Confira trechos de poemas de Vinicius de Moraes
Da Redação
SÃO PAULO - Poemas Esparsos apresenta faces menos óbvias do poeta Vinicius de Moraes, como a surrealista e a experimental. O livro, que será lançado no Rio (na quinta-feira, 4, às 19h30, no Instituto Moreira Sales, tel. 21-3284-7400) e em São Paulo (na sexta, às 19h30, no Sesc Paulista, tel. 3179-3700), reúne trabalhos inéditos em livro (19), recolhidos em edições póstumas (36) e restritos ao Antologia Poética (14), livro de 1954. Entre os inéditos estão Sob o Trópico do Câncer e Ode ao Octontenário de Manuel Bandeira - mais uma vez fica clara a influência bandeiriana. O livro traz ainda textos de Fernando Sabino, Drummond, Ferreira Gullar e Caetano Veloso sobre o poeta. Confira trechos abaixo:
Ode ao Octontenário de Manuel Bandeira
Paizinho:
(Ovalle chamava-te Paizinho...)
Quandos os ponteiros do relógio se acertarem
(...)
Eu já estarei no mar, talvez nas costas da Bahia
E pensarei profundamente em ti, Poeta
Máximo.
Sob o Trópico do Câncer
"O câncer é a tristeza das células."
Jayme Ovalle
I
Sai, Câncer!
Desaparece, parte, sai do mundo
Volta à galáxia onde fermentam
Os íncubos da vida, de que és
A forma inversa. Vai, foge do mundo
Monstruosa tarântula, hediondo
caranguejo incolor, fétida anêmona
Sai, Câncer!
Furbo anão de unhas sujas e roídas
Monstrengo sub-reptício, glabro homúnculo
Que empesteias as brancas madrugadas
Com teu suave cheiro de necrose
Alexandra, a Caçadora
Que Alexandre, o Grande é grande
Todos sabemos de cor
Mas nunca como Alexandra
Porque Alexandra é a maior!
Olhem bem o nome: rima
Com força locomotriz
Pode subir serra acima
Pode voar a Paris.
(...)
Vai, caçadorinha, caça
A vida com as tuas setas
E caça o tempo que passa
No olhar triste dos poetas.
O Menestrel de nosso tempo*
Por Fernando Sabino
"Trinta anos de convivência! Um dia desses marcamos um encontro. Escolhemos um bar pouco freqüentado, onde pudéssemos conversar calmamente. E de súbito, solenizados diante de nosso uísque, em silêncio até ali, nos olhamos e começamos a rir: engraçado esse nosso encontro para conversar. Conversar o quê? Já não conversamos tudo? Pois então vamos embora, não é isso mesmo? E começamos a rir como dois idiotas, sem perceber que estávamos exercendo o simples ritual da amizade além das palavras."
*Texto publicado no Jorna do Brasil, dia 7 de maio de 1973.
Vinicius: o caminho do poeta*
Por Ferreira Gullar
"Muita gente vê na adesão de Vinicius à música popular um abandono de sua carreira de poeta. Mas essa é uma visão equivocada. Na verdade, trata-se de um desdobramento natural de sua experiência, que vem do metafísico ao cotidiano, do erudito ao popular. É um processo de redescoberta de si mesmo e de exploração permanente de suas potencialidades expressivas que o conduz à música. E é também um processo de desmistificação da poesia, como temática e como forma."
*Texto publicado no Jornal da Tarde, no dia 12 de julho de 1980.
Eu sou Vinicius de Moraes*
Por Caetano Veloso
"A palavra pureza tem uma freqüência alta na poesia e nas letras de música de Vinicius, como tinha até na sua conversa. E, no entanto, depois da aprovação do cinema falado, que não foi tão difícil, e sobretudo com a adesão à música popular, à nossa cultura nascida da senzala, ele passou a fazer uma grande exibição de não temer a impureza, qualquer uma. O Vinicius se encharcou de toda a impureza. Há até canções em que ele realmente beira a mera vulgaridade. E ele não se incomodava com isso, porque era puro, porque sabia que podia fazê-lo permanecendo puro. Esse entregar-se puramente às impurezas é a pureza última, é a pureza máxima."
