O declínio da arte de formar
Um professor politicamente alijado das escolhas pedagógicas tende a se desonerar do êxito de sua tarefa social
José Sérgio Fonseca de Carvalho
José Sérgio Fonseca de Carvalho
Em O narrador (1936), o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) nos alerta para a extinção, no mundo contemporâneo, da arte de narrar histórias. Com seu desaparecimento progressivo se esvai também o valor de narrativas que condensavam experiências originariamente distantes de seus ouvintes no tempo e no espaço (Era uma vez, num país distante...), mas cujo sentido se re-atualizava a cada nova versão. Por isso, para Benjamin, o narrador figura entre os mestres e os sábios. Ele sabe dar conselhos: não para alguns casos, mas para muitos.
Seu desaparecimento não resulta exclusivamente do desenvolvimento de novas formas literárias, como o romance. Ao contrário, reflete o declínio do trabalho artesanal e a ascensão da cultura do trabalho industrial. Por ser artesanal, a narrativa sempre se impregnou daqueles que a produzem, tal como a mão do oleiro que se imprime na argila do vaso. Com suas palavras o narrador tecia e distribuía, artesanalmente, a matéria-prima da experiência de vida - sua e dos que o antecederam - incorporada num produto sólido e único: suas histórias. Mais do que um sábio, o narrador era um educador.
Se evocamos os escritos de Benjamin neste espaço é porque acreditamos que um processo análogo parece ocorrer com os professores. O trabalho docente de formação de um sujeito poderia ser comparado a uma "arte". Seu produto - o aluno formado - é sempre único e singular, ao contrário da "lógica" da produção industrial cujos processos padronizados são marcados pela homogeneização. Numa obra artesanal o trabalhador revela a singularidade de seu ser por meio de suas escolhas e práticas. Aquilo que é produzido revela quem o produziu de uma forma que o trabalho industrial e em série é incapaz de fazê-lo (o hambúrguer do McDonald's e o automóvel da VW não revelam o cozinheiro e o metalúrgico que os produziram...).
A recente adoção na rede pública de sistemas apostilados, comprados de empresas privadas ou desenvolvidos por especialistas das secretarias, explicita a substituição da educação como formação pela instrução em série, na qual o professor é concebido como um operário industrial do ensino. Ao alienar o professor de sua responsabilidade pelas escolhas curriculares e pedagógicas dá-se um passo decisivo nesse processo. Um professor politicamente alijado das escolhas pedagógicas tende a se desonerar do êxito de sua tarefa social. Foi o que sucedeu com a progressão continuada no Estado de São Paulo. Parece que assistimos, atônitos e perplexos, a mais uma medida que retira do professor o sentido público de seu trabalho: a formação de cidadãos responsáveis por suas escolhas. Princípios éticos como responsabilidade e autonomia não são aprendidos como fruto de uma exposição verbal de preceitos. Antes resultam da convivência com aqueles que os cultivam em suas práticas. Somente um professor cuja prática revele autonomia e responsabilidade será capaz de cultivar essas virtudes públicas em seus alunos.
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FONTE(photo include): Revista Educação - São Paulo,SP,BrazilSeu desaparecimento não resulta exclusivamente do desenvolvimento de novas formas literárias, como o romance. Ao contrário, reflete o declínio do trabalho artesanal e a ascensão da cultura do trabalho industrial. Por ser artesanal, a narrativa sempre se impregnou daqueles que a produzem, tal como a mão do oleiro que se imprime na argila do vaso. Com suas palavras o narrador tecia e distribuía, artesanalmente, a matéria-prima da experiência de vida - sua e dos que o antecederam - incorporada num produto sólido e único: suas histórias. Mais do que um sábio, o narrador era um educador.
Se evocamos os escritos de Benjamin neste espaço é porque acreditamos que um processo análogo parece ocorrer com os professores. O trabalho docente de formação de um sujeito poderia ser comparado a uma "arte". Seu produto - o aluno formado - é sempre único e singular, ao contrário da "lógica" da produção industrial cujos processos padronizados são marcados pela homogeneização. Numa obra artesanal o trabalhador revela a singularidade de seu ser por meio de suas escolhas e práticas. Aquilo que é produzido revela quem o produziu de uma forma que o trabalho industrial e em série é incapaz de fazê-lo (o hambúrguer do McDonald's e o automóvel da VW não revelam o cozinheiro e o metalúrgico que os produziram...).
A recente adoção na rede pública de sistemas apostilados, comprados de empresas privadas ou desenvolvidos por especialistas das secretarias, explicita a substituição da educação como formação pela instrução em série, na qual o professor é concebido como um operário industrial do ensino. Ao alienar o professor de sua responsabilidade pelas escolhas curriculares e pedagógicas dá-se um passo decisivo nesse processo. Um professor politicamente alijado das escolhas pedagógicas tende a se desonerar do êxito de sua tarefa social. Foi o que sucedeu com a progressão continuada no Estado de São Paulo. Parece que assistimos, atônitos e perplexos, a mais uma medida que retira do professor o sentido público de seu trabalho: a formação de cidadãos responsáveis por suas escolhas. Princípios éticos como responsabilidade e autonomia não são aprendidos como fruto de uma exposição verbal de preceitos. Antes resultam da convivência com aqueles que os cultivam em suas práticas. Somente um professor cuja prática revele autonomia e responsabilidade será capaz de cultivar essas virtudes públicas em seus alunos.
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