Entrevista - Cumpadre Boldrim: Aquele que mostra os nossos ‘cantadô’
Rosa Minine Nova Democracia 28-3-2009 40 lecturas
“Esse Brasil não é somente o do Som Brasil ou Senhor Brasil, mas também o Brasil país, da arte escondida pelo monopólio estrangeiro dos meios de divulgação.”
Rosa Minine Nova Democracia 28-3-2009 40 lecturas
Um dos artistas mais autênticos representantes da arte verdadeiramente popular brasileira, Rolando Boldrin, tirou o Brasil da gaveta e está apresentando, pela TV Cultura de São Paulo, o Sr. Brasil, um programa em que aparecem artistas brasileiros, interpretando a mais autêntica música brasileira, de norte a sul do país. O programa revela artistas cujos trabalhos não aparecerem nos programas promovidos pelos monopólios de TV, rádio, e grandes teatros.
Artística e profissionalmente, este ‘cantadô' tem mais de quarenta anos como violeiro, compositor, cantor, ator, apresentador de TV e escritor. Boldrin — que é hoje uma feliz instituição brasileira — tem como seu trabalho favorito o de apresentador de TV, condição que lhe permite fazer aquilo que mais gosta: revelar o Brasil através da arte, mais precisamente, da música, da poesia, da literatura em geral. Atualmente, incorporou no seu trabalho mostras de peças da arte popular brasileira, produzidas por anônimos que esbanjam criatividade.
Nos anos oitenta tornou-se admirado pelo povo com o programa Som Brasil. Mesmo a mais poderosa e sisuda TV ianque — entre as que monopolizam as emissões televisivas em nosso país, a Globo —, por um bom período teve que se render ao talento de Boldrin.
Seu nome, trabalho e o tema de abertura, Vide vida marvada, de sua autoria, permaneceram intactos, inclusive na memória do povo. Praticamente os programas só mudaram de nome, independente das emissoras por onde tenha passado. Foi Empório brasileiro, na Bandeirantes em 1984; Empório Brasil, no SBT, 1989; Estação Brasil, TV Gazeta, 1997; e agora Sr. Brasil, que com menos de um ano de exibição, já ganhou o prêmio de Melhor Programa da Televisão Brasileira, conferido pela APCA - Associação Paulista de Críticos de Artes.
Filho de proletários — o pai, operário mecânico e sua mãe, uma dona de casa —, Rolando nasceu em 1936, na cidade de São Joaquim da Barra, SP. Aos dezesseis anos desembarcou na capital paulista para "tentar a vida de artista". Depois de muita "cabeçada pra cá e trombada pra lá" como diz, trabalhando como sapateiro, garçom, frentista de posto de gasolina e um ano prestando serviço militar, chegou o momento de darem uma chance ao "capiau magrela" do interior, no dizer dele próprio, pleno de humor contagiante.
O primeiro emprego foi na Rádio Tupi, em 1958. Conforme conta, ficou "mostrando os dentes" pelos corredores e fazendo de tudo um pouco, até assinar um contrato profissional para atuar como ator de rádio e TV, na hoje extinta Tupi.
Rolando não parou mais de trabalhar nessa área. Foram várias peças de tele-teatro; do teatro — participando inclusive dos Arena e Oficina, dois importantíssimos projetos brasileiros de teatros na década de sessenta —; novelas na televisão e dois filmes reconhecidos em vários festivais no Brasil e no exterior, rendendo para Rolando o prêmio de melhor ator coadjuvante, em ambos os trabalhos.
Assim, Doramundo, 1978, narra a opressão sofrida por ferroviários. Vinte anos depois o mesmo diretor do primeiro filme, João Batista de Andrade, o convidou para fazer o seu segundo trabalho no cinema, O Tronco, título homônimo do romance de Bernardo Élis, uma história passada no interior de Goiás, em 1919, narrando a disputa pelo poder entre grandes coronéis feudais. Boldrim interpretou um desses poderosos coronéis.
— Sempre fui muito envolvido emocionalmente com as coisas da minha terra, o Brasil, com a fala do homem simples, do brasileiro de todas as regiões: Norte, Sul, Leste, Oeste. Fiz esses filmes porque tratavam de assuntos brasileiros, com personagens tipicamente nacionais — declara.