*Depoimento inédito (edição de Eucanaã Ferraz e Francisco Bosco, com base na entrevista integral concedida por Caetano Veloso ao cineasta Miguel Faria Jr., em 2005, para o filme Vinicius, do mesmo diretor)
Da Redação
SÃO PAULO - Poemas Esparsos apresenta faces menos óbvias do poeta Vinicius de Moraes, como a surrealista e a experimental. O livro, que será lançado no Rio (na quinta-feira, 4, às 19h30, no Instituto Moreira Sales, tel. 21-3284-7400) e em São Paulo (na sexta, às 19h30, no Sesc Paulista, tel. 3179-3700), reúne trabalhos inéditos em livro (19), recolhidos em edições póstumas (36) e restritos ao Antologia Poética (14), livro de 1954. Entre os inéditos estão Sob o Trópico do Câncer e Ode ao Octontenário de Manuel Bandeira - mais uma vez fica clara a influência bandeiriana. O livro traz ainda textos de Fernando Sabino, Drummond, Ferreira Gullar e Caetano Veloso sobre o poeta. Confira trechos abaixo:
Ode ao Octontenário de Manuel Bandeira
Paizinho:
(Ovalle chamava-te Paizinho...)
Quandos os ponteiros do relógio se acertarem
(...)
Eu já estarei no mar, talvez nas costas da Bahia
E pensarei profundamente em ti, Poeta
Máximo.
Sob o Trópico do Câncer
"O câncer é a tristeza das células."
Jayme Ovalle
I
Sai, Câncer!
Desaparece, parte, sai do mundo
Volta à galáxia onde fermentam
Os íncubos da vida, de que és
A forma inversa. Vai, foge do mundo
Monstruosa tarântula, hediondo
caranguejo incolor, fétida anêmona
Sai, Câncer!
Furbo anão de unhas sujas e roídas
Monstrengo sub-reptício, glabro homúnculo
Que empesteias as brancas madrugadas
Com teu suave cheiro de necrose
Alexandra, a Caçadora
Que Alexandre, o Grande é grande
Todos sabemos de cor
Mas nunca como Alexandra
Porque Alexandra é a maior!
Olhem bem o nome: rima
Com força locomotriz
Pode subir serra acima
Pode voar a Paris.
(...)
Vai, caçadorinha, caça
A vida com as tuas setas
E caça o tempo que passa
No olhar triste dos poetas.
O Menestrel de nosso tempo*
Por Fernando Sabino
"Trinta anos de convivência! Um dia desses marcamos um encontro. Escolhemos um bar pouco freqüentado, onde pudéssemos conversar calmamente. E de súbito, solenizados diante de nosso uísque, em silêncio até ali, nos olhamos e começamos a rir: engraçado esse nosso encontro para conversar. Conversar o quê? Já não conversamos tudo? Pois então vamos embora, não é isso mesmo? E começamos a rir como dois idiotas, sem perceber que estávamos exercendo o simples ritual da amizade além das palavras."
*Texto publicado no Jorna do Brasil, dia 7 de maio de 1973.
Vinicius: o caminho do poeta*
Por Ferreira Gullar
"Muita gente vê na adesão de Vinicius à música popular um abandono de sua carreira de poeta. Mas essa é uma visão equivocada. Na verdade, trata-se de um desdobramento natural de sua experiência, que vem do metafísico ao cotidiano, do erudito ao popular. É um processo de redescoberta de si mesmo e de exploração permanente de suas potencialidades expressivas que o conduz à música. E é também um processo de desmistificação da poesia, como temática e como forma."
*Texto publicado no Jornal da Tarde, no dia 12 de julho de 1980.
Eu sou Vinicius de Moraes*
Por Caetano Veloso
"A palavra pureza tem uma freqüência alta na poesia e nas letras de música de Vinicius, como tinha até na sua conversa. E, no entanto, depois da aprovação do cinema falado, que não foi tão difícil, e sobretudo com a adesão à música popular, à nossa cultura nascida da senzala, ele passou a fazer uma grande exibição de não temer a impureza, qualquer uma. O Vinicius se encharcou de toda a impureza. Há até canções em que ele realmente beira a mera vulgaridade. E ele não se incomodava com isso, porque era puro, porque sabia que podia fazê-lo permanecendo puro. Esse entregar-se puramente às impurezas é a pureza última, é a pureza máxima."
*Depoimento inédito (edição de Eucanaã Ferraz e Francisco Bosco, com base na entrevista integral concedida por Caetano Veloso ao cineasta Miguel Faria Jr., em 2005, para o filme Vinicius, do mesmo diretor)
FONTE: Estadão - São Paulo,SP,Brazil
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