Das raízes da dejecção moral
29-01-08
29-01-08
Não perco tempo com o anonimato cobarde (nem todo o anonimato o é), nem preciso de me defender do vómito soez, pois a minha conduta moral e os meus livros encarregam-se disso. Mas, como chegou ao meu conhecimento dados relevantes, é meu dever partilhá-los aqui com os leitores interessados. (Vide «postal de Lisboa», assinado por Otília Leitão, publicado n’A Semana online em 24 de Janeiro de 2008).
Por: José Luiz Tavares
Afinal os supostos «pretos angolanos» são (pelo menos um deles, o tal A. S. Magro, é) uma branca saloia despeitada. Quanto a essa, digo-lhe apenas que não tenho problemas identitários ou de pertença a resolver. Caboverdiano sou e serei sempre (como disse, mas omitiu, porque não lhe fazia jeito para o que vinha), no entanto quando escrevo - digo-o mais uma vez com a veemência que me é conhecida - sou apenas escritor: um sujeito produzido pelo próprio acto de escrita (não anterior a ele, nem sequer o sujeito empírico), fazendo uso de todo o arsenal técnico que levou vinte anos a aperfeiçoar antes de atrever-se a dar um livro a estampa.
Ser o escritor que sou, escrevendo os livros que escrevo,com a consciência afirmada dos seus processos teóricos e filosóficos, não dá jeito a muito boa gente empenhada na monocultura identitária e/ou da mediocridade. Daí todo este arrazoado de invejas, despeito, mentiras e malquerença, que também tem raízes na dejecção moral, referida de modo soft como «matreirice canalha» no meu primeiro texto de intervenção escrito enquanto poeta, um murro no estômago de certa nomenclatura crítica e literária lusófona, mais habituada à bajulação dos corredores do que à discordância frontal. (Transcrevo-o mais abaixo, para que aqueles que não o conheciam saibam como tudo começou).
As motivações da citada criatura, travestida de preto/a angolano, são de carácter bem mais particulares, dado que não faço fretes em nenhuma posição: nem na vertical, nem na horizontal.
De entre os meus nefandos defeitos, ó clementes céus, estaria um que não lembraria nem ao próprio mafarrico: o de não apresentar a minha mulher que, supostamente, trabalha num bar. Tomara tivesses, tu, ó valdevina deslavada, um décimo da grandeza e da decência moral e humana dessa senhora. Não sei como é que ela se esqueceu dalguns dos meus outros imensos defeitos, tais como ter os dentes tortos, lavar os sovacos uma vez por semana - é da minha costela ecologista -, limpar o traseiro com a canhota, ser uma máquina de beber cerveja, achar-me uma espécie de Mourinho no meu ofício, ter a filha mais bonita e mais simpática do mundo, ter um único fato (este já comido pela traça) e um par de ceroulas esgarçadas, esgadanhar de vez em quando umas valentes lastríbias, e ser o escritor mais teso do mundo depois do Luiz Pacheco.
Aparece, mana branca, que apresento-te essa grande senhora, demasiado grande para caber na tua bocarra covarde e porca e para ser objecto de insídia na tua pena ignorante. Eu sei que te preparas para o teu carnaval saloio, mas tens que tirar a máscara, pois com ela enfiada não saberei se és tu ou uma mafarrica travestida.
Por: José Luiz Tavares
Afinal os supostos «pretos angolanos» são (pelo menos um deles, o tal A. S. Magro, é) uma branca saloia despeitada. Quanto a essa, digo-lhe apenas que não tenho problemas identitários ou de pertença a resolver. Caboverdiano sou e serei sempre (como disse, mas omitiu, porque não lhe fazia jeito para o que vinha), no entanto quando escrevo - digo-o mais uma vez com a veemência que me é conhecida - sou apenas escritor: um sujeito produzido pelo próprio acto de escrita (não anterior a ele, nem sequer o sujeito empírico), fazendo uso de todo o arsenal técnico que levou vinte anos a aperfeiçoar antes de atrever-se a dar um livro a estampa.
