sexta-feira, maio 16, 2008

Macunaíma: A renovação da linguagem literária no Brasil - Carlos Silva

Macunaíma: A renovação da linguagem literária no Brasil
Carlos Silva
Publicado em 1928, numa tiragem de apenas oitocentos exemplares (Mário de Andrade não conseguira editor), Macunaíma, o herói sem nenhum carácter, é uma das obras pilares da cultura brasileira. Numa narrativa fantástica e picaresca, ou, melhor dizendo, “malandra”, herdeira directa das Memórias de um Sargento de Milícias (1852) de Manuel António de Almeida, Mário de Andrade reelabora literariamente temas de mitologia indígena e visões folclóricas da Amazónia e do resto do país, fundando uma nova linguagem literária, saborosamente brasileira.
Macunaíma - bem como Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade - foram obras revolucionárias na medida em que desafiaram o sistema cultural vigente, propondo, através de uma nova organização da linguagem literária, o lançamento de outras informações culturais, diferentes em tudo das posições mantidas por uma sociedade dominada até então pelo reaccionarismo e o atraso cultural generalizado.
Nacionalista crítico, sem xenofobia, Macunaíma é a obra que melhor concretiza as propostas do movimento da Antropofagia (1928), criado por Oswald de Andrade, que buscava uma relação de igualdade real da cultura brasileira com as demais. Não a rejeição pura e simples do que vem de fora, mas consumir aquilo que há de bom na arte estrangeira. Não evitá-la, mas, como um antropófago, comer o que mereça ser comido.
O tom bem humorado e a inventividade narrativa e linguística fazem de Macunaíma uma das obras modernistas brasileiras mais afinadas com a literatura de vanguarda no mundo, na sua época. Nesse romance encontram-se dadaísmo, futurismo, expressionismo e surrealismo aplicados a um vasto conhecimento das raízes da cultura brasileira.
Vida de Mário de Andrade
Universidade do Distrito Federal. Não se adapta à mudança, vive deprimido e, “numa noite de porre imenso” bate com o punho na mesa do bar e fala para si mesmo: “Vou-me embora para São Paulo, morar na minha casa”. Volta para São Paulo em 1940, trabalha no Serviço de Património Histórico e Artístico Nacional, que ajudara a criar em 36, e viaja por todo o Estado de São Paulo, fazendo pesquisas. Em 1942, publica O Movimento Modernista, famosa conferência, em que faz o balanço e a crítica da sua geração, “assinalando os erros do Modernismo, principalmente o que considera como “abstencionismo” diante dos graves problemas sociais do seu tempo”.
Sua saúde, já frágil, piora a partir dessa época. Em 43, inicia a publicação das suas Obras Completas, planeada para sair em dezoito volumes.
Em 25 de Fevereiro de 1945, aos 51 anos de idade, Mário de Andrade sofre um ataque cardíaco fulminante e morre, deixando inacabado o livro Contos Novos (1946) em que se destacam narrativas de inspiração freudiana, como “Vestida de Preto” e “Frederico Paciência”, e contos de preocupação social, como “O Poço” e “Primeiro de Maio”.
Como crítico literário o seu legado é imenso. Em A escrava que não é Isaura (1925), por exemplo, reúne ensaios provocativos contra o passadismo. Já nos Aspectos da Literatura Brasileira (1943), aborda, de maneira bem menos passional, os mais importantes escritores da literatura brasileira.
Com a sua morte precoce o Brasil ficou órfão de um dos seus mais fecundos, múltiplos e íntegros intelectuais que, certa feita, definiu-se como “trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”. Números muito modestos, levando-se em conta a sua importância para a cultura brasileira do século XX.
Mário de Andrade e o Modernismo
Foram a Semana de 22 e os eus desdobramentos que projectaram Mário de Andrade como figura decisiva do movimento modernista. No processo de implantação da nova mentalidade cultural, Mário destacou-se como teorizador e activista cultural. Com a determinação própria dos líderes que pretendem injectar uma nova consciência, multiplicou-se em músico, pesquisador de etnografia e folclore, poeta, contista, romancista, crítico de todas as artes, correspondente cultural que troca cartas com artistas novos, consagrados, além de ter ocupado vários cargos na burocracia estatal, relacionados com o desenvolvimento da cultura em suas várias manifestações.
