quarta-feira, março 04, 2009

Leia na íntegra a matéria A musa e o sertanejo


Patativa do Assaré
Leia na íntegra a matéria A musa e o sertanejo
01 Mar 2009 - 15h13min

O sinal era as duas mãos. A enxada cuidou de cultivar as marcas e o tempo de calcificá-las. Patativa do Assaré chamou a si mesmo de "poeta de mãos calosas".

Elas já estavam calejadas quando, aos 53 anos, o poeta reuniu em livro a primeira leva de versos. Para o Inspiração Nordetina, editado por meio de José Arraes de Alencar, no Rio de Janeiro, pela editora Boisoi, em 1956, o poeta elabora um autobiografia. Num dos únicos textos escritos em prosa, Patativa do Assaré afirma: "Nunca quis fazer profissão da minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado quando alguém me convida para este fim".


O sinal era as duas mãos. O campo cuidou de cultivar os versos e o tempo de mostrá-las aos mundo. Patativa do Assaré chamou a si mesmo de roceiro, matuto, sertanejo, camponês. A criatividade e a imaginação do poeta construíram nomes, situações, histórias que saíam do sertão vivido e que ganhavam outras vidas nos seus poemas. Tudo era tirado dali, do encontro com a terra seca ou prenhe da chuva. Praticamente tudo nascia durante o trabalho no roçado. Debaixo do sol desapiedado do sertão nordestino, enquanto Antônio Gonçalves da Silva brocava, plainava, plantava, tirava a erva daninha, esperava o bom tempo e colhia o pouco legume do braço de terra que recebeu como herança, a musa fornecia os versos, maturados na volta para casa, nos confins da noite.

O sinal era as duas mãos. O campo cuidou de virar verso e o tempo de multiplicar a poesia. "Sou fio das mata, cantô da mão grossa/ Trabaio na roça, de inverno e de estio./ A minha choupana é tapada de barro,/ Só fumo cigarro de páia de mio", cantou Patativa em O poeta na roça. No espaço da fadiga, o poeta versejou quase toda uma obra publicada em livros e muitos outros que levou consigo. A agricultura foi a profissão da vida inteira. As marcas ficaram no corpo todo. Por todos os lugares onde ele andou era conhecido como sendo o poeta da roça. Envergou o corpo, pôs na boca a linguagem matuta, falava para o povo que ele conhecia. O homem tinha duas almas. Uma era a de um poeta, a outra era a de um sertaneja. A musa só enxergava uma.


"Ele era um roceiro, que não teve nenhuma ganância por dinheiro, podia ser ganhado muito, mas não ligou pra isso". O gravador e cordelista Stênio Diniz, do Crato, conheceu Patativa quando tinha 6 anos de idade. Ele era neto dos donos da Gráfica S. Francisco, no Crato, tradicional gráfica de cordéis, que virou Lira Nordestina. Foi lá que Patativa imprimiu os poucos cordeis de sua autoria. "Já chegava no balcão recitando, tocava nas feiras, vinha toda segunda-feira ao Crato. A gráfica São Francisco era parada obrigatóra. Ele abandonou a roça". A fama deixou tudo quieto no coração do poeta. Primeiro,quando Luiz Gonzaga tornou a Triste Partida no hino de esperança dos retirantes do Nordeste, tanto os que saíam da região, quando os que estavam doidos para voltar. Depois, foi a vez de Raimundo Fagner gravar Vaca Estrela, Boi Fubá. "Patativa não teve uma vírgula de mudança. As pessoas reconheciam ele no meio da rua, cumprimentavam e pedia pra ele recitar, ele recitava uma, duas horas inteiras".

O campo marcou o poeta ao ponto de transformá-lo num referencial simbólico do homem do Nordeste. "Patativa do Assaré teve uma simplicidade e uma grandeza que o tornaram uma unanimidade entre as pessoas do meio popular e entre os intelectuais eruditos", afirma B.C.Neto filósofo, poeta, professor da Universidade Estadual do Ceará, atual coordenador Cultural da Secult. B.C.Neto foi amigo de Patativa do Assaré, fez shows de poesia com ele pelo Interior do Ceará. "Patativa foi agricultor a vida inteira, nunca ganhou dinheiro com a poesia, mas ele ganhou mais do que dinheiro. Patativa do Assaré é um dos símbolos do poeta que canta a nordestinidade. É o maior no estilo dele", afirma B.C.Neto. E continua: "Ele tem lugar de destaque na construção do povo nordestino. A força dos versos do Patativa é arrebatadora".

