domingo, maio 17, 2009

Gregório de Matos Guerra


Gregório de Matos Guerra
16 maio, 2009 Categoria: Biografias, Literatura
Por Renato Roschel

O misterioso poeta Gregório de Matos Guerra é um pedaço importante da história do Brasil e da literatura brasileira. Filho de uma rica família da capital baiana, Gregório _ que nasceu em 1633_, foi o poeta que cantou as musas, as mulatas e as freirinhas brasileiras.
Em 1650, aos 14 anos, foi para Coimbra, Portugal, estudar leis, chegando a exercer um cargo na magistratura Portuguesa. Durante a sua permanência na Europa, o poeta conquistou fama e inimizades, não poupando ninguém com as suas sátiras e irreverências. No desempenho da própria profissão, Gregório de Matos nunca soube ser sério. Clientes, advogados, juízes, todos sentiram o aguilhão de sua ironia felina.
Não se adaptando à vida na Corte, retornou ao Brasil e à Bahia, após se tornar viúvo de sua primeira esposa, D. Michaella de Andrade, por volta de 1683 - segundo o estudioso Fernando da Rocha Peres. Fez sua viagem de volta na compania de Dom Gaspar Barata, primeiro arcebispo da Bahia. Este lhe conferiu, ao aportarem na Bahia, os cargos de vigário-geral com ordens menores e tesoureiro-mór com murça de cônego.
Entre os fatos que mais marcaram sua nova estada no estado baiano, seu segundo casamento com Maria dos Povos é um dos mais citados. Suas brigas com a esposa, segundo a biografia de Manuel Pereira Rabelo, se davam por causa da falta de “pão” (dinheiro) em casa, haja visto que Gregório de Matos vivia descuidadamente ausente de seus deveres conjugais, sempre metido em festas em companhia de amigos como Thomaz Pinto Brandão, e sempre farreando com mulatas e negras.
Boêmio contumaz, mulherengo e irreverente, o Boca do Inferno era a voz e a tinta da galhofa em Salvador. Não perdoava nem o aleijado governador geral da Bahia, Antônio de Souza Meneses, que havia perdido um braço em uma batalha naval de 1640. O governador aleijão era descrito em seus poemas como o “Braço de Prata”, servindo assim à sua pena satírica e aos seus motivos poéticos.
Mas nem tudo foi farra em sua vida. Em maio de 1683, um crime agita Salvador, o assassinato de Francisco Teles de Meneses, alcaide-mor da cidade e amigo do governador. Nomes de várias pessoas importantes foram envolvidas no crime e, entre eles, encontra-se o de Gregório de Matos Guerra, que se vê obrigado a desaparecer por uns tempos.
O poeta só teria paz novamente depois que o “Braço de Prata” deixa o governo para seu sucessor, Antônio Luís de Souza, marquês das Minas, que ocuparia o cargo no período 1684 a 1687. Mas mesmo assim Gregório continuou a lançar sua verve sobre as cabeças baianas. Contam alguns de seus mais importantes biógrafos, que o Boca do Inferno tanto fez com sua implacável veia satírica, que as autoridades Soteropolitanas (termo por ele criado) acabaram o deportando para Angola, mais precisamente para a cidade de Luanda.
Seu degredo teria se dado à custa de uma provocação feita, em alguns de seus poemas, a um parente próximo de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, governador-geral do Brasil entre 1690 e 1694. Pelo que tudo indica Gregório teria se desapontado com Câmara Coutinho, pois este lhe havia negado alguma “mercê ordinária”. Gregório, armado de um profundo rancor, teria atacado com todas as suas forças a origem espúria do governador, acusando-o de ter”sangue mamaluco” e de fazer da Bahia, “tão amena,/tão fértil, e tão fecunda”, uma “terra imunda”. Mais que isso, ele também chama o governador de ladrão e mofino e que “por contágio/ ficou mofino o Brasil”.
De toda essa história o ataque mais cômico se dá quando Gregório comenta a forma física e, pelo que parece, um tanto quanto desconjuntada, do governador, cuja “fachada da sobrancelha se me assemelha a uma negra vassoura esparramada”, a isso junta-se um “nariz de embono com tal sacada, que entra na escada duas horas primeiro que seu dono”.
