CULT ON-LINE
História do Pranto
Paula Fazzio
História do Pranto
Paula Fazzio
O escritor argentino Alan Pauls acaba de lançar seu novo livro História do Pranto pela editora Cosac Naify, no Brasil. Nascido em Buenos Aires, em 1959, Pauls recria a história do seu país nos anos 70, sob a ótica de um garoto.
O autor de O Passado (adaptado para os cinemas pelo diretor Hector Babenco) narra em seu novo romance as lembranças desse garoto que presenciou as transformações ocorridas na Argentina durante operíodo militar.
Em entrevista à CULT, Alan Pauls fala sobre o processo de criação da obra, a escolha do protagonista do livro, suas impressões sobre a Argentina, a possibilidade de tornar-se um filme e sua preferência na literatura brasileira.
CULT - O romance acontece por meio das visões de um menino que assiste à transformação dos ideais progressistas e revolucionários ao período militar. Como foi esse processo de criação? Alan Pauls - O herói da novela não é exatamente um menino, é um mutante. Às vezes tem 4 anos quando começa a frase, 12 quando está no meio e 25 quando completa. Tudo que há no menino aparece sempre culto, interpretado e até fingido desde o presente, mas tudo que se passa agora, quando tem 30 anos ou mais, aparece de algum modo profetizado desde o passado. Esse vai e vem entre tempos distintos foi o que mais me interessou a escrever o livro. Creio que é assim,indo e vivendo, recordando e esquecendo, antecipando e deformando, como experimentamos nossa própria vida.
CULT - O que História do Pranto tem de autobiográfico? AP - Compartilho com os personagens algumas coordenadas: nós dois somos nascidos entre os anos 50 e 60, sabemos escutar (mas ele escuta tudo enquanto eu, na minha idade, já posso eleger a quem sim e a quem não), somos hipersensíveis (mas ele sofre enquanto eu me divirto), tivemos o primeiro choque político da nossa vida quando vimos pela TV a queda de Salvador Allende e o palácio da Moeda em chamas, fomos fãs do Super-homem e das crônicas guerrilheiras dos anos 70. Nós dois tivemos mulheres chilenas. Nós dois odiamos os psicofármacos. Mas eu nunca vomitei em um elevador nem passei minhas tardes asilado na casa de um falso militar que faz xixi sentado. A primeira mulher que o herói do livro viu nua foi uma guerrilheira abatida por uma patrulha militar; eu vi a minha avó (e não foi uma experiência agradável).
CULT - O protagonista é uma criança. Como foi essa escolha? Acredita que a ingenuidade infantil faz com que o testemunho seja mais legítimo? AP - As crianças não são ingênuas. Como dizia Freud, que os conhecia bem, são perversos polimorfos. É dizer: gente sem escrúpulos e sem culpa, guiado somente pela conveniência e os prazeres pessoais. Chantagistas adoráveis, reis no asilo, mentirosos profissionais. Mas o testemunho que se lê no livro não é de um menino, é um testemunho de toda uma vida.
CULT - Qual a maior expressão do pranto na Argentina? AP - O tango, a vida atormentada de Maradona, a nostalgia dos anos 20, quando a Argentina ameaçava ser uma potência mundial.
CULT - Quanto tempo passou escrevendo esse livro? AP - Um ano e meio.
CULT - Tem alguma rotina para escrever? AP - Somente ir ao meu estúdio todas as manhãs bem cedo, me trancar, não atender telefone e orbitar (escreva ou não escreva, inspirado ou com ressaca) ao redor do que estou escrevendo.
CULT - O Passado trata-se do passado. História do Pranto também. Observar os fatos antecedentes ajuda na criação literária de ficção?
AP - Não sei. Não me interessa o passado em si, "o que se sucedeu", como o que fazemos com ele, as maneiras em que o recordamos, o imaginamos, o inventamos. Creio que o passado em si - como a infância - não existe; sempre é obra de nossa imaginação. Inventamos os passados que necessitamos para viver o presente. Toda lembrança está determinada por alguma necessidade de hoje.
CULT - Assim como O Passado, acredita que História do Pranto também possa se transformar em um filme? AP - Nunca pensei que O Passado poderia passar no cinema. Menos ainda História do Pranto, que é uma novela, porém mais "interna", menos visível que O Passado.
CULT - Atualmente, há apropriação do discurso de vítima no passado para justificar ações no presente na Argentina? AP - A retórica da vítima serve, sobretudo, para não discutir em termos políticos as estratégias, formas de luta e projetos políticos que se desdobraram na primeira metade dos anos 70, muitos que hoje estão no poder na Argentina.
CULT - 2008 tem sido um ano de grandes homenagens a escritores consagrados no país, como Machado de Assis, Guimarães Rosa e o poeta Manuel Bandeira. Qual escritor brasileiro lhe impressiona, seja pela estética ou pelo conteúdo? AP - Eu gosto muito da literatura da amnésia e a dissolução de João Gilberto Noll, a quem descobri há pouco tempo em duas traduções argentinas muito boas: Lorde e Harmada.
