escrever um apocalipse. É evidentemente muito mais fácil encontrar habitantes para um inferno ou para um purgatório. Estou tentando reunir os registros dos voos mais altos da mente. Talvez eu tivesse feito melhor em colocar Agassiz no topo, ao invés de Confúcio.


ENTREVISTADOR — Você está mais ou menos estagnado?

POUND — Ok, estou estagnado. A pergunta é: estou morto, como os senhores A.B.C desejam? Caso eu enguice, e é o que provisoriamente terei de fazer: devo elucidar obscuridades; tornar mais claras ideias definidas e dissociações. Devo descobrir uma fórmula verbal para combater o aumento da brutalidade – o princípio de ordem versus desintegração do átomo. Havia um homem no manicômio, a propósito, que insistia em dizer que o átomo jamais fora desintegrado.
Um épico é um poema que contém história. A mente moderna contém elementos heteróclitos. A poesia épica teve êxito quando todas ou uma grande parte das respostas eram pressupostas, pelo menos entre o autor e a assistência, ou uma grande massa da assistência. A tentativa, numa época experimental é, por conseguinte, temerária. O senhor conhece a história: “O que você está desenhando, Johnny?” “Deus.” “Mas ninguém sabe qual é a aparência Dele.” “Saberão, quando eu terminar!” Tal confiança já não é mais possível. Existem temas épicos. A luta pelos direitos individuais é um assunto épico, consequência dos julgamentos por conselhos de jurados em Atenas até Anselmo versus William Rufus, até o assassinato de Becket e, desde o assassinato de Coke até John Adams.

Então, tal luta parece surgir contra um bloco. A natureza da soberania é uma questão épica, embora possa ser um tanto obscurecida pelas circunstâncias. Algo disso pode ser traçado, indicado; evidentemente, tem de ser condensado, a fim de adquirir forma. A natureza do indivíduo, o conteúdo heteróclito da consciência contemporânea. Essa a luta da luz contra a subconsciência; exige obscuridades e penumbras. Uma grande parte do que se escreve hoje em dia evita as áreas inconvenientes do assunto.Eu estou escrevendo a fim de resistir à ideia de que a Europa e a civilização estão caminhando para o Inferno. Se estou sendo "crucificado por uma ideia" – isto é, a ideia coerente em torno da qual minhas confusões se acumulam é devido, provavelmente, à ideia de que a cultura europeia necessita sobreviver, de que suas melhores qualidades devem sobreviver juntamente com quaisquer outras culturas, qualquer que seja a sua universalidade. Contra a propaganda do terror e a propaganda do luxo, terá você uma bela e simples resposta? Temos trabalhado com certos materiais, procurando estabelecer as bases e os eixos de referência. Escrevendo assim para sermos compreendidos, há sempre o problema de ratificação, sem que se renuncie ao que é correto. Há sempre a luta para não firmar um compromisso a favor da oposição.


ENTREVISTADOR — As partes separadas dos “Cantos”, agora – as três últimas seções apareceram com nomes separados – significam que você está referindo-se a problemas particulares em seções particulares?


POUND — Não. “Rock Drill” tinha como intenção inferir a resistência necessária para conseguir uma tese contrária – forçar. Eu não estava seguindo exatamente as três divisões da “Divina Comédia”. Não se pode seguir o cosmo dantesco na era do experimento. Mas fiz a divisão entre pessoas dominadas pela emoção, pessoas lutando para elevar-se, e aquelas que possuem certa parte da visão divina. Os “Thrones”, no “Paraíso de Dante”, são destinados aos espíritos das pessoas que foram responsáveis por bons governos. Nos “Cantos”, os “Thrones” são uma tentativa no sentido de o homem se livrar do egoísmo e estabelecer uma definição de uma ordem possível ou, pelo menos, concebível sobre a terra. Tem-se como apoio a baixa percentagem de razão que parece agir nos assuntos humanos. Os “Thrones” dizem respeito aos estados de espírito de pessoas responsáveis por algo mais que sua conduta pessoal.

ENTREVISTADOR — Agora que você se aproxima da parte final, fez quaisquer planos para revisar os “Cantos”, após tê-los terminado?

POUND — Não sei. Há necessidade de melhorá-los, de torná-los mais claros, mas não sei se uma revisão compreensiva seria possível. Não há dúvida de que o trabalho é muito obscuro como se encontra gora, mas eu espero que a ordem de ascensão no Paradiso seja na direção de uma clareza maior. É claro que deve haver uma edição corrigida por conta dos erros nos quais eu rastejei.


ENTREVISTADOR — Permita-me mudar de novo de assunto. Durante todos os anos que passou internado no hospital St. Elizabeth, você conseguiu captar a realidade da América contemporânea através dos que foram visitá-lo?

POUND — O problema nos visitantes é que não dava pra saber muito sobre a oposição. Eu sofro do isolamento crescente de não ter contato suficiente – quinze anos vivendo mais com ideias do que com pessoas.

ENTREVISTADOR — Você tem planos para voltar aos EUA? Você quer voltar?


POUND — Sem dúvida. Mas se há nisso uma nostalgia ou não pela América, já não sei. Há uma diferença entre um Adams-Jefferson abstrato, e uma América de Adams-Jackson e o que quer que esteja acontecendo. Indubitavelmente tenho momentos em que deveria gostar muito de viver na América. Há essas dificuldades concretas contra o desejo geral. Richmond é uma bela cidade, mas não se pode viver nela a menos que dirija um automóvel. Eu gostaria de passar pelo menos um ou dois meses por ano nos Estados Unidos.


ENTREVISTADOR — Você disse outro dia que à medida que se torna mais velho, mais americano se sente. Como isso acontece?

POUND — Acontece. Os estrangeiros foram necessários como uma tentativa em uma base. Somos transferidos e crescemos, e somos impelidos novamente ao local de onde saímos, e esse lugar já não está mais lá. Os contatos já não estão mais lá, e eu suponho que a gente se volta para a própria natureza e a considera misericordiosa. Você já leu as memórias de Andy White? Foi ele quem fundou a Universidade de Cornell. Aquele era o período de euforia, quando todo o mundo pensava que todas as boas coisas da América iriam funcionar, por volta de 1900. White abrange um período da história que vai até Buchanan. Ele alternava, sendo hora embaixador da Rússia e reitor de Cornell.

ENTREVISTADOR — Então sua volta à Itália foi um desapontamento?

POUND — Sem dúvida. A Europa foi um choque. O choque de não mais se sentir no centro de algo talvez seja parte disso. Há também a incompreensão, a incompreensão da Europa, da América orgânica. Há muitíssimas coisas que eu, como americano, não posso dizer a um europeu com esperança de ser compreendido. Alguém disse que eu sou o último americano a viver a tragédia da Europa.


Nota: A saúde do Sr. Pound impossibilitou que ele terminasse a revisão dessa entrevista. O texto está completo, mas pode conter detalhes que o Sr. Pound teria mudado em circunstâncias melhores.
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