segunda-feira, maio 19, 2008

Vallejo, uma prosa feroz e corrosiva

Vallejo, uma prosa feroz e corrosiva
Escritor colombiano é um dos principais convidados da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que acontece em julho
Ubiratan Brasil
Agência Estado
O escritor colombiano Fernando Vallejo é descrito como um homem inofensivo, olhar tranqüilo, voz musicada, gestos suaves. Basta abrir qualquer página de seus livros ou questioná-lo sobre determinados assuntos, porém, que se descobre uma prosa feroz, raivosa, corrosiva. Aos 65 anos, Vallejo arregala os olhos de quem o lê ou escuta ao comentar sobre a Igreja Católica ("Inquisidora, torturadora, falsificadora, homofóbica..." e outros adjetivos do gênero), o papa ("Besta vaticana"), a Colômbia ("Lá, até os mortos têm cédula de identidade e votam") e até de colegas famosos ("García Márquez é uma cortesã de Fidel Castro").
Um dos principais convidados da próxima edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, que ocorre em julho, Vallejo vai comentar "O Despenhadeiro", que a editora Alfaguara já lança nesta segunda-feira (19), com competente tradução de Bernardo Ajzenberg (176 páginas, R$ 28,90). Como boa parte de sua obra, trata-se de um relato autobiográfico, sem disfarces ao retratar um ódio escancarado pela sociedade, especialmente a colombiana.
Nascido em Medellín, Vallejo conheceu a degradação da cidade pelo tráfico de drogas. É justamente essa cidade devastada pelos entorpecentes e pela juventude amoral que o escritor retratou em "A Virgem dos Sicários", seu primeiro romance lançado no Brasil, povoado de pobres, drogados, mendigos impertinentes e grávidas que só pensam em parir e rezar.
Em "O Despenhadeiro", a acidez e o sarcasmo continuam na história do homem que volta à casa onde viveu, na Colômbia, local marcado pelo adoecimento das pessoas que realmente lhe interessam, como o pai, um político, e o irmão Dario, com quem compartilhou intensas experiências na juventude.
A ferocidade de Vallejo aparece na forma como o narrador descreve as outras pessoas da família, como a mãe ("A Louca") e o irmão caçula ("Aborto da Natureza"). Indiferente aos críticos que apontam sua iconoclastia como oportunista, Vallejo, que vive no México desde 1971, tal qual um pugilista, não baixa a guarda.
O despeito pela religião católica é só o fio da meada para Vallejo desfiar uma série de provocações, como na entrevista a seguir e em outras, nas quais não poupa suas farpas.
Agência Estado: O senhor esperava que "O Despenhadeiro" fosse uma alegoria premonitória em relação à América Latina?
Fernando Vallejo - A verdade é que não acredito que esse livro seja uma alegoria ou a premonição de algo. O que talvez possa ser um retrato do desastre que são a Colômbia onde nasci e cresci e o México, onde hoje vivo, ou do desastre da América Latina em geral, está em outro livro que escrevi, "A Virgem dos Sicários".
AE:No livro, a internet é tratada como uma epidemia, semelhante à aids. Por que essa prevenção contra a internet?
Vallejo - Quando escrevi "O Despenhadeiro", a internet estava iniciando. Hoje, é uma mescla de informações úteis com lixo repetido e reciclado. A aids, por outro lado, não serviu para nada: diminuiu, por via das dúvidas, em 20 milhões a população mundial. Minha esperança é o vírus Ebola. Esse, sim, vai animar um pouco essa festa.
AE:Outro sentimento que o livro transmite é o de que o passado sempre foi melhor que presente. Por quê? Sua história pessoal foi determinante para isso?
Vallejo - Não, o passado nunca foi melhor que o presente: os dias atuais provocam um horror distinto, um velho horror com nova cara.
AE:Aliás, até que ponto "O Despenhadeiro" tem vestígios autobiográficos?
Vallejo - Tudo o que é narrado no livro é estritamente verdadeiro. O que digo ali aconteceu de fato.
AE:Um crítico escreveu que "nem uma só ponta de respeito de intelectual - menos ainda de comiseração - existe na alma, no pensamento ou na obra de Fernando Vallejo quando se trata de analisar o que ele chama de os horrores atuais e presentes da Igreja católica no mundo". Qual a origem desse enfrentamento contra a Igreja?
Vallejo - O cristianismo não é uma religião, mas uma empresa criminal. E assim tem sido desde que a seita cristã que chamou a si mesma de católica, ou seja, universal, pegou carona no triunfo do imperador Constantino (um genocida que, no ano 312, exterminou uma dezena de outras seitas cristãs e de outros cultos e feitiçarias do Império Romano) para então se atribuir a função de única detentora da verdade e da moral. Os 1.700 anos que se seguiram foram plenos de crimes e infâmias: as oito cruzadas contra os muçulmanos que banharam de sangue a Terra Santa; as cruzadas dos papas contra os próprios correligionários cristãos que se atreveram a discordar do autocrata de Roma, ou seja, os albigenses, os valdenses, os apostólicos, os fraticelli, os begardos, os camisardes... Os horrores das Inquisições católica e protestante: a queima de hereges e bruxas que perdurou durante sete séculos, desde 1200. A noite de São Bartolomeu, a destruição das culturas indígenas da América, a oposição à ciência e à liberdade de pensamento e de imprensa, as guerras da Reforma e da Contra-reforma, etc., etc., etc. Não há civilização cristã: há barbárie cristã. Fabulação, mentira, falsificação, hipocrisia, engano, derramamento de sangue...
AE:Até que ponto seu ateísmo está muito marcado pela religiosidade?
Vallejo - Não pode haver religião nem moral que me façam aceitar o ato da reprodução. Tirar a paz de alguém que está no nada e trazê-lo ao horror da vida é um crime máximo. Há ainda aquele fato que, dizem, nunca ocorreu a ‘Cristolouco’: que os animais (para mim, seres de sistema nervoso complexo, como as vacas e os porcos, que esfaqueamos nos matadouros para comê-los, e que sofrem e sentem sede, fome, terror e tédio, como todos nós) são também próximos de mim, não apenas os seres humanos.
AE:Como explicar, então, a longa sobrevivência de uma instituição tão profundamente corrupta e inclusive criminosa como a Igreja católica?
Vallejo - Graças à sua aliança ilícita e prostituída com todos os poderosos da História: desde Constantino e Justiniano, passando por Carlos Magno e Carlos 5º até Hitler, Mussolini e Franco, e ainda todos os espertalhões com poder nos países do atual Ocidente.
AE:Há algum perigo de sua prosa, muito feroz, ter um efeito contrário, ou seja, não provocar como pretende?
Vallejo - Nunca pretendi provocar ninguém - gosto mesmo é de importunar os hipócritas.
AE:O senhor não esconde seu desprezo por Gabriel García Márquez. Por quê?
Vallejo - Trata-se de um cortesão de Fidel Castro, o tirano de Cuba e o ser mais vil surgido na América. Também é romancista da terceira pessoa (recurso mais utilizado na literatura) que escreve uma prosa de cozinha.
AE:Diversos escritores criaram uma obra em que insultam seu próprio país. O que o faz escrever contra sua Colômbia?
Vallejo - Não escrevo contra a Colômbia: somente a retrato.
FONTE: Diário de Cuiabá - MT, Brazil

Nenhum comentário:

Postar um comentário