CINEMA - [ 30/04 ]
Em 'A Janela', Carlos Sorín investe na precisão da história mínima
Cruzeiro On Line
Em 'A Janela', Carlos Sorín investe na precisão da história mínima
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Foi o primeiro filme sério, de arte, que Carlos Sorín viu. Ele era um garoto cinemaníaco, mas via preferencialmente westerns, filmes de ação, de guerra. Um dia assistiu a "Morangos Silvestres" e a obra-prima de Ingmar Bergman lhe produziu uma perturbação muito grande. O filme permaneceu com ele. Depois, não foi sendo esquecido, mas meio colocado de lado. Há algum tempo, Sorín estava indeciso entre vários projetos. Havia tentado adquirir, sem êxito, os direitos de uma história de Raymond Carver - e ele cita o título em espanhol, "Tres Rosas Amarillas", sobre os últimos dias de Chekhov. Um roteiro, entre os vários em que trabalhava, começou a tomar forma. Um velho doente, nos umbrais da morte, decifra o enigma da própria vida.
"Era Bergman!", exclama Sorín, que terminou por optar por este filme e fez A Janela, que estreia 5ª feira em São Paulo. É maravilhoso, mas não espere uma adaptação de Bergman, talvez uma variação, como se fosse uma música. "A psicologia, o tempo, a densidade emocional, foi isso que Bergman me ensinou", disse ao repórter o diretor argentino, numa entrevista realizada segunda-feira (27), no final da tarde, num hotel da região da Av Paulista. Carlos Sorín havia chegado pouco antes. À noite, prestigiou a pré-estreia de seu filme na Reserva Cultural e, no dia seguinte, já estava no Rio, para outra pré-estreia. Logo em seguida, regressou à Argentina, mas não por muito tempo. A estreia de "A Janela" o tem levado a correr mundo. Esteve recentemente na Europa, Espanha e França. Os EUA integram a rota
Na Argentina, as histórias mínimas que Sorín gosta de contar fazem dele um autor para pequenas plateias (e estimado pelos críticos). Na França, "O Cachorro" fez mais de 250 mil espectadores e "A Janela" vai ser lançado com 60 cópias. "É muito, para o tamanho do filme, mas o distribuidor está otimista", observa o diretor. O filme ‘bergmaniano’ de Sorín reflete outras influências, ou referências que fazem parte do seu imaginário. Jorge Luís Borges, Adolfo Bioy Casares e "A Invenção de Morel".
"A Janela" tem tanto de "Morangos Silvestres" quanto de "A Invenção de Morel", mas você não precisa ter visto um nem lido o outro para se sensibilizar com a história do velho que está morrendo, nesta casa isolada em que um afinador de pianos prepara o instrumento para a chegada do filho do protagonista, um pianista famoso que ele não vê há tempos. Notas musicais esparsas quebram o silêncio. Um filme sobre o interdito, sobre o não dito. Tudo ou nada - hoje. Se você quiser ação, há uma matinê legal, "Wolverine". Mas não se esqueça de Sorín. Você só tem a ganhar com a sua (dele) arte minimalista.
HISTÓRIAS ENXUTAS
Carlos Sorín gosta das histórias enxutas e não foi por acaso que deu a um de seus longas o título de "Histórias Mínimas". "Tenho dificuldade para imaginar histórias longas. Meu ideal é o filme que se passa num dia." A Janela atinge essa concentração. Trata do último dia da vida de Don Antonio, um escritor de 80 anos, que aguarda a visita do filho na fazenda da família. O filho é pianista e está vindo da Europa. A relação com o filho é fria, mas não hostil. Ecos de "Morangos Silvestres", de Ingmar Bergman, de 1957, atravessam o relato.
Mas a fonte declarada foi Raymond Carver, "As Três Rosas Amarelas", cujos direitos Sorín tentou em vão comprar. A história, de qualquer maneira, ficou com ele tanto quanto a de "Morangos Silvestres". O velho personagem de Bergman é um professor homenageado por sua atividade docente. O de Carver é um escritor e ninguém menos do que Chekhov, em seus últimos dias "Chekhov é um de meus escritores preferidos. Amo a depuração de sua escrita, o sentido humano e social de seus relatos tão precisos." O próprio Sorín ama essas histórias que são mínimas e, ao mesmo tempo, são de uma precisão realista que fazem do seu cinema uma janela aberta para o mundo.
O título, obviamente, não é produto do acaso - "La Ventana". Nem o fato de que o protagonista, no começo, tem um sonho que remete ao próprio cinema. "Freud dizia que os sonhos não existem, mas eu precisava filmar um sonho de Don Antonio. Fiz dele um filme dentro do filme." O sonho carrega um enigma - Don Antonio revê uma imagem do seu passado remoto. Quando ele era menino, os pais o deixaram aos cuidados de uma babá. Há uma precisa descrição do sonho. A mãe com seu vestido de festa chega para dar boa-noite ao filho. Ao fundo ouvem-se ruídos de um baile, em outra parte da casa. E o detalhe é o rosto da babá. Durante 80 anos Antonio esqueceu-se dela, e agora esse rosto reaparece no que será seu último dia.
