terça-feira, maio 20, 2008

Maio 68: o português preso na Sorbonne


Maio 68: o português preso na Sorbonne
O testemunho de quem assistiu de perto aos principais momentos da contestação estudantil

Por: Filipe Caetano

Fernando Pereira Marques era um jovem de apenas 20 anos, aluno de sociologia na Sorbonne. A 3 de Maio entrou na onda de contestação e acabou por ser preso. Ficou com ficha na polícia e acabou por pagar por isso. Hoje, passados quarenta anos, orgulha-se de ter participado activamente num movimento de impacto mundial.
«Participei em várias iniciativas na cidade universitária, na ocupação da Casa de Portugal e da Casa Helénica», começa por contar ao PortugalDiário o professor na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e membro do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.
Para um militante antifascista, Maio é marco essencial num percurso de vida difícil, feito de fugas e prisões por motivações políticas. «Do ponto de vista emocional, não me esqueço daqueles dias de ocupação da Sorbonne, no início do mês, em que a polícia tentava obrigar-nos a sair e nós permanecíamos sentados. Cohn-Bendit falava, todos aplaudiam, até que apareceu Aragon, um velho militante comunista, que não conseguiu falar, porque todos estavam contra o comportamento do Partido Comunista. Foi marcante assistir à forma violenta como foi vaiado, ele que era uma referência intelectual e que acabava por sair dali em lágrimas, tomando a consciência de que a nova geração tinha seguido outro rumo».
Momento de viragem
«Os acontecimentos de Maio ultrapassam as fronteiras da França, porque surgem num panorama internacional específico, marcado pela mudança criada na década de 60. Surge uma nova fase no pós-guerra, com as primeiras tensões sociais e a fragilidade do modelo Keynesiano, para além de uma nova geração atingir a idade adulta. Com a possibilidade de acesso à universidade, quase duplica o número de alunos», recorda, destacando a evidente «politização das camadas jovens», muitas delas influenciadas pelo marxismo-leninismo, anarquismo e maoismo.
Os Estados Unidos já tinham assistido a grandes contestações de jovens contra a guerra no Vietname e alguns países europeus começavam a registar um tipo de agitação semelhante. «França vivia uma situação política peculiar, com um regime altamente conservador, liderado pelo General De Gaulle. Era uma sociedade marcada pelo seu estilo e pelas feridas causadas pela Guerra da Argélia», conta.
A «explosão»
E, eis que chega o ano lectivo de 67/68. «A contestação era crescente e o arranque desse ano escolar foi marcado pelo protesto, não se realizando as habituais cerimónias». A 22 de Março, Daniel Cohn-Bendit e mais sete estudantes ocupam alguns edifícios da universidade de Nanterre, exigindo maior liberdade sexual. A angústia alastra-se.
«Os acontecimentos têm origem no despertar da agitação e decorreram na inabilidade das autoridades académicas e políticas. Surge, então, a primeira agitação em Nanterre, muito ligada à guerra no Vietname, e é preso um estudante. A polícia opta pela repressão e a 3 de Maio, na Sorbonne, são detidos mais 600 estudantes, incluindo eu, que estava lá. Havia a tradição de que a universidade era espaço um sagrado e a polícia nunca lá tinha entrado. Quando entrou é desencadeado um movimento de solidariedade, que se tornou imparável», conta Pereira Marques.
Mas, será que ainda faz sentido discutir as conquistas de Maio de 68? «Tal como Cohn-Bendit, penso que se conseguiu o que se queria», frisou, considerando que «o protesto inicial era meramente estudantil, mas acabou por evoluir para uma grande contestação social». «A partir da manifestação de 13 de Maio, desencadeou-se um movimento social de grande solidariedade, que culminou numa greve geral que mobilizou milhões de pessoas», recorda.
De Gaulle acabaria por convocar eleições antecipadas e reforçar o seu poder com maioria absoluta em Junho, mas, em Abril de 69 demitiu-se depois de ter perdido um referendo. Terá sido o sinal definitivo de que Maio de 68 tinha sido, sem dúvida alguma, um momento de viragem nas mentalidades.

FONTE (photo include): Diário IOL - Lisboa,Portugal

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