Carlos D'Alge
Re-invenção do corpo
O corpo perdido precisa ser re-inventado
para que de se possa fazer o instrumento
com que cantar no ermo já instaurado.
Quem sabe se uma lira, qual o pastor antigo
que do osso da coxa, do que restou do filho amado,
fez o objeto para celebrar o corpo imolado.
O corpo não é apenas a carícia que afaga,
a amena enseada, o útero procurado, a quieta rua,
o repouso consentido, a desbravada plaga.
O corpo se transforma às vezes em fino aço,
em lâmina que fere sem deixar traço,
em riso que se esconde e se insinua,
O corpo é um ser em constante mutação,
zéfiro, borrasca, tempestade, cantochão.
O corpo perdido entre algas e brumas,
entre sinuosas, ínvias e obscuras fragas,
precisa ser re-criado entre paredes seladas
que abafem segredos, murmúrios e escumas.
Talvez fazer da costela mais saliente
um arco com que brandir o travo violino
ou a possível lira e escondê-la no cimo
da árvore onde repousa o corpo fremente.
Corpo ser móbil, móvel e serpentário,
úmido, fugidio, escampado sacrário.
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