Bergman, Carver, Chekhov. E Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares. "Borges é infilmável", reflete Sorín, mas ele concorda com o repórter quando lhe diz que o mais ‘borgesiano’ dos filmes não é uma adaptação do escritor - Mister Klein, de Joseph Losey. "Es un maestro", diz Sorín sobre o grande Losey. Seus mestres, aliás, não foram argentinos (salvo escritores).
Seus diretores favoritos, os que o marcaram, foram Jean-Luc Godard, François Truffaut, Bergman e Losey. Casares, como escritor, foi outra referência. A Invenção de Morel, cujo primeiro título no Brasil foi A Máquina Fantástica, confronta o protagonista com a morte, por meio dessa máquina capaz de fixar instantes da vida de cada um de seus amigos. A janela que Sorín abre para o mundo é o próprio cinema, que lhe permite revelar os fragmentos da vida de Antonio. No final, com o mínimo de informações, sabemos tudo sobre ele.
Para um filme tão escrito, tão exato, "A Janela" terminou virando o resultado de uma feliz série de coincidências "Não se faz cinema sem sorte", diz o diretor. Ele ia filmar no norte argentino, mas houve uma epidemia de varíola e o ator uruguaio Antonio Larreta, de mais de 80 anos, não podia ser vacinado. Sorín teve de procurar rapidamente outra locação. Encontrou esse lugar não muito distante de Buenos Aires, a casa senhorial e o campo que começa a ondular suavemente. "A casa é tão perfeita quanto Larreta. Ambos são aristocráticos e decadentes", define Sorín. Larreta também foi descoberto por acaso. O produtor espanhol de Sorín participava de um evento no Uruguai. Foi apresentado a Larreta como sendo um grande ator uruguaio de teatro.
"O produtor me ligou imediatamente. Disse que tinha encontrado Don Antonio para mim." Larreta é grande no palco, mas quase não havia feito cinema. O que fizera não era bom. Muita ênfase nos gestos. "Meu trabalho foi estimulá-lo a baixar cada vez mais o tom. Menos, menos. Ele tinha 80 anos, era escritor, um aristocrata. Larreta era o personagem." O próprio processo de criação de "A Janela" é definido por Sorín como uma ‘desconstrução’. "Filmei um roteiro de apenas 32 páginas. Meu trabalho neste filme foi cortar. Diálogos, situações. Cortei para filmar e depois cortei ainda mais na montagem."
O filho de Carlos Sorín, Nicolás, é compositor e ofereceu ao pai uma caudalosa proposta de música. Sorín cortou a música, também. Reduziu-a a fragmentos. Eles são tão belos, e precisos, que a música, como a atuação de Antonio Larreta, permanece com o público. Grande filme.
SERVIÇO:
"A Janela" ("La Ventana", Argentina-Espanha/2008, 85 min.) - Drama. Direção: Carlos Sorín. Cotação: Ótimo.
"Era Bergman!", exclama Sorín, que terminou por optar por este filme e fez A Janela, que estreia 5ª feira em São Paulo. É maravilhoso, mas não espere uma adaptação de Bergman, talvez uma variação, como se fosse uma música. "A psicologia, o tempo, a densidade emocional, foi isso que Bergman me ensinou", disse ao repórter o diretor argentino, numa entrevista realizada segunda-feira (27), no final da tarde, num hotel da região da Av Paulista. Carlos Sorín havia chegado pouco antes. À noite, prestigiou a pré-estreia de seu filme na Reserva Cultural e, no dia seguinte, já estava no Rio, para outra pré-estreia. Logo em seguida, regressou à Argentina, mas não por muito tempo. A estreia de "A Janela" o tem levado a correr mundo. Esteve recentemente na Europa, Espanha e França. Os EUA integram a rota
Na Argentina, as histórias mínimas que Sorín gosta de contar fazem dele um autor para pequenas plateias (e estimado pelos críticos). Na França, "O Cachorro" fez mais de 250 mil espectadores e "A Janela" vai ser lançado com 60 cópias. "É muito, para o tamanho do filme, mas o distribuidor está otimista", observa o diretor. O filme ‘bergmaniano’ de Sorín reflete outras influências, ou referências que fazem parte do seu imaginário. Jorge Luís Borges, Adolfo Bioy Casares e "A Invenção de Morel".
"A Janela" tem tanto de "Morangos Silvestres" quanto de "A Invenção de Morel", mas você não precisa ter visto um nem lido o outro para se sensibilizar com a história do velho que está morrendo, nesta casa isolada em que um afinador de pianos prepara o instrumento para a chegada do filho do protagonista, um pianista famoso que ele não vê há tempos. Notas musicais esparsas quebram o silêncio. Um filme sobre o interdito, sobre o não dito. Tudo ou nada - hoje. Se você quiser ação, há uma matinê legal, "Wolverine". Mas não se esqueça de Sorín. Você só tem a ganhar com a sua (dele) arte minimalista.
