quinta-feira, maio 15, 2008

A arte da palavra (e vice-versa)


Entrevista Carlito Azevedo - Poeta e editor
A arte da palavra (e vice-versa)

O carioca Carlito Azevedo leva a sério a máxima de Paulo Leminski: “pra ser poeta, é preciso ser mais que poeta”. Há 10 anos, ele edita “Inimigo Rumor”, uma das referências do fazer poético brasileiro contemporâneo. Você confere a seguir a entrevista com Azevedo, tratando da experiência de editar poesia e do boom de sua produção recente no Brasil.

As revistas sempre foram o formato preferido pelas artes, em especial quando ainda se podia falar em escolas e movimentos. Hoje, que papel pode desempenhar uma revista?

Acho bacana a idéia de uma revista nos dias de hoje. Ficou parecendo o formato revista era só isso. A coisa da escola, do manifesto. Na revista de um grupo não se publicava o outro e vice-versa. Todo mundo defendia sua praiazinha. Quando a “Inimigo” apareceu, ela não tinha isso. O que causou um estranhamento, driblando a expectativa. É isso que vai ser fundamental na revista: não defender uma escola poética. O melhor é se por a escuta do que os poetas estão dizendo. Mais que uma voz que fala para os poetas, ser um grande ouvido que os escuta. Por isso, ela durou tanto, com uma tiragem grande para poesia (cerca de 1,5 mil exemplares). Ela é, como diria Waly Salomão, uma grande câmara de ecos, onde podemos escutar a variedade a e vitalidade da poesia contemporânea.

Há uma proliferação de revistas dedicadas à literatura na Internet. Enquanto isso, vocês trabalha com o formato tradicional. O que o papel diz a tela não pode dizer?

Em primeiro lugar, preciso dizer que adoro as revistas da Internet. Há algumas que estou sempre olhando. Não vejo nenhum problema com o formato. Mas, no meu caso, prefiro na hora de editar uma revista de papel. Com estes sites divulgando e comentando, o que uma revista pode fazer diferente é adensar. Não que isso seja impossível na Internet, mas ela é melhor para você ler uma crônica do que um romance, por exemplo. O papel é melhor para textos mais longos, mas na net você pode colocar 10 mil poemas, que nunca vai caber na revista. No fundo, não há muita contradição. É uma relação mais que tem mais de complementar, do que contraditória.

Qual o efeito deste mar de criações para a poesia contemporânea?

Não sou sempre o mesmo. Quando estou mais otimista, acho que isso explodiu com qualquer centro ou margem, com todo mundo acessível. Abriu-se a possibilidade de encontrar, mais facilmente, muita gente legal. Já quando estou pessimista, penso que esse mar de informação não vai tornar quase impossível achar aquele texto que interessa. Este sempre vai existir em um quantidade pequena. Não vai haver uma geração com 20 milhões de bons poetas. Cada uma, traz alguns deles. Com tanta coisa aparecendo, é difícil encontrá-los.

Com esta produção agigantada, o que a poesia contemporânea tem feito para preservar sua memória?

Esse é um problema sério. Esta produção, as novas editoras, os livros que são lançados: tudo isto cria um sistema de rodízio que é cruel. Hoje, você vê um livro na estante, mas talvez ele não esteja mais lá no mês que vem - o problema é até físico, já que as livrarias não tem como disponibilizar todo o volume material publicado. Se você não fez sucesso imediato, talvez desapareça e ninguém nem lembre mais. No entanto, o tempo de descoberta poética pode não ser imediato. Esta velocidade pode ser cruel com a obras que requerem mais tempo, um contato diferenciado. Algumas coisas são meio difíceis mesmo. Outros são explicitamente boas, já chegam encaixando e encarnando o espírito da época. Mas existe a contracorrente, que quebra as expectativas, mas só serão acessíveis no futuro. E é esse livro esquisito, esse poema esquisito, que mais sofre nessa hiperprodução. Por isso, na segunda década da revista vai ser intencionalmente mais focada na divulgação do que é inclassificável, daquele que você lê e pergunta: “peraí, isso aqui é poesia?”. O bom poema já encontra seu espaço por ai. Agora, quero dar espaço para o bom poema estranho, que está no limite da poesia.

Fique por dentro

Nova edição da revista sintetiza sua proposta

Bem difundida entre poetas e leitores de poesia (sobretudo, interessados no que se produz na urgência do presente), a revista ´Inimigo Rumor´ chega a seu vigésimo número com uma divulgação extra. A edição marca os 10 anos da coletânea, editada por Carlito Azevedo, com um conselho editorial que inclui poetas como Júlio Castañon Guimarães e Manoel Ricardo de Lima (colunista do Diário do Nordeste, quinzenalmente, às sextas-feiras). O número não traz nenhum editorial em celebração à marca ou balanço de seus editores. Ao invés disso, encarna uma espécie de síntese das propostas que atravessaram a revista ao longo de sua primeira década. O volume denso, com mais de 300 páginas, dá o destaque esperado à poesia. Tanto a que recém saiu do forno, como aquela que já tem uma história atrás de si. Nesses casos, no entanto, a revista busca primar pela descoberta. Assim surgem textos como o famoso ensaio ´A crise do verso´, escrito pelo poeta francês Mallarmé (1842 - 1898), uma das principais referências da poesia concreta brasileira; e os poemas ´O copista de Chauvigny´ e ´Eu sou um cavalo´, do pintor dadaísta Hans Arp (1886 - 1966), em tradução do editor Carlito Azevedo. Em poesia, a revista reúne na mesma embarcação veteranos da transgressão, como Décio Pignatari, o cantor e poeta Arnaldo Antunes, e nomes de expressão no atual meio da poesia. A revista ainda reúne, em suas últimas páginas, um dossiê sobre fotografia, com textos de Roberto Bolanõ e Paul Valery, além de uma entrevista com o fotógrafo dadaísta Man Ray.

DELLANO RIOS
Repórter

FONTE (photo include): Diário do Nordeste (Assinatura) - Fortaleza,CE,Brazil

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