21/1/2007 18:19:00
O Corão contra as armas inteligentes
Por Leonardo Boff
É inimaginável o manto de tristeza e sofrimento que se estende sobre muitos povos, vítimas de guerras como na África e no Oriente Médio. Todas as guerras são estúpidas. Mas especialmente estúpida é a guerra contra o Iraque, baseada na mentira de um Presidente que manipulou a lamentadada ingenuidade do povo norte-americano, do qual 80% dos adultos, segundo o National Geographic, sequer sabe onde fica no mapa o Iraque. Como disse o cineasta Michael Moore numa carta aberta ao Congresso e ao povo norte-americano: "é uma guerra perdida porque jamais teve o direito de ser vencida". O Presidente Bush em sua arrogância crédula e o Pentágono em sua confiança infantil nas "armas inteligentes" asseguram que vão ganhar a guerra. Nunca a ganharão, porque contra as "armas estupidificadas" atiram-se versículos do Corão e se enviam todo dia resistentes em ataques suicidas. Vale para o Iraque o que o futurólogo Herman Kahn dizia da guerra contra o Vietnam: "perdemos a guerra porque não dá para vencer um povo que contra tanques recita poesias". O povo iraquiano é orgulhoso de sua cultura, uma das mais antigas da humanidade. Por esta razão 71% dos iraquianos querem os EUA longe do Iraque e 61% apóia os atentados dos resistentes. Sempre me tenho perguntado: o que se passa no coração e na cabeça destes centenas de homens-bomba que cada dia entregam suas vidas? Deve haver aí uma "mística" poderosa que os convence considerar a morte mais preciosa que uma vida de humilhação. Foi nesse contexto que acabei, por acaso, relendo um livro antigo do meu tempo de estudante na Alemanha:"Cartas de condenados à morte, vítimas do nazismo", com um impactante prefácio de Thomas Mann. É um comovedor testemunho da devastação hitlerista da Gestapo nos vários países em que atuou. Curioso que, independente de ser ateu ou crente, nota-se em cada condenado uma convergência notável: vê um sentido transcendente em sua condenação e revela a esperança de que esta morte violenta não será em vão. Quase ingenuamente alguns dizem:"é formoso morrer na esperança de um futuro melhor para a humanidade" ou "creio que depois desta guerra começará uma vida de felicidade para todos". Não foi isso que efetivamente veio pois a guerra quente continuou sob a forma de guerra fria. Especialmente ilustrativa é a carta de uma jovem belga de 24 anos: "Não há morte triste quando se tem o consolo de princípios. A causa que defendo é justa e sagrada. Digam às minhas amigas que soube aceitar meu destino com calma e que me mostrei digna até o fim. Sempre mantive minhas convicções e continuei sendo atéia". Outra companheira sua, filósofa e poetisa, deixou escrito:"Morro para dar testemunho de que se pode amar loucamente a vida e, ao mesmo tempo, aceitar uma morte necessária". Um jovem de 19 anos se despede em carta aos pais:"Estarei sempre com vocês. Sentar-me-ei com vocês no banco do jardim. De manhã com a aurora sorrirei para vocês e no ocaso acenarei com uma saudação. Que o amor e não o ódio domine o mundo". A Terra seguramente não é a sede da felicidade e da perfeição. Mas o sacrifício dos que assumem corajosamente a morte, mostra que nem tudo vale neste mundo. Que é injusto e perverso ocupar e arrasar um país a pretexto de impôr-lhe uma democracia que nunca foi solicitada.
Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959. Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heilderberg (Alemanha). Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com "Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade". É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suíça), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos. Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o premio nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award). De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995). Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro "Igreja: Carisma e Poder", foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, ex Santo Ofício, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades. Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se auto-promoveu ao estado leigo. Em 1993 prestou concurso e foi aprovado como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim ‘pai por afinidade’ de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e re-cria o desabrochar da vida nos "netos" Marina, Eduardo e Maira. É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos. Site: http://www.leonardoboff.com/ Fonte: cronopios@cronopios.com.br - http://www.rightlivelihood.org/i
Por Leonardo Boff
É inimaginável o manto de tristeza e sofrimento que se estende sobre muitos povos, vítimas de guerras como na África e no Oriente Médio. Todas as guerras são estúpidas. Mas especialmente estúpida é a guerra contra o Iraque, baseada na mentira de um Presidente que manipulou a lamentadada ingenuidade do povo norte-americano, do qual 80% dos adultos, segundo o National Geographic, sequer sabe onde fica no mapa o Iraque. Como disse o cineasta Michael Moore numa carta aberta ao Congresso e ao povo norte-americano: "é uma guerra perdida porque jamais teve o direito de ser vencida". O Presidente Bush em sua arrogância crédula e o Pentágono em sua confiança infantil nas "armas inteligentes" asseguram que vão ganhar a guerra. Nunca a ganharão, porque contra as "armas estupidificadas" atiram-se versículos do Corão e se enviam todo dia resistentes em ataques suicidas. Vale para o Iraque o que o futurólogo Herman Kahn dizia da guerra contra o Vietnam: "perdemos a guerra