HISTÓRIAS ENXUTAS
Carlos Sorín gosta das histórias enxutas e não foi por acaso que deu a um de seus longas o título de "Histórias Mínimas". "Tenho dificuldade para imaginar histórias longas. Meu ideal é o filme que se passa num dia." A Janela atinge essa concentração. Trata do último dia da vida de Don Antonio, um escritor de 80 anos, que aguarda a visita do filho na fazenda da família. O filho é pianista e está vindo da Europa. A relação com o filho é fria, mas não hostil. Ecos de "Morangos Silvestres", de Ingmar Bergman, de 1957, atravessam o relato.
Mas a fonte declarada foi Raymond Carver, "As Três Rosas Amarelas", cujos direitos Sorín tentou em vão comprar. A história, de qualquer maneira, ficou com ele tanto quanto a de "Morangos Silvestres". O velho personagem de Bergman é um professor homenageado por sua atividade docente. O de Carver é um escritor e ninguém menos do que Chekhov, em seus últimos dias "Chekhov é um de meus escritores preferidos. Amo a depuração de sua escrita, o sentido humano e social de seus relatos tão precisos." O próprio Sorín ama essas histórias que são mínimas e, ao mesmo tempo, são de uma precisão realista que fazem do seu cinema uma janela aberta para o mundo.
O título, obviamente, não é produto do acaso - "La Ventana". Nem o fato de que o protagonista, no começo, tem um sonho que remete ao próprio cinema. "Freud dizia que os sonhos não existem, mas eu precisava filmar um sonho de Don Antonio. Fiz dele um filme dentro do filme." O sonho carrega um enigma - Don Antonio revê uma imagem do seu passado remoto. Quando ele era menino, os pais o deixaram aos cuidados de uma babá. Há uma precisa descrição do sonho. A mãe com seu vestido de festa chega para dar boa-noite ao filho. Ao fundo ouvem-se ruídos de um baile, em outra parte da casa. E o detalhe é o rosto da babá. Durante 80 anos Antonio esqueceu-se dela, e agora esse rosto reaparece no que será seu último dia.
Bergman, Carver, Chekhov. E Jorge Luís Borges e Adolfo Bioy Casares. "Borges é infilmável", reflete Sorín, mas ele concorda com o repórter quando lhe diz que o mais ‘borgesiano’ dos filmes não é uma adaptação do escritor - Mister Klein, de Joseph Losey. "Es un maestro", diz Sorín sobre o grande Losey. Seus mestres, aliás, não foram argentinos (salvo escritores).
Seus diretores favoritos, os que o marcaram, foram Jean-Luc Godard, François Truffaut, Bergman e Losey. Casares, como escritor, foi outra referência. A Invenção de Morel, cujo primeiro título no Brasil foi A Máquina Fantástica, confronta o protagonista com a morte, por meio dessa máquina capaz de fixar instantes da vida de cada um de seus amigos. A janela que Sorín abre para o mundo é o próprio cinema, que lhe permite revelar os fragmentos da vida de Antonio. No final, com o mínimo de informações, sabemos tudo sobre ele.
Para um filme tão escrito, tão exato, "A Janela" terminou virando o resultado de uma feliz série de coincidências "Não se faz cinema sem sorte", diz o diretor. Ele ia filmar no norte argentino, mas houve uma epidemia de varíola e o ator uruguaio Antonio Larreta, de mais de 80 anos, não podia ser vacinado. Sorín teve de procurar rapidamente outra locação. Encontrou esse lugar não muito distante de Buenos Aires, a casa senhorial e o campo que começa a ondular suavemente. "A casa é tão perfeita quanto Larreta. Ambos são aristocráticos e decadentes", define Sorín. Larreta também foi descoberto por acaso. O produtor espanhol de Sorín participava de um evento no Uruguai. Foi apresentado a Larreta como sendo um grande ator uruguaio de teatro.
"O produtor me ligou imediatamente. Disse que tinha encontrado Don Antonio para mim." Larreta é grande no palco, mas quase não havia feito cinema. O que fizera não era bom. Muita ênfase nos gestos. "Meu trabalho foi estimulá-lo a baixar cada vez mais o tom. Menos, menos. Ele tinha 80 anos, era escritor, um aristocrata. Larreta era o personagem." O próprio processo de criação de "A Janela" é definido por Sorín como uma ‘desconstrução’. "Filmei um roteiro de apenas 32 páginas. Meu trabalho neste filme foi cortar. Diálogos, situações. Cortei para filmar e depois cortei ainda mais na montagem."
O filho de Carlos Sorín, Nicolás, é compositor e ofereceu ao pai uma caudalosa proposta de música. Sorín cortou a música, também. Reduziu-a a fragmentos. Eles são tão belos, e precisos, que a música, como a atuação de Antonio Larreta, permanece com o público. Grande filme.
SERVIÇO:
"A Janela" ("La Ventana", Argentina-Espanha/2008, 85 min.) - Drama. Direção: Carlos Sorín. Cotação: Ótimo.
(AE)
FONTE: Jornal Cruzeiro do Sul - Sorocaba,São Paulo,Brazil
FOTO in http://cinemarama.files.wordpress.com/ ****************************
Obrigada pela visita e pelo comentário carinhoso.
ResponderExcluirAbraço fraterno e ótimo fim de semana.