Ser o escritor que sou, escrevendo os livros que escrevo,com a consciência afirmada dos seus processos teóricos e filosóficos, não dá jeito a muito boa gente empenhada na monocultura identitária e/ou da mediocridade. Daí todo este arrazoado de invejas, despeito, mentiras e malquerença, que também tem raízes na dejecção moral, referida de modo soft como «matreirice canalha» no meu primeiro texto de intervenção escrito enquanto poeta, um murro no estômago de certa nomenclatura crítica e literária lusófona, mais habituada à bajulação dos corredores do que à discordância frontal. (Transcrevo-o mais abaixo, para que aqueles que não o conheciam saibam como tudo começou).
As motivações da citada criatura, travestida de preto/a angolano, são de carácter bem mais particulares, dado que não faço fretes em nenhuma posição: nem na vertical, nem na horizontal.
De entre os meus nefandos defeitos, ó clementes céus, estaria um que não lembraria nem ao próprio mafarrico: o de não apresentar a minha mulher que, supostamente, trabalha num bar. Tomara tivesses, tu, ó valdevina deslavada, um décimo da grandeza e da decência moral e humana dessa senhora. Não sei como é que ela se esqueceu dalguns dos meus outros imensos defeitos, tais como ter os dentes tortos, lavar os sovacos uma vez por semana - é da minha costela ecologista -, limpar o traseiro com a canhota, ser uma máquina de beber cerveja, achar-me uma espécie de Mourinho no meu ofício, ter a filha mais bonita e mais simpática do mundo, ter um único fato (este já comido pela traça) e um par de ceroulas esgarçadas, esgadanhar de vez em quando umas valentes lastríbias, e ser o escritor mais teso do mundo depois do Luiz Pacheco.
Aparece, mana branca, que apresento-te essa grande senhora, demasiado grande para caber na tua bocarra covarde e porca e para ser objecto de insídia na tua pena ignorante. Eu sei que te preparas para o teu carnaval saloio, mas tens que tirar a máscara, pois com ela enfiada não saberei se és tu ou uma mafarrica travestida.
Comove-me, sinceramente que me comove, a tua preocupação pela minha imagem pública e pelas minhas companhias que, pelos vistos, tira o sono a muita gente; mas «não havia néxéxidade», como diria o célebre Diácono Remédios de tão boa memória. Em todo o caso, relembro-te o célebre samba de Martinho da Vila «já tive mulheres...»
Para vós, mana, este último conselho de inspiração pachequiana: «ide-vos f., se encontrardes com quem». Vereis que faz bem ao corpo e apazigua as almas mesmo as mais negras e atormentadas.
Perdoai-me, meus fiéis leitores e amigos, vós que sois o meu esteio e a minha fortaleza, pois, embora às vezes não pareça, também sou humano.
Auto-retrato com poeta em fundo
1. Nenhum destino está escrito nas estrelas. O meu, construí-o por caminhos de cabras e de pedras, ouvindo perto o rugido do mar e os gemidos dos ventos da serra, entre gente de humilde condição, porém, de uma altivez tal apenas comparável aos impassíveis penhascos que outrora me vigiaram a infância. Deles fala o livro ora premiado. Da mágoa verbalmente ordenada por saber esses lugares condenados à mais vil desordem paisagística.
Não é a um biografismo imediato que me reporto, mas à memória transformante que os dados do real torna dados de cultura, essa que há-de opor sempre à matreirice canalha o poder da sua plenitude.
A invenção da liberdade, que todo o acto poético é, é algo de infinitamente maior que as momentâneas sujeições que o mundo nos impõe. Não conheço desígnio mais fundo, nem outro mais nobre - de tudo abdicar para seguir os ditames do verbo. É por esta razão que eu que tenho adiado projectos académicos, que nada possuo de verdadeiramente meu, eu que no dia a dia padeço aquilo a que chamo «complexo neo-realista», isto é, o prolongar através do afecto aquilo que se rejeita pela inteligência, em se tratando de matéria de poesia, sou duma veemência roçando quase a brutalidade.