Era um sujeito muito sério, católico fervoroso, dotado de uma capacidade extraordinária de estudo e acção. Com carisma e afecto, conseguiu colocar a renovação modernista no trilho de um presente e de um futuro culturais marcados por um nacionalismo arejado e lúcido.
Estilo literário
Mário de Andrade nos conta que escreveu Macunaíma em seis dias, deitado, bem à maneira do seu herói, numa rede na “Chácara de Sapucaia”, em Araraquara, SP. Diz ainda: “Gastei muito pouca invenção neste poema fácil de escrever (…). Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro.”
A obra, composta em apenas seis dias, é fruto de anos de pesquisa das lendas e mitos indígenas e folclóricos que o autor reúne utilizando a linguagem popular e oral de várias regiões do Brasil. Trata-se, por isso mesmo, de uma rapsódia. Assim os gregos designavam obras como a Ilíada ou a Odisséia de Homero, que reúnem séculos de narrativas poéticas orais, resumindo as tradições folclóricas de todo um povo.
Para o musicólogo Mário de Andrade, o termo certamente remete às fantasias instrumentais que utilizam temas e processos de composição improvisada, tirados de cantos tradicionais ou populares, como as rapsódias húngaras de Liszt.
É importante notar que, além de relatar inúmeros mitos recolhidos e diversas fontes populares, Mário de Andrade também inventa, de maneira irónica, vários mitos da modernidade. Apresenta, entre outros, os mitos da criação do futebol, do truco, do gesto da “banana” ou do termo “Vá tomar banho!” Há, em Macunaíma, portanto, além da imensa pesquisa, muita invenção.
Contexto histórico
O Brasil na década de 20A sociedade brasileira, no tempo em que surgiu Macunaíma, parecia bastante mudada. Já não tinha aquele ar de fazenda que respiramos durante quatro séculos. Havia muitas fábricas (principalmente em São Paulo), grandes aglomerados urbanos, com populações de quase um milhão de habitantes. O comércio e a indústria prosperavam rapidamente, graças ao mercado consumidor formado pelos moradores das cidades e pelos colonos de origem estrangeira.
As mulheres fumavam, iam sozinhas ao cinema, exibiam as pernas. Algo impressionava bastante os brasileiros daquele tempo: a velocidade dos meios de comunicação e transporte! Eram carros, bondes, trens, telégrafos, rádios, telefone… Empresas, bancos, bolsas de valores… Desde 1922, o país parecia estar em ebulição: além da Semana de Arte Moderna, foi criado o Partido Comunista e iniciado o movimento tenentista, que, durante toda a década de 20, desafiou o Governo Federal.
O clímax deste movimento foi a Coluna Prestes que percorreu 33 mil quilómetros do interior do Brasil, travando mais de 100 combates, em dois anos e meio (1924-1927). Arthur Bernardes e Washington Luís usaram todos os meios para combatê-la, lançando até o cangaceiro Lampião no seu encalço. A Coluna, porém, não teve força para derrubar o Governo Central, nem conseguiu rebelar o povo contra o regime. Esgotada, embora invicta, internou-se na Bolívia.
No entanto, a imagem de Luís Carlos Prestes, com os seus prodígios de técnica militar e de bravura pessoal, constituiu um mito que exerceu sobre os intelectuais de esquerda (entre os quais se incluíam Mário de Andrade, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade) uma grande fascinação. O tenentismo (com os seus levantes ao longo da década) aliado à crise desencadeada pelo estouro da Bolsa de Nova Iorque em 1929, são factos que se somam para derrubar a República Velha na triunfante Revolução de Outubro de 1930.
FONTE: Jornal de Angola - Luanda,Luanda,Angola
http://www.jornaldeangola.com/

Um comentário:

  1. NOSSA ADIMIRO A SUA INTELIGENCIA E CAPACIDADE DE QUERE SABER SOBRE TUDO ISSO PARABENS...
    AAAAA E OBRIGADO SUA PAGINA ME AJUDOU MUITO...KKK
    XAUXAUXAU

    ResponderExcluir