domingo, maio 18, 2008

Sarkozy recebe críticas por falta de incentivos à cultura

13/05/2008 - 12h02
Sarkozy recebe críticas por falta de incentivos à cultura
'Sarko, o Americano' é outro insulto comum ao presidente francês.
Novela 'A Crônica do Reinado de Nicolas Primeiro' se tornou campeã de vendas em Paris.
A quase um ano do seu mandato, o presidente francês Nicolas Sarkozy praticamente não mencionou as artes ou a cultura. No fim de fevereiro, disse que a culinária francesa deveria integrar a lista de Patrimônio Mundial da Unesco.
O general De Gaulle tinha André Malraux ao seu lado. François Mitterrand renovou o Louvre. Antes de deixar o cargo, Jacques Chirac inaugurou um imenso museu sobre culturas não-ocidentais, desenhado por Jean Nouvel, cujo projeto confuso e exagerado revela certa arrogância francesa e megalomania arquitetônica. Naturalmente, milhões de turistas se amontoam para visitá-lo.
Todo presidente francês desde a liberação apareceu com algum novo museu faraônico, casa de ópera ou biblioteca, ou iniciou algum programa para a transmissão do legado cultural – até agora. O gosto de Sarkozy, dizem, inclui Lionel Ritchie e Celine Dion (Mitterrand contemplava Dostoyevsky; De Gaulle lia Chateaubriand). O apego do presidente atual com colegas do show business, seu casamento com a “modelo-que-virou” cantora italiana Carla Bruni e a indicação de um ministra da cultura, Christine Albanel, que é inteligente, mas considerada por todos como a mais fraca entre os ministros de Sarkozy; tudo isso fez com que se produzisse algo como um choque cultural.
“Uma ruptura”, como define o cientista político Pascal Perrineau.
“Uma mudança inacreditável”, disse Jean Lacouture, biógrafo do general de Gaulle. Em uma tarde, recentemente, ele imergiu em seus estudos observando o Sena, meditando sobre tais acontecimentos. “Quando de Gaulle retornou à França liberada em 1944”, lembra-se, “ele visitou escritores famosos como Paul Valéry e François Mauriac. Foi sua maneira de declarar um senso renovado de glória francesa”.
Nos dias de hoje, as bancas de jornal de Paris anunciam exemplares de uma edição especial do Le Canard Enchaîné, jornal satírico, ilustrada por mais uma fotografia de Sarkozy em seus conhecidos óculos estilo aviador Ray-Ban, com seu iate e jato particular refletidos em suas duas lentes espelhadas. O termo “presidente vistoso” já se tornou um clichê.
“Sarko, o Americano” é outro insulto comum. Mas os franceses podem ter que criar um insulto novo se os Estados Unidos elegerem um presidente que realiza discursos como o que o senador Barack Obama deu sobre raças enquanto esse país tem seu primeiro líder moderno não graduado nas melhores escolas. Um chefe de estado que, em visita recente ao Vaticano, chegou atrasado, com uma humorista francesa excepcionalmente bruta chamada Jean-Marie Bigard. O coup de grâce: o hiperativo Sarkozy, segundo relatos, enviou mensagens de texto por celular enquanto na presença do Papa.
Tal incidente enfureceu alguns católicos franceses, muitos gaullistas indigestos e outros conservadores tradicionais franceses que, apesar de ajudarem-no a se eleger, hoje consideram Sakozy, para usar um termo direto, vulgar.
“Sua relação com o pessoal da televisão e da mídia, com celebridades, a forma como se comporta, tudo isso incomoda a direita”, confessou Hervé Mariton, um jovem não-religioso neo-gaullista e membro da União Para o Movimento Popular de centro-direita no Parlamento. Ele parou uns instantes para falar em um café movimentado em frente à Assembléia Nacional e admitiu não ter sido o admirador mais fervoroso do presidente.
“Nosso presidente pode não ser excepcionalmente culto, mas não é um homem estúpido”, disse Mariton. “Ele quer provar para uma parte da elite que as coisas mudaram. A exemplo de outros aspectos do governo, nossa política cultural se tornou incestuosa. Então, o fato de o presidente manter certa distância dela pode ser positivo”.
Patrick Rambaud não é tão diplomático. Sua novela satírica “A Crônica do Reinado de Nicolas Primeiro” se tornou uma campeã de vendas em Paris. Esquerdista francês à moda antiga que se desenvolveu no espírito de 1968, Rambaud estava visitando o escritório de sua editora na Rive Gauche outro dia. O negócio de ridicularizar Sarkozy lhe trouxe uma lucros inesperados.