Porém a coisa fica mais pesada quando o homem público desaparece e Gregório passa a atacar o lado humano e pessoal do governador, chegando ao ponto de acusá-lo de pederasta e amante de seus criados: “Mandou-vos acaso El Rei com as fêmeas não dormir, senão com vosso criado, que é bomba dos vossos rins?”
Forte imagem, não é mesmo? Talvez tenha sido esta descrição que tenha levado Gregório ao degredo em Angola, talvez… O que é certo é que o governador não suportou por muito tempo tais descrições fisionômicas e de sua vida íntima, condenando então Gregório ao degredo em Angola.
O Boca do Inferno teve de embarcar, pois se não o fizesse, seria morto. Na África, “terra maldita, e infensa,/ triste, horrorosa, escura” que lhe parece “sepultura”, curte ele a dor do desterro. A chegada do poeta a Luanda coincide com uma total situação de desespero popular. O povo morria de fome, por causa da gravíssima crise econômica que assolava o país e a força militar, que garantia o império português em terras africanas, rebelara-se. Gregório teve uma atuação importantíssima nesta rebelião, que resultaria em seu retorno ao Brasil. Sua interferência no motim deu fim a revolta (alguns estudos afirmam que Gregório traíra os revoltosos, depois de conquistar sua confiança) e, como prêmio por sua dedicação à Coroa Portuguesa, recebeu a permissão para retornar ao Brasil. Em 1696, no final de sua vida, retorna ao Brasil, mas não para a Bahia, e sim para o Pernambuco, exatamente para Recife, onde, depois de tão intensa existência, morreu e foi enterrado como indigente.
Gregório de Matos não foi apenas o criador de coruscantes versos, que acabariam lhe rendendo a alcunha de Boca do Inferno. Considerado o primeiro grande poeta brasileiro, e criador também de uma importantíssima obra sacra.É interessante saber que nossa poesia sacra mais rica nasceu da Boca do Inferno, numa corrente coesa, constante e singular.
Gregório de Matos é, para muitos, o primeiro criador de uma literatura autenticamente nacional. Nossa literatura nasce através de um voz ácida e ao mesmo tempo criadora de uma obra sacra ímpar. A força criadora que brota dessa força dual, entre horrendo e lindo, doce e amarga é representada, pela primeira vez, na figura do Boca do Inferno.
A dubiez é a marca mais forte em sua obra, que tanto fazia versos irados contra os vícios da Cidade como, ao mesmo tempo, tinha uma conduta que não era nenhum exemplo, principalmente no que se refere a relações extra-conjugais. Gostava de afirmar que era um homem razoável, de simplicidade virtuosa, mas fazia um uso extremamente complexo e perverso de técnica retórica-poéticas para fazer tais afirmações; gostava de imprimir a marca da veracidade a tudo o que escrevia e dizia, mas distorcia as ações com exagero; afirmava odiar qualquer vício, mas demonstrava uma certa inclinação pelo excesso.
Toda essa incongruência no discurso “moralista” de Gregório, serve como ponto de partida para observações a respeito de uma das falas mais fortes de nossa literatura. O poeta não era um exemplo de conduta, mas cobrava uma conduta irrepreensível aos outros. Expremia-se através de uma verdade que dizia sua, mas que não era, percorria os meandros dos julgamentos morais, para fazer disso sua arma, sua saída literária, sua catarse.
A catarse de Gregório era seu poder de julgamento, sua força criadora e acusatória. Era o fruto amargo com que o poeta construía uma interminável fila de interrogações naqueles lêem sua obra. Somos seres dúbios, recheados de incongruências, incoerências, falhas até. Talvez seja por isso que a poesia do Boca do Inferno remete, nos nossos dias, a uma observação terrivelmente atual: a de sermos feitos de regras morais que insistimos em não seguir.
Fontes: - Gregório de Matos e Guerra: uma re-visão biográfica; Editora: Macunaíma; Autor: Fernando da Rocha Peres; 1983 - Gregorio de Matos. Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico por Antônio Dimas; Editora: Nova Cultural; 1988

Apud (foto incluída): http://www.speculum.art.br/

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