Sou irritantemente otimista
Para a escritora Heloísa Buarque de Hollanda nunca se escreveu tanto como hoje no Brasil
FABIANO CHAVES
ESPECIAL PARA O TEMPO
Logo de cara, o sobrenome Buarque de Hollanda já denuncia o berço e o peso artístico que os integrantes da família carregam naturalmente. E com Heloísa Buarque de Hollanda não é diferente. Escritora, editora, crítica literária, enfim, uma intensa diversidade profissional, ela fez da atividade artística o seu ganha-pão, sua profissão, sua aventura. Aventura que lhe rendeu prêmios, destaque e uma carreira sólida no universo das palavras.
Logo de cara, o sobrenome Buarque de Hollanda já denuncia o berço e o peso artístico que os integrantes da família carregam naturalmente. E com Heloísa Buarque de Hollanda não é diferente. Escritora, editora, crítica literária, enfim, uma intensa diversidade profissional, ela fez da atividade artística o seu ganha-pão, sua profissão, sua aventura. Aventura que lhe rendeu prêmios, destaque e uma carreira sólida no universo das palavras.
Professora de teoria crítica da cultura da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Heloísa é autora de diversas obras, com destaque para "Macunaíma - Da Literatura ao Cinema", "Impressões de Viagem", "O Feminismo como Crítica da Cultura", "Asdrúbal Trouxe o Trombone: Memórias de uma Trupe Solitária de Comediantes que Abalou os Anos 70", entre outras. Em entrevista ao Magazine, Heloísa traça um panorama da atividade literária no Brasil, seus projetos e pesquisas e sobre uma de suas maiores paixões: a literatura.
O TEMPO - Qual a sua avaliação sobre a produção literária brasileira contemporânea? Faça um panorama da nossa literatura.
Heloísa - A literatura contemporânea - e penso aqui na literatura jovem - está surpreendendo porque, se não me engano, os novos autores começam a ter uma relação mais saudável com a tradição. Ao contrário do que aconteceu tantas vezes na nossa história literária, essa geração não pretende lançar algo novo, oposto aos clássicos ou aos movimentos anteriores. Paradoxalmente, isso leva com que essa nova literatura apresente uma independência grande em relação à literatura canônica. Ela lê, conhece, respeita e gosta da "grande literatura" mas não quer ser como ela. Se pretende plural, testa novas mídias e seus efeitos na linguagem. Absorve o ethos cultural desse momento e vai à luta inventando relações diferenciadas com o mercado e com a linguagem. As mulheres, por exemplo, comparecem em massa e com uma força bastante diferente do que antes se chamava "escrita feminina". Não diria que exista uma literatura de Internet porque os novos autores não se confundem com os blogueiros. Mas diria que ela é produzida numa nova dinâmica de atenção, sensibilidades e formas de apreensão do mundo de caráter mais verticalizado e mais receptiva dos vários "inputs" simultâneos. Outro diferencial interessante é a forma como essa literatura se beneficia claramente com as novas dinâmicas da vida e da troca literária que a Internet permite. Estão aí Cecília Gianetti, Joca Terron, João Paulo Cuenca, Bruna Beber, Andréa del Fuego e tantos outros para comprovar essas novas formas bem-sucedidas da prática literária.
Uma de suas pesquisas refere-se ao tema "periferias literárias". Conte um pouco sobre o tema e como a literatura pode promover a inclusão social, a aproximação entre centro e periferia.
Quando penso em periferias literárias, penso na proliferação de práticas literárias a que assistimos no momento. Nunca se escreveu tanto como hoje. E não necessariamente na forma que conhecemos como "literatura stricto sensu". Temos os blogs literários, as histórias em quadrinhos que já começam a ganhar status de "oitava arte", as várias formas possíveis de ficção e poesia. E, é claro, a literatura hip hop que está explodindo nas periferias das grandes cidades, especialmente na Grande São Paulo. Esse fenômeno, tenho que confessar, é minha paixão atual. O valor do livro como símbolo de status e auto-estima está levando a periferia a produzir uma quantidade espantosa de poetas, contistas, novelistas e leitores. Num momento bastante emocionante, a leitura e o exercício da escrita são descobertos pelas comunidades de baixa renda como instrumento concreto de transformação social no interior dessas comunidades. Fora isso, trata-se de uma literatura vigorosa, fortemente política, e que traz a marca hip hop do compromisso social e do "tráfico da informação" na forma da crônica do gueto e da autoria muitas vezes compartilhada.
A coleção Tramas Urbanas retrata casos e a vida de pessoas que vieram da periferia e buscaram na atividade artística uma solução para a exclusão. A chamada literatura marginal é uma ferramenta de inclusão social?
Quando pensei na criação da coleção Tramas Urbanas, pensei mais em dar a palavra aos intelectuais da periferia para que analisassem os novos fenômenos que estão redesenhando e dando visibilidade ao que sempre existiu: uma forte cultura nas periferias. É uma coleção de análise. E nela se vê claramente a cultura sendo usada como recurso, ou seja, não mais como um extravasamento interior do artista ou uma cultura produzida para entretenimento das classes médias ou contemplação das elites, mas uma cultura que é produzida no sentido de mobilizar as comunidades, criar pontes - e certamente confrontos também - com o "centro", democratizar as expectativas culturais do centro para a periferia e expandir o raio político de ação dessas comunidades. Isto do ponto de vista estratégico. Quanto à especificidade e noções de valor artístico dessa produção, já é um outro capítulo à parte. Mas não menos explosivo.
