sexta-feira, março 28, 2008

Devaneios (IV)

Old-dead-London
Evgeniy Shaman
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Devaneios (IV)

Era uma vez uma bola de neve azul que vivia infeliz porque queria ser branca. Era uma vez um triste lago que era preto porque água não era seu querer, e alergia a ela ter. Peixes negros cobrirão o mundo, e sim, batatas serão frescas. Cortes e açoites dançarão numa corda bamboleante enquanto o rei esfrega o rabo do asno.
Muito bem, destas simplórias frases minhas, todos podemos ver a crescente loucura. Quem perceberá o verdadeiro significado destas singelas palavras? Quem consegue trespassar este sítio negro, estas frases loucas?
A literatura é como o queijo. Por vezes tem buracos, pequenos orifícios de verdades, buracos esses que são lacunas, outras vezes são verdes, e possuem uma imaturidade terrível, outras vezes cheiram mal, e são insuportavelmente tristes, outras vezes são redondos e básicos, repetitivos e suspeitos, outras vezes são pequenos mas deliciosos, e outras vezes são perfeitos, e corajosamente saudáveis. Mas se algum ser comer queijo muitas vezes, irá passa a detestar o saboroso, cuspindo sobre o negro chão de calcário.
Também é como as cebolas. Possui camadas. Camadas essas que podemos definir como nada mais que simples véus, porque a literatura é uma arte, cultura, uma vida, uma paixão, um estado de espírito, um ser vivo! Tal como toda a arte, a literatura respira desilusão, loucura e perdição!
A literatura faz parte da nossa vida. Todos nossos somos Miseráveis e em certas alturas, damos a Volta ao Mundo, não em 80 mas em sete dias. A semana. E todos nós temos Grandes Expectativas, face ao futuro. Todos pintamos Retratos, seja de Uma Senhora, seja de Dorian Gray. Todos conhecemos um triste Homem que Ri, todos sabemos da Queda da Casa de Usher, e sim, todos conhecemos alguma Anna Karenina. E quem não conhece o Mr. Scrooge, e os seus fantasmas? Ou Jean Valjean? E que tal Mr. Pickwick? Ou Oliver Twist? E os Fidalgos da Casa Mourisca? E os Maias? Cada um de nós possui um pouco de Afonso da Maia dentro de nós, mas também um pedaço de Pedro da Maia, e também de Vilaça, não? E quem não conhece o eterno Sherlock Holmes? E Dupin? E quem não lutou contra Moby Dick, e foi Ahab? E quem não se apaixonou pela bela Scherazade? Aliás, quem não conhece o eterno Leopold Bloom, sua mulher Molly e Stephen Dedalus?
Pois bem, bem-vindos ao início, caros humanos. Literatura e Confusão caminham de mãos dadas. Existe sempre partes que são confusas e diferentes, num livro clássico, claro está.
Gregor Samsa é um insecto. K. é um homem morto sem saber bem porquê.
Existe um livro, ora pois, que cada um de nós devia ler. Se ler só um livro na sua longa pequena vida, leia então Ulisses, de James Joyce.
Haverá obra mais bem escrita, mais desenhada, mais santificada, como a de Joyce?
Começando cedo com The Dubliners, Joyce ditou as suas loucuras para The Portrait of the Artist as a Young Man, com a sua famosa Moocow, ou em português, vaca-muu. Mas com Ulisses, ou Ulysses, Joyce, na minha opinião, atinge o orgasmo literário, o sentimento de vazio enche-se.
Não é um livro, não. É mais que isso. É um Magnum Opus da Literatura! Ataca com tantos estilos literários, que faz chorar qualquer um.
Mas é preciso ter olho, ter atenção a Joyce, pois detrás das suas palavras esconde-se umas traições ao mundo.
Quem diria, que num pequeno parágrafo Joyce consegue criticar a Igreja, sem referir palavras directamente envolvidas em tal.
Porque pomposo e roliço, Buck Mulligan ergue suas mãos e diz altivamente as grandes palavras!
E o famoso monólogo de oito frases gigantescamente enormes? Nem se deve referir, claro, o penúltimo capítulo que só pode ter saído da mente de um génio homem!
Porém, anos mais tarde, pós-Ulysses, vem a considerada, e com razão, a mais difícil novela de se ler, o livro mais complicado do mundo, pela sua complexidade verbal e mental. Joyce inventa uma nova língua, e ironias à parte, muitos ingleses ainda esperam a tradução. Porém, rumores do oriente indicam felizmente, a tradução chinesa.
O livro é Finnegan’s Wake. É tão atractivo, como repulsivo, porém atraente, porém divagante.
E por fim, o génio dos génios diz para si mesmo enfim, que este mundo não tem fim. E não o tem. Até hoje, poucos foram aqueles escritores que mantiveram a integridade clássica.
É de lamentar a evolução da modernização, a evolução da literatura, com a fraqueza literária a demonstrar-se, a ressalvar uma estupidez mutuamente deferente.
Os queijos tornam-se mais fracos, as cebolas perdem camadas, e o longamente perdido e amado clássico ser, morto, sem qualquer reviver. Terminaram então os Verne’s, os Victor Hugo’s, os Joyce’s? Talvez sim, talvez não, apenas o tempo ditará a regra.
Introibo Ad Altare Dei!
Hugo Ferraz Gomes
FONTE: Póvoa Semanário - Póvoa do Varzim,Porto,Portugal

Um comentário:

  1. Anônimo1:43 PM

    Será muito impertinente (e talvez o tempo se faça tarde) mas qual a razão da apresentação aqui deste artigo, o que levou ao interesse por ele? Como tomaram conhecimento do artigo?

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