Aos olhos daqueles que me não conhecem, mesmo aos daqueles que conhecendo o homem desconhecem o poeta, passarei por intratável, ou coisa pior, como por intratável é tido o autor desse monumento que são os «Exemplos», João Vário, o mais notável poeta cabo-verdiano desde Eugénio Tavares, pai da moderna lírica crioula. Dizia que aqueles que me não conhecem achar-me-ão isso - tudo porém em nome duma fidelidade tão intransigente quanto consciente, porque um poeta que não é uma inconveniência social é apenas um reprodutor da ordem vigente, mesmo se comprazendo em sofisticados jogos de máscaras; porque um poeta que não sabe que a vida é sempre noutro lugar - não confundir esta exigência de superação com qualquer primarismo messiânico - é apenas um jogral de salão, cabide onde o mundo pendura as suas honrarias.
Só a plenitude da revolta face aos vários totalitarismos (por menos visíveis não serão menos malsãos) pode lançar o caos construtor. Não se trata de nenhuma ilusão revolucionária colectiva, mas de um enfrentamento pessoal, com as pobres armas da poesia, contra aquilo que mais ameaça o coração da vida.
2.A recepção crítica deste livro, embora unanimemente elogiosa, não tem sido isenta de equívocos, na medida em que nalguns pronunciamentos intervêm paradigmas que claramente recusa. Talvez um motivo supostamente familiar tenha contribuído para desviar as atenções da especificidade da sua proposta, sustentada, é certo, no mais profundo veio da tradição, mas onde à aparente normatividade de superfície subjazem processos de sabotagem linguística de que alguns se terão dado conta, sem contudo rastrear-lhes o âmbito.
A tentativa de um dizer novo requer sempre uma gramática sem compêndio, o enfrentamento com o abismo, face ao qual todo o arrazoado teorico-poético é impotente, pois, é não sabendo muito que melhor a poesia nos encontra.
3. Quanto à questão dos prémios, é meu entendimento que não se devem agradecer. São uma espécie de fatalidade que nos cai em cima - no meu caso uma fatalidade procurada. Como sabeis, este não é o primeiro prémio significativo que conquisto, nem terá sido o mais incerto do ponto de vista meramente literário. Digo meramente literário, que outros há, não sejamos ingénuos, mas para esses não tenho vocação nem estômago.
A única resposta conveniente à atribuição deste prémio será a publicação dos meus cinco livros inéditos entre o final deste ano e o de 2005. Aproveito a ocasião para publicamente agradecer à Spleen Edições, de Cabo Verde, na pessoa do José Luís H. Almada, o facto de tudo ter feito para que este livro saísse com essa chancela quando nenhuma editora o quis; à Campo das Letras que se comprometeu a publicar o meu próximo livro de poemas, um calhamaço de cerca de duzentas páginas.
Dizia que a publicação dos meus livros é a única resposta conveniente - outra não tenho, nem saberia, que não sou vate de salão, nem da poesia faço trampolim para ascender a outros patamares. Porque compete aos poetas adivinhar o que é latente, sofrer o que é indistinto, ousar o que não se suporta, serão sempre mais sinal de solidão do que de partilha, de recusa do que de aclamação. (Lisboa, Junho de 2004) Post-Scriptum em 2008: Afinal, não consegui cumprir a promessa de publicar os meus inéditos (o que não dependia só de mim), e, neste momento, já são em número de onze. No entanto haverá boas notícias (ou más) este ano, vindas de Portugal, Brasil, Moçambique, e quem sabe se de Cabo Verde. José Luiz Tavares Lisboa, 28 de Janeiro de 2008
Para vós, mana, este último conselho de inspiração pachequiana: «ide-vos f., se encontrardes com quem». Vereis que faz bem ao corpo e apazigua as almas mesmo as mais negras e atormentadas.
Perdoai-me, meus fiéis leitores e amigos, vós que sois o meu esteio e a minha fortaleza, pois, embora às vezes não pareça, também sou humano.
Auto-retrato com poeta em fundo
1. Nenhum destino está escrito nas estrelas. O meu, construí-o por caminhos de cabras e de pedras, ouvindo perto o rugido do mar e os gemidos dos ventos da serra, entre gente de humilde condição, porém, de uma altivez tal apenas comparável aos impassíveis penhascos que outrora me vigiaram a infância. Deles fala o livro ora premiado. Da mágoa verbalmente ordenada por saber esses lugares condenados à mais vil desordem paisagística.
Não é a um biografismo imediato que me reporto, mas à memória transformante que os dados do real torna dados de cultura, essa que há-de opor sempre à matreirice canalha o poder da sua plenitude.