“Todos nós estamos envergonhados”, comentou ele sobre a falta de interesse do presidente em cultura e sobre seu estilo em geral. “Levar Bigard para o encontro com o Papa... Mesmo sendo escritor, nunca poderia imaginar algo assim” (verdade seja dita, ele parecia mais agradecido do que chateado). Rambaud lembrou a sofisticação de presidentes anteriores. Sarkozy quase inspirou nele uma nostalgia por De Gaulle.
“Veja, nós precisamos de um presidente culto”, disse, como se para um francês isso fosse tão indiscutível como a superioridade de Petrus. “Isso vem da época dos reis.”
Georges Pompidou publicou uma antologia da poesia francesa e concebeu o centro nacional de arte moderna nomeado em sua homenagem. Valéry Giscard d’Estaing deixou o Musée d’Orsay. Chirac, para garantir sua aura, divulgou, enquanto presidente, que havia traduzido Pushkin quando adolescente. Além do Louvre, os grandes trabalhos de Mitterrand incluíram a nova Ópera da Bastilha e a nova Biblioteca Nacional. Elas podem ser calamitosas, edifícios muito odiados – são “uma resposta a uma pergunta que ninguém fez”, Hugues Gall, ex-diretor da Bastilha, freqüentemente fazia piadas sobre sua casa de ópera. Mas, sob a influência de Mitterrand e seu poderoso ministro da cultura, Jack Lang, a cultura se tornou quase a religião oficial da França.
Hoje, a multidão infinita de paparazzi (a maioria dos quais o próprio Sarkozy perseguiu avidamente), conversas eletrônicas e “notícias” sobre Sarkozy e Bruni – ela, vestida como Jacqueline Kennedy com um chapéu modelo pillbox em visita à Grã-Bretanha, ou completamente despida; eles, em um encontro na Euro Disney ou de férias no Egito enquanto a economia francesa patinava – tudo isso fez com que a aprovação popular diminuísse. E, mais tarde, levou seus conselheiros cada vez mais aterrorizados a tentar recuperar sua imagem como uma pessoa mais discreta.
No dia em que disse que a culinária francesa deveria ser protegida pela UNESCO, Sarkozy chamou atenção por insultar grosseiramente um francês que recusou seu aperto de mão. Agora, ele freqüenta solenemente funerais militares e batiza submarinos nucleares.
Não que os franceses estejam convencidos. A última pesquisa, do L’Express, revista de notícias francesa, mostra que 45% das pessoas afirmam que seu estilo não mudou em nada; 22% acreditam que piorou. A publicação é claramente cultural. Seu primeiro ministro, que executa os planos econômicos da presidência, é muito popular.
“Aposto minhas fichas em Carla Bruni”, disse Lacouture, o biógrafo de De Gaulle. “A França teve muitas rainhas fabulosas, sabia?”
No fim das contas, é o que muitos franceses começam a dizer a si próprios. Olivier Py, diretor do Odéon-Théâtre de l'Europe em Paris, um dos cinco teatros nacionais da França, também especulou outro dia que Bruni e sua irmã, cineasta e atriz, possam fazer um tipo de projeto do presidente, culturalmente falando: Pigmaleãos para sua Galatea.
Mesmo se não acontecer, Py disse: “A idéia pessoal de Sarkozy sobre cultura na verdade não importa. O fato é: ele precisa entender que a cultura francesa, sim, importa. Ninguém mais está fazendo isso, seja na direita ou na esquerda. É chocante. Na França, esse é o papel do presidente. Ele não pode seguir silenciando.”
Pequenos cortes no orçamento do país para o teatro nacional (cerca de 5%, estimou Py), embora compreensível em uma economia fragilizada, causou mágoas, ele disse. “Este país sabe que não pode continuar assim, mas gozamos de uma vida boa aqui”. Py deu de ombros. “Ninguém quer abrir mão disso.”
Ao contrário de alguns artistas, Py não está tão preocupado com o fato de que o presidente fará cortes ainda mais devastadores à cultura. “Não vamos deixar”, disse simplesmente. Mas ele, sim, se aflige em saber que, na falta de um comprometimento maior de Sarkozy, o país possa perder a noção das artes como um dever nacional, não um luxo.
Perrineau, cientista político, disse: “Com seus jeans, sua grosseria, sua linguagem bruta, sem gravata, ele estabelece uma nova iconografia para a França. A informalidade se traduz em uma forma mais mundana de liderança, é por isso que as pessoas que não gostam dele falam da americanização da França. Tanto para a direita quanto para a esquerda, isso significa ser anti-intelectual.”
Campanhas em prol da cultura podem ajudar a diminuir os prejuízos. Como colocou Chateaubriand, “O gosto é o bom senso do gênio”.

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FONTE: Globo - Brazil
http://g1.globo.com/

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