Uma imagem une o escritor Emerson Monteiro ao poeta Patativa do Assaré. A foto onde Patativa aparece sem óculos e sem chapéu é dele. Foi tirada nos anos 70. "Um dia fui a Santana com alguns amigos dele e pedi ao poeta para tirar a foto. Ele permitiu". É a poesia, no entanto, que até hoje deixa Émerson perplexo. "Eu nasci numa fazenda. Vim pro Crato com quatro anos e voltava nas férias. Lá, a gente tinha os moradores que moravam nas casinhas de taipa. Eu lembro que eles insistiam muito para que eu lesse pra eles o Verso da Seca, porque ninguém ali sabia ler e eu não nunca tive disponibilidade, tímido, nunca li. O verso da seca, sabe o que era? A Triste Partida, de Patativa do Assaré, que é uma das coisas mais bonitas que existe na literatura brasileira, que Luis Gonzaga gravou (em 1964)". A poesia como reserva da alma do agricultor até hoje carece de explicação para Emerson, um dos intelectais do Crato com vários livros publicados, militante de esquerda nos anos 60, jornalista: "Vou lhe confidenciar um coisa. Hoje eu sou espírita e acho que Patativa foi a reencarnação de Camões". Na roça, a musa também inspirou sonetos clássicos ao sartanejo. O sociólogo e reitor da Universidade Regional do Cariri, Plácido Cidade Nuvens, foi um dos que investigou o classissismo do camponês: "Patativa é também um poeta clássico. Se levarmos em conta os sonetos que publicou, haveremos de encontrar aí um poeta lírico do porte dos melhores poetas cearenses que pontificaram no ramo do soneto, como Antônio Sales e Padre Antônio Tomás e no contexto geraldo Brasil, no porte de Olavo Bilac e Augusto dos Anjos", afirma ele no livro Patativa do Assaré, um Clássico.


O sertão era a janela de onde o poeta interpretava o mundo: "Boa noite gente rica/ De sabença e inducação,/ Peço que descurpe os êrro/ Desta minha falação/ Não conheço português,/ Apois eu por minha vez/ Numa mexi papé,/Mas vou falá na linguage,/ Da minha gente servage,/ Entenda lá quem pudé!" De lá sofria de saudade: "Eu sou sertanejo das terras do Norte,/ Mas a negra sorte me fez arribar./ Hoje vivo ausente,/ Sem ver minha gente/ O meu sol ardente/ E o meu luar." De lá cantava os que ficavam à espera da mesa farta: "Querendo fazê fartura,/ Cheio de esperança e prano,/ Já quage no fim do ano,/ Se um cabôco faz figura/ Cavando na terra dura/ Com grande disposição/ Prantando mio e feijão/ Mode esperá prazentêro/ As chuvada de janêro,/ É coisa do meu sertão" (É coisa do meu sertão). De lá o sertanejo embalava a felicidade do poeta: "Chegando o tempo do inverno,/Tudo é amoroso e terno,/ Sentindo que o Pai Eterno/ Sua bondade sem fim./O nosso sertão amado,/Esturricado e pelado,/ Fica logo transformado/ No mais bonito jardim" (A Festa da Natureza)


POEMA
Vida Sertaneja

(Cante lá que eu canto cá)
Sou matuto sertanejo
Daquele matuto pobre
De não tem gado, nem quêjo,
Nem ôro, prata ou cobre.
Sou sertanejo rocêro
Eu trabaio o dia intêro,
que seja inverno ou verão.
Minhas mãos é calejada,
Minha péia e bronzeada
Da quintura do sertão.

FONTE: O POVO Online - CE,Brazil

Um comentário:

  1. Anônimo9:37 AM

    Bom dia!! Passa no meu blog tem um presente pra vc abraços ;D

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