A invenção da liberdade, que todo o acto poético é, é algo de infinitamente maior que as momentâneas sujeições que o mundo nos impõe. Não conheço desígnio mais fundo, nem outro mais nobre - de tudo abdicar para seguir os ditames do verbo. É por esta razão que eu que tenho adiado projectos académicos, que nada possuo de verdadeiramente meu, eu que no dia a dia padeço aquilo a que chamo «complexo neo-realista», isto é, o prolongar através do afecto aquilo que se rejeita pela inteligência, em se tratando de matéria de poesia, sou duma veemência roçando quase a brutalidade.
Aos olhos daqueles que me não conhecem, mesmo aos daqueles que conhecendo o homem desconhecem o poeta, passarei por intratável, ou coisa pior, como por intratável é tido o autor desse monumento que são os «Exemplos», João Vário, o mais notável poeta cabo-verdiano desde Eugénio Tavares, pai da moderna lírica crioula. Dizia que aqueles que me não conhecem achar-me-ão isso - tudo porém em nome duma fidelidade tão intransigente quanto consciente, porque um poeta que não é uma inconveniência social é apenas um reprodutor da ordem vigente, mesmo se comprazendo em sofisticados jogos de máscaras; porque um poeta que não sabe que a vida é sempre noutro lugar - não confundir esta exigência de superação com qualquer primarismo messiânico - é apenas um jogral de salão, cabide onde o mundo pendura as suas honrarias.
Só a plenitude da revolta face aos vários totalitarismos (por menos visíveis não serão menos malsãos) pode lançar o caos construtor. Não se trata de nenhuma ilusão revolucionária colectiva, mas de um enfrentamento pessoal, com as pobres armas da poesia, contra aquilo que mais ameaça o coração da vida.
2.A recepção crítica deste livro, embora unanimemente elogiosa, não tem sido isenta de equívocos, na medida em que nalguns pronunciamentos intervêm paradigmas que claramente recusa. Talvez um motivo supostamente familiar tenha contribuído para desviar as atenções da especificidade da sua proposta, sustentada, é certo, no mais profundo veio da tradição, mas onde à aparente normatividade de superfície subjazem processos de sabotagem linguística de que alguns se terão dado conta, sem contudo rastrear-lhes o âmbito.
A tentativa de um dizer novo requer sempre uma gramática sem compêndio, o enfrentamento com o abismo, face ao qual todo o arrazoado teorico-poético é impotente, pois, é não sabendo muito que melhor a poesia nos encontra.
3. Quanto à questão dos prémios, é meu entendimento que não se devem agradecer. São uma espécie de fatalidade que nos cai em cima - no meu caso uma fatalidade procurada. Como sabeis, este não é o primeiro prémio significativo que conquisto, nem terá sido o mais incerto do ponto de vista meramente literário. Digo meramente literário, que outros há, não sejamos ingénuos, mas para esses não tenho vocação nem estômago.
A única resposta conveniente à atribuição deste prémio será a publicação dos meus cinco livros inéditos entre o final deste ano e o de 2005. Aproveito a ocasião para publicamente agradecer à Spleen Edições, de Cabo Verde, na pessoa do José Luís H. Almada, o facto de tudo ter feito para que este livro saísse com essa chancela quando nenhuma editora o quis; à Campo das Letras que se comprometeu a publicar o meu próximo livro de poemas, um calhamaço de cerca de duzentas páginas.
Dizia que a publicação dos meus livros é a única resposta conveniente - outra não tenho, nem saberia, que não sou vate de salão, nem da poesia faço trampolim para ascender a outros patamares. Porque compete aos poetas adivinhar o que é latente, sofrer o que é indistinto, ousar o que não se suporta, serão sempre mais sinal de solidão do que de partilha, de recusa do que de aclamação. (Lisboa, Junho de 2004) Post-Scriptum em 2008: Afinal, não consegui cumprir a promessa de publicar os meus inéditos (o que não dependia só de mim), e, neste momento, já são em número de onze. No entanto haverá boas notícias (ou más) este ano, vindas de Portugal, Brasil, Moçambique, e quem sabe se de Cabo Verde. José Luiz Tavares Lisboa, 28 de Janeiro de 2008
FONTE (photo include): A Semana online - Portugal
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