quinta-feira, novembro 26, 2009

Corpo e identidade


COLÓQUIO INTERNACIONAL FRANÇA-BRASIL
Corpo e identidade


26/11/2009
O professor francês David Le Breton realizou ontem, no auditório Luiz Gonzaga da UFC, palestra sobre o corpo na sociedade contemporânea

Por muito tempo o corpo foi negado ou, mesmo, excluído, da história humana. Porém, em virtude das transformações decorrentes da maneira do homem lidar consigo mesmo e com o mundo, o corpo se tornou um objeto de estudo da Sociologia dedicado à compreensão do homem como fenômeno social e cultural, motivo simbólico, objeto de representações e imaginários.

Produto do contexto social e cultural em que nos encontramos, o corpo é a ponte pela qual a relação com o outro é construída: expressão de sentimentos, jogos sutis de sedução, produção de aparências, entre outros.

Corpo a corpo

Em entrevista ao Caderno 3, o estudioso da sociologia do corpo, o professor Dr. David Le Breton, da Universidade de Strasbourg, comentou sobre o assunto e algumas de suas principais questões na atualidade.

O pesquisador que participou, ontem, da conferência "Antropologia do corpo e mundos contemporâneos", do "Colóquio Internacional França-Brasil: Olhares cruzados sobre imaginários e práticas culturais", do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e o Laboratório de Estudos da Oralidade da UFC; falou sobre as relações do corpo com a arte, o transexualismo e a busca desenfreada por um modelo ideal de corporeidade, que vem sendo difundido pela mídia.

Segundo Le Breton, em todas as sociedades humanas o corpo é considerado objeto de ritualização, um revelador das tensões do mundo e um instrumento que se serve a construção da identidade do ser humano.

"O corpo é a marca do indivíduo, a fronteira, o limite que, de alguma forma, o distingue dos outros. O corpo, lugar do contato privilegiado com o mundo, está sob a luz dos holofotes. Problemática coerente e até inevitável numa sociedade de tipo individualista que entra numa zona turbulenta de confusão das referências", explica.

Transmutações

Para o professor, a raiz das ideias que se tem formulado hoje sobre o corpo, são resultantes do final da década de 1960. Período caracterizado pelo surgimento de um novo imaginário do corpo, oriundo da crise da legitimidade, provocada por fatores como a revolução sexual, o feminismo e o body-art.

"A crise da legitimidade torna a relação com o mundo incerta, o ator procura, tateando suas marcas, empenhar-se por produzir um sentimento de identidade mais favorável. Hesita de certa forma o encarceramento físico do qual é objeto", diz.

Le Breton acredita que o corpo está a serviço da identidade, antes éramos prisioneiros do corpo e hoje não. "Se antes o mundo era dividido entre homens e mulheres, na atualidade há inúmeros tipos de sexo. Exemplo disso, são os transexuais. Vivenciamos o fim de uma metafísica do corpo e do sexo. O corpo virou matéria-prima, proposta, para a construção de uma identidade".

O pesquisador também alerta, que por trás desse conceito de "corpo livre", há uma padronização e um controle do sujeito. "Estamos inseridos no paradoxo de uma liberdade controlada. O momento é de experimentação ou invenção, as possibilidades de se atuar no corpo são muitas: tatuagens, cirurgias plásticas, fisiculturismo, piercings. Mas, ao mesmo tempo em que buscamos mudar, criar uma aparência própria, caimos numa estereotipação". Breton explica que a mídia favorece um modelo ideal de corpo, onde as mulheres, principalmente, tem que ser loiras, delgadas e jovens. "Esse é o padrão americano de corpo, almejado por milhares de mulheres no mundo todo. Um caso curioso, por muito tempo nas Ilhas Fiji, ao leste da Austrália, não existia televisão e o modelo de beleza era o de corpos volumosos. Quando a TV chegou, por intermédio dos Estados Unidos, na região, houve uma verdadeira crise de valores. As mulheres queriam a todo custo ficar magras. Isso gerou diversos casos de anorexia e bulimia. Muitos etnógrafos foram para lá estudar o caso".

Arte e corpo

Outra questão interessante ressaltada pelo professor, trata-se da forma como o corpo vem sendo pensado e (re)construído nas artes contemporâneas. Segundo ele, alguns artistas utilizam seu corpo como matéria-prima para seus trabalhos. É o caso da francesa Orlan.

A artista usa o corpo como superfície de criação estética, com o intuito de testar os limites da expressividade. Para tal tem se submetido a intervenções cirúrgicas de forma a que este seja explorado das mais diferentes formas É uma abordagem artística singular.

Estudos do Corpo

Visão de Le Breton

Doutor em Antropologia e professor na Universidade de Estrasburgo II, David Le Breton se tornou referência no estudo sobre a corporeidade. Dentre suas obras publicadas no Brasil ressalta o livro a "Sociologia do corpo", publicado pela editora Vozes, em 2006. Nele o pesquisador francês argumenta que o fenômeno de existência corporal está introduzido no nosso contexto social e cultural, ou seja, a linguagem corporal está inserida no canal pelo qual as relações sociais são elaboradas e experimentadas. Para o professor, a Antropologia social e a Sociologia possuem inúmeras possibilidades de pesquisas, dentre elas, as investigativas. Elas podem ajudar nos estudos sobre as representações que construímos acerca do corpo e até mesmo na compreensão de certas culturas. Em muitos de seus trabalhos , Breton se preocupa com as investigações sobre a corporeidade, como é o caso dos simbolismos, as expressões e percepções construídas na dinâmica social. Seu último livro traduzido no Brasil foi o "Condutas de risco: dos jogos de morte ao jogo de viver", pela editora Autores Associados.

ANA CECÍLIA SOARES
REPÓRTER


FONTE (foto incluída): Diário do Nordeste (Assinatura)

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