sexta-feira, março 06, 2009

Fora da história: negras não tem espaço na literatura contemporânea


Fora da história: negras não tem espaço na literatura contemporânea

06/03/2009 - 20:35:00
Pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, coordenado pela professora Regina Dalcastagnè, do Departamento de Teoria Literária e Literaturas, revelou um capítulo sombrio da literatura brasileira contemporânea produzida no período entre 1990 e 2004: a quase ausência da representação de mulheres negras nos romances publicados pelas três maiores editoras do país, Companhia das Letras, Rocco e Record. De um total de 1.245 personagens catalogadas em 258 obras, apenas 2,7% são mulheres negras.
Nas poucas vezes em que apareceram nas páginas dos romances, em aproximadamente 70% dos casos, as negras ocupavam posições como empregadas domésticas e profissionais do sexo. Outros papéis recorrentes são a de escrava, dona de casa e bandida.
“Lamentavelmente, esses dados não surpreendem. Vivemos em um país de forte tradição escravocrata, em que a imagem da mulher negra ainda é marginalizada”, diz a professora do departamento de Sociologia da UnB e subsecretária de planejamento da Secretaria Especial de Política para as Mulheres, Lourdes Bandeira.
SILÊNCIO - “Elas não só são representadas em papéis subalternos, como ocupam posições subalternas no enredo”, afirma Regina. A pesquisa detectou que em apenas três vezes a mulher negra foi protagonista da história e somente em uma foi narradora.
Para Marina Farias Rebelo, mestranda do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, a presença de apenas uma mulher negra como narradora traduz grande significado. “A mulher negra não fala, ela é falada”, ressalta. Em seu estudo, ela compara a literatura com o rap como lugar de expressão para esse grupo. “No rap, a mulher negra reivindica a voz para si, elas cantam a sua mensagem, coisa que não acontece na literatura”, explica.
Lourdes Bandeira acredita que o fato de existir só uma narradora negra em quase 15 anos de publicações demonstra que essa figura é silenciada. “Os escritores brasileiros estão tirando delas o direito do uso da palavra. Com isso, a mulher fica mantida no anonimato”, destaca.
A professora Regina reforça a importância de ser dona do seu próprio discurso. “Quando ums personagem fala, ela adquire poder, faz com que o leitor siga pela perspectiva da mulher negra”, afirma.
ELITE CULTURAL – O estudo produzido na UnB também revelou que mais de 70% dos autores catalogados eram homens, brancos, de classe média, com nível superior e heterossexuais. “É uma ilusão que a literatura seja um objeto artístico muito crítico. Ela é produzida por uma elite branca, que reflete suas representações, assim como o cinema, o teatro”, afirma Regina.
“É um segmento social predominantemente masculino que não está atento as mudanças sociais e ainda mantém valores de certo menosprezo à mulher negra”, completa subsecretária de planejamento da Secretaria Especial de Política para as Mulheres.
A mestranda Marina Farias adverte que a intenção da pesquisa não é censurar os escritores, mas sim fazer com que eles reflitam sobre perspectivas sociais diferentes. “Não queremos policiar ninguém. Defendemos o direito de cada um escrever o que quer, mas queremos que isso seja feito de forma responsável.”
De acordo com a professora Dione Moura, da Faculdade de Comunicação, existe uma produção emergente que traz um desejo de transformação dessa realidade. Dar voz a isso, diz ela, ajudaria a mudar os números apresentados pela pesquisa. “É preciso fortalecer as produções alternativas que têm voz de igualdade. Editais públicos e programas governamentais seriam um bom meio de se fazer isso”, aponta.
UnB Agência

FONTE: clicabrasilia.com.br - Brasília,DF,Brazil

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