História do Pranto
O autor de O Passado (adaptado para os cinemas pelo diretor Hector Babenco) narra em seu novo romance as lembranças desse garoto que presenciou as transformações ocorridas na Argentina durante operíodo militar.
Em entrevista à CULT, Alan Pauls fala sobre o processo de criação da obra, a escolha do protagonista do livro, suas impressões sobre a Argentina, a possibilidade de tornar-se um filme e sua preferência na literatura brasileira.
CULT - O romance acontece por meio das visões de um menino que assiste à transformação dos ideais progressistas e revolucionários ao período militar. Como foi esse processo de criação? Alan Pauls - O herói da novela não é exatamente um menino, é um mutante. Às vezes tem 4 anos quando começa a frase, 12 quando está no meio e 25 quando completa. Tudo que há no menino aparece sempre culto, interpretado e até fingido desde o presente, mas tudo que se passa agora, quando tem 30 anos ou mais, aparece de algum modo profetizado desde o passado. Esse vai e vem entre tempos distintos foi o que mais me interessou a escrever o livro. Creio que é assim,indo e vivendo, recordando e esquecendo, antecipando e deformando, como experimentamos nossa própria vida.
CULT - O que História do Pranto tem de autobiográfico? AP - Compartilho com os personagens algumas coordenadas: nós dois somos nascidos entre os anos 50 e 60, sabemos escutar (mas ele escuta tudo enquanto eu, na minha idade, já posso eleger a quem sim e a quem não), somos hipersensíveis (mas ele sofre enquanto eu me divirto), tivemos o primeiro choque político da nossa vida quando vimos pela TV a queda de Salvador Allende e o palácio da Moeda em chamas, fomos fãs do Super-homem e das crônicas guerrilheiras dos anos 70. Nós dois tivemos mulheres chilenas. Nós dois odiamos os psicofármacos. Mas eu nunca vomitei em um elevador nem passei minhas tardes asilado na casa de um falso militar que faz xixi sentado. A primeira mulher que o herói do livro viu nua foi uma guerrilheira abatida por uma patrulha militar; eu vi a minha avó (e não foi uma experiência agradável).
CULT - O protagonista é uma criança. Como foi essa escolha? Acredita que a ingenuidade infantil faz com que o testemunho seja mais legítimo? AP - As crianças não são ingênuas. Como dizia Freud, que os conhecia bem, são perversos polimorfos. É dizer: gente sem escrúpulos e sem culpa, guiado somente pela conveniência e os prazeres pessoais. Chantagistas adoráveis, reis no asilo, mentirosos profissionais. Mas o testemunho que se lê no livro não é de um menino, é um testemunho de toda uma vida.
CULT - Qual a maior expressão do pranto na Argentina? AP - O tango, a vida atormentada de Maradona, a nostalgia dos anos 20, quando a Argentina ameaçava ser uma potência mundial.
CULT - Quanto tempo passou escrevendo esse livro? AP - Um ano e meio.
CULT - Tem alguma rotina para escrever? AP - Somente ir ao meu estúdio todas as manhãs bem cedo, me trancar, não atender telefone e orbitar (escreva ou não escreva, inspirado ou com ressaca) ao redor do que estou escrevendo.
CULT - O Passado trata-se do passado. História do Pranto também. Observar os fatos antecedentes ajuda na criação literária de ficção?
AP - Não sei. Não me interessa o passado em si, "o que se sucedeu", como o que fazemos com ele, as maneiras em que o recordamos, o imaginamos, o inventamos. Creio que o passado em si - como a infância - não existe; sempre é obra de nossa imaginação. Inventamos os passados que necessitamos para viver o presente. Toda lembrança está determinada por alguma necessidade de hoje.
CULT - Assim como O Passado, acredita que História do Pranto também possa se transformar em um filme? AP - Nunca pensei que O Passado poderia passar no cinema. Menos ainda História do Pranto, que é uma novela, porém mais "interna", menos visível que O Passado.
CULT - Atualmente, há apropriação do discurso de vítima no passado para justificar ações no presente na Argentina? AP - A retórica da vítima serve, sobretudo, para não discutir em termos políticos as estratégias, formas de luta e projetos políticos que se desdobraram na primeira metade dos anos 70, muitos que hoje estão no poder na Argentina.
CULT - 2008 tem sido um ano de grandes homenagens a escritores consagrados no país, como Machado de Assis, Guimarães Rosa e o poeta Manuel Bandeira. Qual escritor brasileiro lhe impressiona, seja pela estética ou pelo conteúdo? AP - Eu gosto muito da literatura da amnésia e a dissolução de João Gilberto Noll, a quem descobri há pouco tempo em duas traduções argentinas muito boas: Lorde e Harmada.
História do Pranto
Alan Pauls
tradução de Josely Vianna Baptistas
(Cosac Naify)
R$ 29,00
Nenhum comentário:
Postar um comentário