O Brasil é um país de leitores? Que ações podemos tomar para incentivar e ampliar o interesse pela literatura, principalmente entre os jovens?
Não. O Brasil tem um índice de leitores, livrarias, bibliotecas baixíssimo. Entretanto, a maior liberdade que as novas práticas literárias, em várias mídias e suportes, certamente terão efeitos inesperados. No caso dos jovens, surpreendentemente é a faixa de leitores que mais está aumentando nas estatísticas das editoras e sindicatos. É só perceber o enorme investimento que as editoras estão fazendo nesse público a reboque de sucessos como "Harry Poter" e outros livros mais sintonizados com o universo simbólico desses pequenos leitores.
Como editora, como tomar decisões sobre o que publicar ? Como filtrar bons produtos? Grosseiramente, como decidir sobre o que devemos ler?
A Aeroplano não é exatamente uma editora. Ela realiza projetos editoriais que geralmente acompanham o contrafluxo do mercado. Por isso está sempre à beira da falência. Mas também por isso marca um diferencial no mercado e nos dá um prazer enorme de realização. Assim, não decidimos exatamente o que deve ser lido, mas procuramos incentivar e abrir o debate em torno das novas tendências que estão se formando no horizonte das práticas culturais.
E o mercado literário? Falta apoio para a publicação de novos autores? Ou o que falta são mesmo leitores?
Como editora, posso dizer que o risco financeiro de qualquer publicação de escritor, não totalmente reconhecido, entre nós é assustador. Por isso a dificuldade de publicar novos autores. As nossas tiragens são pequenas por falta da segurança que dá um público leitor reduzido. E, sendo pequenas essas tiragens, o livro será necessariamente mais caro. É por aí que se forma um círculo vicioso de solução complexa. Como sou irritantemente otimista, acho que as novas tecnologias e as novas formas de produção colaborativas e mais livres e flexíveis do ponto de vista jurídico da propriedade intelectual trazem consigo alguma chance de modificar esse panorama negativo.
Na sua opinião, o Brasil é um país de grandes autores? E as novas gerações? São escritores promissores?
Acho que sim. Quem tem um Machado de Assis, um Guimarães Rosa, um Drummond, Bandeira e João Cabral, não pode se queixar, vamos combinar. O conceito de grandes autores é um conceito modernista que dificilmente poderá ser instrumentalizado nas novas gerações. O que teremos é uma produção múltipla, diversificada e expandida no melhor sentido do exercício de um experimentalismo formal e tecnológico.
Em março, você vem a Belo Horizonte participar do Ecum - Encontro Mundial de Artes Cênicas. Fale um pouco de como será sua participação.
Ando meio monotemática. A pergunta é: qual será a saída social, política e cultural que o século XXI vai nos oferecer? Em Belo Horizonte vou falar sobre a questão da cultura livre e da autoria flexibilizada.
Atualmente, em que projetos está envolvida?
Como pesquisadora, estou envolvida nas formas de "periferias literárias" lato sensu. Estou trabalhando também com o lançamento do novo formato do Portal Literal (do qual sou curadora) que, em março, se tornará um Portal de Código Aberto 2.0, o que provavelmente nos trará um panorama bastante consistente da literatura das várias regiões do Brasil. E, sobretudo, na criação de O Instituto, uma organização sem fins lucrativos de pesquisa e intervenção na área da cultura urbana, incluindo-se aqui questões da cultura livre e do meio ambiente. Neste sentido, já temos vários projetos programados para 2008 entre eles um encontro nacional de escritores da periferia chamado A Palavra da Periferia, o prosseguimento do seminário A Cultura além do Digital e, é claro, novos volumes da coleção Tramas Urbanas.
Qual gênero literário você mais gosta? Alguma preferência?
Cite algumas obras e autores que te marcaram. Disparado a poesia. Poesia me pega de jeito. Sempre foi assim. Leio poesia compulsivamente e fico sempre atenta para os caminhos possíveis que se abrem para a poesia nos diversos momentos e contextos por que passei. Meus autores do coração são: na prosa José de Alencar e Guimarães Rosa. Na poesia, a trinca Drummond, Bandeira e Cabral, além de Vinicius de Morais e o meu mais querido: Murilo Mendes. Entre os vivos, Gullar, Armando Freitas Filho, Chico Alvim e os novíssimos Claudia Roquette Pinto e Carlito Azevedo. Mas são tantos os outros que não conseguiria aqui dar justa conta dessa pergunta.
O que você está lendo atualmente? Você tem intenção de escrever uma nova obra?
Estou lendo o teórico Richard Rorty e toda a produção da periferia. Voltei à Carolina Maria de Jesus também para pensar, com um pouquinho mais de calma, a nova literatura marginal. Tenho intenção de escrever um livro contando essas angústias e alegrias que venho experimentando com tantas promessas na área cultural que o século XXI anda sinalizando. Só está faltando é tempo. Mas nos fins de semana, quando os netos permitem (porque, é claro, eles são prioridade máxima), tenho tentado organizar alguns textos para um livro.
Publicado em: 24/02/2008
Publicado em: 24/02/2008
FONTE (photo include): O Tempo - Belo Horizonte,MG,Brazil
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