porque não dá para vencer um povo que contra tanques recita poesias". O povo iraquiano é orgulhoso de sua cultura, uma das mais antigas da humanidade. Por esta razão 71% dos iraquianos querem os EUA longe do Iraque e 61% apóia os atentados dos resistentes. Sempre me tenho perguntado: o que se passa no coração e na cabeça destes centenas de homens-bomba que cada dia entregam suas vidas? Deve haver aí uma "mística" poderosa que os convence considerar a morte mais preciosa que uma vida de humilhação. Foi nesse contexto que acabei, por acaso, relendo um livro antigo do meu tempo de estudante na Alemanha:"Cartas de condenados à morte, vítimas do nazismo", com um impactante prefácio de Thomas Mann. É um comovedor testemunho da devastação hitlerista da Gestapo nos vários países em que atuou. Curioso que, independente de ser ateu ou crente, nota-se em cada condenado uma convergência notável: vê um sentido transcendente em sua condenação e revela a esperança de que esta morte violenta não será em vão. Quase ingenuamente alguns dizem:"é formoso morrer na esperança de um futuro melhor para a humanidade" ou "creio que depois desta guerra começará uma vida de felicidade para todos". Não foi isso que efetivamente veio pois a guerra quente continuou sob a forma de guerra fria. Especialmente ilustrativa é a carta de uma jovem belga de 24 anos: "Não há morte triste quando se tem o consolo de princípios. A causa que defendo é justa e sagrada. Digam às minhas amigas que soube aceitar meu destino com calma e que me mostrei digna até o fim. Sempre mantive minhas convicções e continuei sendo atéia". Outra companheira sua, filósofa e poetisa, deixou escrito:"Morro para dar testemunho de que se pode amar loucamente a vida e, ao mesmo tempo, aceitar uma morte necessária". Um jovem de 19 anos se despede em carta aos pais:"Estarei sempre com vocês. Sentar-me-ei com vocês no banco do jardim. De manhã com a aurora sorrirei para vocês e no ocaso acenarei com uma saudação. Que o amor e não o ódio domine o mundo". A Terra seguramente não é a sede da felicidade e da perfeição. Mas o sacrifício dos que assumem corajosamente a morte, mostra que nem tudo vale neste mundo. Que é injusto e perverso ocupar e arrasar um país a pretexto de impôr-lhe uma democracia que nunca foi solicitada.
Leonardo Boff nasceu em Concórdia, Santa Catarina. Cursou Filosofia em Curitiba-PR e Teologia em Petrópolis-RJ. Doutorou-se em Teologia e Filosofia na Universidade de Munique-Alemanha, em 1970. Ingressou na Ordem dos Frades Menores, franciscanos, em 1959. Durante 22 anos, foi professor de Teologia Sistemática e Ecumênica em Petrópolis, no Instituto Teológico Franciscano. Professor de Teologia e Espiritualidade em vários centros de estudo e universidades no Brasil e no exterior, além de professor-visitante nas universidades de Lisboa (Portugal), Salamanca (Espanha), Harvard (EUA), Basel (Suíça) e Heilderberg (Alemanha). Esteve presente nos inícios da reflexão que procura articular o discurso indignado frente à miséria e à marginalização com o discurso promissor da fé cristã gênese da conhecida Teologia da Libertação. Foi sempre um ardoroso defensor da causa dos Direitos Humanos, tendo ajudado a formular uma nova perspectiva dos Direitos Humanos a partir da América Latina, com "Direitos à Vida e aos meios de mantê-la com dignidade". É doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela universidade de Lund (Suíça), tendo ainda sido agraciado com vários prêmios no Brasil e no exterior, por causa de sua luta em favor dos fracos, dos oprimidos e marginalizados e dos Direitos Humanos. Em 8 de Dezembro de 2001 foi agraciado com o premio nobel alternativo em Estocolmo (Right Livelihood Award). De 1970 a 1985, participou do conselho editorial da Editora Vozes. Neste período, fez parte da coordenação da publicação da coleção "Teologia e Libertação" e da edição das obras completas de C. G. Jung. Foi redator da Revista Eclesiástica Brasileira (1970-1984), da Revista de Cultura Vozes (1984-1992) e da Revista Internacional Concilium (1970-1995). Em 1984, em razão de suas teses ligadas à Teologia da Libertação, apresentadas no livro "Igreja: Carisma e Poder", foi submetido a um processo pela Sagrada Congregação para a Defesa da Fé, ex Santo Ofício, no Vaticano. Em 1985, foi condenado a um ano de "silêncio obsequioso" e deposto de todas as suas funções editoriais e de magistério no campo religioso. Dada a pressão mundial sobre o Vaticano, a pena foi suspensa em 1986, podendo retomar algumas de suas atividades. Em 1992, sendo de novo ameaçado com uma segunda punição pelas autoridades de Roma, renunciou às suas atividades de padre e se auto-promoveu ao estado leigo. Em 1993 prestou concurso e foi aprovado como professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atualmente vive no Jardim Araras, região campestre ecológica do município de Petrópolis-RJ e compartilha vida e sonhos com a educadora/lutadora pelos Direitos a partir de um novo paradigma ecológico, Marcia Maria Monteiro de Miranda. Tornou-se assim ‘pai por afinidade’ de uma filha e cinco filhos compartilhando as alegrias e dores da maternidade/paternidade responsável. Vive, acompanha e re-cria o desabrochar da vida nos "netos" Marina, Eduardo e Maira. É autor de mais de 60 livros nas áreas de Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística. A maioria de sua obra está traduzida nos principais idiomas modernos. Site: http://www.leonardoboff.com/ Fonte: cronopios@cronopios.com.br - http://www.rightlivelihood.org/i
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