terça-feira, outubro 19, 2010

Um prêmio esperado

Nélida Piñon conta como conheceu Mário Vargas Llosa e lembra de um almoço com Carlos Fuentes, do desentendimento de Vargas Llosa com García Marquez e da influência de Flaubert na literatura do peruano

16.10.2010 / 17:00

Nélida Piñon nos últimos dias recebeu uma grande notícia e anda concedendo entrevistas a jornais do mundo inteiro, inclusive a este, que atendeu numa tarde de quarta-feira, quando se revezava entre ligar e desligar a televisão – “Só um momento. Não tô aguentando, eu tenho que desligar.”, comentou ao telefone sobre o resgate dos mineiros no Deserto do Atacama. “É um milagre!”.

A escritora, imortal da Academia Brasileira de Letras, primeira mulher a presidir ABL, entretanto, não fala nas entrevistas de seu último livro ou de mais um prêmio internacional que venceu, como o espanhol Prêmio Príncipe de Ásturia, que recebeu em 2005, ou Prêmio de Literatura Latinoamericana y del Caribe Juan Rulfo, entregue em 1995, no México.

Nélida responde, sim, a perguntas sobre seu amigo de longa data, que conheceu na década de 1970, em Nova York, e de quem foi vizinha, anos depois, em Barcelona. O anúncio de que o Prêmio Nobel de Literatura deste ano seria entregue ao peruano Vargas Llosa foi recebido como um reconhecimento mais do que merecido. É disso que ela fala na entrevista a seguir, além de contar histórias dos dois entre alguns dos maiores nomes da literatura no continente. (Pedro Rocha)

O POVO - A senhora já falou com Mário Vargas Llosa depois do Nobel?

Nélida Piñon - Ele foi carinhosíssimo. Ele é sempre muito carinhoso comigo, falei com a Patrícia também. Ele sabe da minha alegria, o quanto eu acho que ele merece. Ele é um intelectual talhado para esse prêmio. É como se ele tivesse preparado a vida inteira pra esse dia. A trajetória dele é límpida e ascendente até desembocar nesse prêmio. Há mais de dez anos a gente pensa e todo mundo tava um pouco decepcionado, achando que não queriam dar pra ele.

OP – Quais foram os bastidores do anúncio?

Nélida - Quem primeiro soube do prêmio foi a agente dele, Carmen Balcells, agente e amiga há quase 40 anos. Aliás, no dia 8 de agosto, houve um belo almoço na casa de campo dela, comemorando os 80 anos dela, com Carlos Fuentes, Mario Vargas Llosa e eu. Ele foi com a família toda, 14 membros, e fez questão de fazer um discurso agradecendo. Ela é uma mulher genial, agente da Isabel Allende, do Carlos Fuentes, do García Márquez... Parece que Estocolmo não conseguia falar com ele, porque ele tava chegando à Nova York pra começar um curso em Princeton. Não sei o que aconteceu, a Academia Sueca não conseguia falar, eles estavam angustiados e telefonaram para Carmen Balcells. Ela percebeu que era o Nobel. Eles falaram: “Mas senhora, por favor, ninguém pode saber”. E ela respondeu: “Senhores, ele é o sexto Nobel que eu tenho na minha agência”.

OP - Existe uma mística no meio literário em torno do Prêmio Nobel...

Nélida - Só pode haver, é um prêmio que muda a vida de uma pessoa, de repente você tava no seu cantinho e vai pro palco, o que não é ruim pro escritor, porque não vai lhe tirar a dignidade, nem roubar a honra. Você não acredite em quem diga que não daria a menor importância pro Nobel. E tem mais, você ganha uma fortuna que faz você não precisar escrever qualquer coisa, aceitar tradução, fazer viagenzinhas pequenininhas pra falar. É uma mística que tem razão de ser. Não quer dizer que de repente você entra numa glória eterna. É uma glória que lhe facilita muito a vida.

OP - Vocês se conheceram na década de 70. Como se deu esse encontro?

Nélida - A nossa amizade começou na Universidade de Columbia, em Nova York. Foi assim um bem querer imediato e até hoje nunca aconteceu um mal entendido. Ele sempre me convida pros batizados dos filhos dele, casamento de filha. Eu me lembro uma vez que estava morando em Barcelona, era vizinha dele e do García Márquez, mas tinha mais proximidade com o Mário. E ele falou: “Como me gustaria uma feijoada... Você faz, Nélida?” Imagina, eu nunca tinha feito uma feijoada na vida. Mas não querendo lhe decepcionar e muita atrevida, disse: “Faço”. No longa-metragem que acabaram de fazer comigo e foi apresentado no Festival do Rio (Mapa dos Afetos, de Júlio Lellis), ele é um dos personagens e fala coisas lindas sobre mim, inclusive essa história. Só depois de muito tempo é que ele soube que era a primeira feijoada que eu fazia.

OP – E qual era a ocasião do encontro em Nova York?

Nélida - Éramos escritores convidados pela universidade pra um grande congresso. Tava Jorge Luis Borges, e, do Brasil, tava o Glauber Rocha e eu. Foi uma coisa fascinante. Eu já tinha conhecido o Glauber e me lembro que uma hora lá, nós dois fomos pra um gramado na Columbia e conversamos e conversamos e eu cuidava muito dele, porque eu tinha medo que os militares armassem alguma coisa.

OP – Como o Vargas Llosa se integra nesse panteão de clássicos latino-americanos?

