terça-feira, junho 20, 2006

Desafio aos poetas: felicidade e poesia, uma parceria possível


Desafio aos poetas: felicidade e poesia, uma parceria possível
Adoro o que os outros escrevem. Boa parte do meu tempo livre é dedicada à leitura e, de alguma forma, imagino que acabo conhecendo cada um dos autores que já li. Admiro a capacidade de quem escreve coisas de muita qualidade. Admiro a coragem de quem escreve coisas de pouca qualidade. Não sei se sou a pessoa certa para saber o que é de qualidade ou não, porém, seja qual for minha opinião sobre o conteúdo do que leio, admiro invariavelmente quem tenha escrito algo, porque se pôs na vida, se expôs ao mundo se firmou como indivíduo. Os julgamentos meus e dos outros, sinceramente, pouca importância têm – ou deveriam ter – sobre o que alguém escreve.
A Internet é uma bênção de nossos tempos e, por meio dela, abriu-se para mim uma inesgotável possibilidade de conhecer centenas, milhares de pessoas, já que não estou mais restrito a ter contato somente com aqueles autores que conseguem publicar em livros suas obras e, além disso, não me sinto mais tolhido por não ter acesso pleno aos livros publicados. Participo de portais literários há algum tempo e, neles, ao contrário do que acontece na vida real, não me sinto tão isolado por sectarismos de toda sorte. A democracia da Internet permite que todos possam falar de tudo a todo mundo. É nesses portais que me delicio aprendendo a verdade de cada um exposta em seus textos.
Mas meu egoísmo, minha insatisfação e curiosidade sem fim, denunciam que eu poderia conseguir mais, muito mais, se meus pares que freqüentam a net não restringissem, eles próprios, a utilização plena de suas capacidades. E, nesse passo, imagino que os poetas sejam aqueles que mais economizam na utilização de seus talentos. Senão, vejamos.
Talvez eu esteja errado, mas creio que, dentre os gêneros literários, a forma mais acessível de expressão seja a poesia, porque ela não impõe restrições nem amarras, não se prende necessariamente a formas e fórmulas. A meu ver, a poesia é uma expressão de liberdade, uma forma de desprender a alma do corpo sem a transição de planos.
Ernest Hemingway, se não me engano, mencionou sua opinião a respeito de que se conhece os escritores pelo que não publicam muito mais do que pelo que tenham publicado. A referência, no caso, é que o ânimo e o caráter do escritor melhor se delineia por seu próprio senso crítico a respeito do que cria e, com certeza, se pudéssemos conhecer tudo quanto cada escritor já descartou em sua própria obra, saberíamos em que ponto cada um estava disposto a cortar na própria carne para manter a substância de suas crenças.
Noto que a grande maioria dos poetas internautas impõe-se uma restrição, a meu ver desnecessária, no caso, seu próprio conceito do que seja poesia. Não sou doutor no assunto e, aqui, peço licença para expor minha visão como mero amante das letras e não como especialista em lingüística e literatura – que não almejo ser, diga-se de passagem.
O ponto crucial que quero aqui abordar é que, não raro, percebo, pelos temas abordados por meus colegas de escrita em seus poemas e poesias que parecem crer que tal gênero literário guarda íntima relação com afetação sentimental, tristeza, solidão, paixão não correspondida, amor idealizado, perda, enfim, pelo sofrimento em geral. Assumindo tal postura os poetas, creio eu, deixam de exercitar sua capacidade inata de traduzir em palavras as subjetividades de sua essência. Nesse caso, não se trata da exclusão crítica de textos, sugeridas por Hemingway, mas da omissão não deliberada da exposição plena de textos que poderiam ser trazidos à luz, caso não houvesse esse limitador.
Entretanto, da mesma forma me pergunto, se tal limitação auto-imposta por esse grande número de poetas não é fruto de sua própria forma de ver a vida. Fosse eu um alienígena que aterrasse neste planeta e, tendo contato com os textos dessa avalanche de obras poéticas forjadas entre suspiros e lágrimas, imaginaria que poesia é uma forma de adocicar em exagero a vida real ou, de outra maneira, um meio de sofrer, de perpetuar um sofrimento ou, simplesmente, de se dizer o quanto se sofre. Convenhamos, isso não parece ser exatamente o melhor mote do escritor que se apresente como poeta.
Provavelmente, dirão alguns, é num momento de afetação sentimental, de um sofrimento atroz, que o espírito humano quase se materializa e, assim o faz, recobrindo-se de vestes carnais esfoladas pela contusão do choque com os fatos ou, como se costuma dizer, em carne viva. Leio e releio os textos dos poetas que habitam a net e, de forma quase esmagadora, é essa a impressão que me passam. Admiro suas construções verbais, reverencio sua imaginação criativa e, assim, fico com um sabor de “quero mais” na boca, ansioso por recitar versos que fossem feitos a partir de tais habilidades, mas para comemorar a vida e exortar a alegria. Ou seja, sinto que boa parte de meus pares está me escondendo algo, não de forma proposital, mas que, a mim pelo menos, faz muita falta.
Fico imaginando o quanto da obra de poetas consagrados deixaria de existir se delas fossem suprimidos todos os textos que não versassem explicitamente sobre sentimentos afetados ou desagradáveis. O que seria de Bandeira, Drummond, Quintana e tantos outros? Com certeza, seriam grandes como sempre foram, mas nos teriam privado de conhecê-los em sua inteireza e não seríamos brindados com coisas maravilhosas. Vinícius de Moraes - o “poetinha” - chegou a nos deixar a banalidade de sua receita de feijoada, mas que tornou essa iguaria uma delícia de se ler (“Feijoada à minha moda” – 1962; in www.viniciusdemoraes.com.br).
Então, deixo aqui o desafio aos meus colegas poetas: tragam à vida a parcela de sua obra que ainda não foi escrita, aquela parcela do poeta que é feliz. Depois disso, poderei dizer mais ainda que tenho prazer em conhecê-los.
Mr Hide Obed
Publicado no Recanto das Letras em 08/06/2006

Nenhum comentário:

Postar um comentário