Nélida - Quando eu o conheci, ele já tinha ganho dois prêmios importantes, já era uma estrela jovem. Ele é um grande ficcionista, com um domínio narrativo, tem uma capacidade narrativa muito específica, é uma vocação realista de algum modo, com exceção de um livro de contos El Hablador, que antigamente eu não gostava, hoje eu acho um livro excelente. Os livros dele têm uma natureza visível, contam uma história. Ele é um discípulo de Flaubert, como também aprendeu as técnicas narrativas do Faulkner. Ele tem uma vocação, por exemplo, de fazer pesquisa pros seus livros. Ele pesquisa muito.

OP – Foi o caso de A Guerra do Fim do Mundo, que por sinal é dedicado à senhora.

Nélida – Eu acho um grande romance. Acho que quando ele surgiu a crítica não foi generosa. Acharam que era quase uma competição com Euclides, o que é uma loucura. Os Sertões não é um romance. Tive sorte de ter gostado muitíssimo, porque fiquei angustiada. Você já imaginou minha situação se eu não tivesse gostado do livro? Ele fez uma pesquisa minuciosa. Ele trabalha às vezes com uma mandala. Quando ele foi pra Bahia, ele já tinha muitos capítulos, um material enorme e foi adicionando essa informação que recolheu, foi expandindo.

OP – Ainda sobre as influências literárias. Você citou, por exemplo, Flaubert e Faulkner. Quais seriam outros escritores?

Nélida - Eu me lembro quando ele começou a escrever a Orgia Perpétua (sobre Madame Bovary), ele já era um estudioso, um apaixonado de Flaubert. Outro autor que eu acho que nos últimos tempos, não vi mencionado, mas suspeito, é Victor Hugo, esse sentido de aventura do Les Misérables. Eu e ele adoramos Alexander Dumas, foi também um leitor de Swift. Ele é um conhecedor sabe de quem? De um escritor que quase ninguém conhecer no Brasil, é (José Maria) Arguedas, grande estudioso dos índios peruanos. O Mário é uma colagem de saberes. Antes de receber a notícia do prêmio, tava se preparando para dar um curso sobre Carpentier e Borges. Ele é um grande leitor e também tem uma voz muito soberana, muito autônoma.

OP – A senhora contou que foi vizinha de Vargas Llosa e García Márquez. É conhecido o desentendimento entre os dois. Isso continua até hoje?

Nélida - Eu não vejo condições de uma reconciliação. É uma pena, mas não vejo. É uma pena, porque são dois escritores magníficos. Mas às vezes a vida une e às vezes separa. Mas o Mário tem um livro belíssimo sobre o Garcia Márquez, História de un Deícidio, que durante algum tempo ficou fora de circulação, mas acho que já é possível encontrar.

OP – E o que ele conhece da literatura brasileira?

Nélida - Ele não conhece muito, já leu Machado... Quem é grande conhecedor de Machado é o Carlos Fuentes. Ele leu, claro, Euclides. Me lembro de quando ele acabou a leitura de Euclides, coincidiu de eu tá morando em Barcelona, ele ficou exaltadíssimo. Conheceu Jorge Amado também, tanto que nos encontramos os três algumas vezes. Lembro de um jantar na Bahia que nós tivemos só falando das gulodices do Pablo Neruda. Foi uma noite divertidíssima.

BIBLIOGRAFIA DE MARIO VARGAS LLOSA

Romance

1959 – Os chefes (lançado no Brasil em 2010, Alfaguara)
1963 – A cidade e os cachorros (lançado no Brasil em 2007, Alfaguara)
1966 – A casa verde (lançado em 2009, Alfaguara)
1969 – Conversas na catedral
1973 – Pantaleão e as visitadoras (lançado no Brasil em 2007, Alfaguara)
1977 – Tia Júlia e o escrevinhador (lançado no Brasil em 2007, Alfaguara)
1981 – A guerra do fim do mundo (lançado no Brasil em 2008, Alfaguara)
1984 – História de Mayta
1986 – Quem matou Palomino Molero
1987 – O falador
1988 – Elogio da madrasta (lançado no Brasil em 2009, Alfaguara)
1993 – Lituma nos Andes (lançamento no Brasil previsto para fevereiro de 2011, Alfaguara)
1997 – Os cadernos de Dom Rigoberto (lançado no Brasil em 2009, Alfaguara)
2000 – A festa do bode (lançamento no Brasil previsto para segundo semestre de 2011, Alfaguara)
2003 - O paraíso na outra esquina
2006 – Travessuras da menina má
2010 – O sonho do celta (lançamento no Brasil previsto para Julho de 2011, Alfaguara

Ensaio


1971 - García Márquez: historia de un deicidio
1971 - Historia secreta de una novela
1975 - La orgía perpetua: Flaubert y Madame Bovary
1962 – 1982 - Contra viento y marea. Volúmen I
1972 – 1983 - Contra viento y marea. Volumen II (1972-1983)
1990 - La verdad de las mentiras: Ensayos sobre la novela moderna
1964 – 1988 - Contra viento y marea. Volumen III
1991 - Carta de batalla por Tirant lo Blanc
1994 - Desafíos a la libertad
1996 - La utopía arcaica. José María Arguedas y las ficciones del indigenismo
1997 - Cartas a un novelista
2001 - El lenguaje de la pasión
2004 - La tentación de lo imposible (lançamento no Brasil previsto para segundo semestre de 2011)
2009 – Sabres e utopias (lançado no Brasil em outubro de 2010, Alfaguara)

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