— É claro que já trabalhei em peças de autores estrangeiros no teatro, como Máximo Gorki, e da mesma forma na televisão, quando atuava como ator profissional que é escalado para um espetáculo ou uma novela. Mas sempre me aprofundei mais quando se tratava de um personagem e uma história que falasse de Brasil e do seu povo — acrescenta.
— Fui o primeiro ator a fazer, na televisão, TV Tupi, o Odorico Paraguaçu, de O Bem Amado, de Dias Gomes. Era mês de junho e a prefeitura de São Paulo havia construído uma cidade colonial no Parque do Ibirapuera, para a realização das festas juninas da cidade. Então, o diretor Benjamim Catan resolveu aproveitar o cenário, onde tinham: prefeitura, fórum, delegacia, bar, e tudo que ele precisava para filmar, em tele-teatro, como se ali fosse um estúdio de televisão. Assim fizemos a primeira externa da televisão brasileira, ainda em preto e branco — revela Rolando.
Desde então
Rolando conta que desde "menino pequeno", a partir dos sete anos de idade tem se dedicado à música e mantido um grande interesse pela mais autêntica cultura popular e que não saberia explicar o que poderia fazer na vida, além disso.
— Somente, eu entre meus irmãos, nasci com esse "dom" de artista — ele é o sétimo entre doze irmãos. — Cheguei, inclusive, a formar uma dupla caipira com um deles, quando éramos garotos. Só que ele não prosseguiu, não gostava. Mas não premeditei nada. Fui trabalhando e as coisas acontecendo, sempre com um intenso envolvimento com a cultura popular de um modo geral, não só na música — conta.
— Com dez anos, já me interessava em ler Catulo da Paixão Cearense e outros poetas nacionais. Mas nunca me prendi ao regionalismo. Misturava os escritores mineiros, como Guimarães Rosa, com os nordestinos, como Catulo, que era maranhense e o poeta paraibano Zé da Luz. Assim também na música, com os ritmos: cantava um samba de Moreira da Silva, outras vezes Jorge Veiga, também uma música de Orlando Silva, ou de uma dupla caipira — continua.
— Nunca gostei de ser somente um caboclo do interior, dito caipira, que ficou gostando de música caipira somente. Eu canto e falo muito de minha terra, mas quando falo isso, não estou me referindo à região onde nasci, mas do Brasil inteiro. O caboclo da minha terra, que eu digo, é o homem brasileiro dos interiores. Gosto das coisas brasileiras de todas as partes. Isso pode parecer inexplicável para muitos, mas para mim é bem simples: costumo dizer que sou um encarregado de divulgar o Brasil para o brasileiro — acrescenta.
Esse seu modo se revela principalmente nos programas de televisão e nas músicas que já fez e gravou. Recentemente lançou, pela Intercd, um apanhado de sua carreira: uma ‘gaveta' contendo oito CDs, o que dá um total de noventa musicas e 18 declamações, intitulada Vamos Tirar o Brasil da Gaveta, onde se pode encontrar ritmos diversos, entre as modas de viola, cateretês, toadas e sambas. São composições próprias e de autores conhecidos.
— O meu trabalho é muito diversificado. Gravo um samba de Ary Barroso do mesmo jeito que uma moda de viola, Noel Rosa e também Adoniran Barbosa. Na hora de compor, é assim também: misturo tudo. Isso acontece, acredito, porque tenho um amor e um respeito pelo meu país, pelo meu povo, que ultrapassa os limites da paixão comum. Sou fanático pelo meu povo — confessa Rolando.
— No Som Brasil, por exemplo, eu estava sempre falando ‘minha terra', ‘meu país', e costumava declamar poemas que falavam do amor à terra chão, como um versinho do Catulo, que dizia que depois de Deus, era a terra o ente que ele mais amava. Tratava com tais extremos a terra, sempre boa e agradecida, que aos seus sempre implorava que quando deixasse a vida fosse enterrado de bruços, para estar sempre em soluços, beijando a terra querida — fala Rolando.
Por quase dez anos seu programa esteve fora do ar. Nesse período fez outros trabalhos, shows, mas o programa, o que mais gosta de fazer, ficou na gaveta. Já não queria prosseguir porque, acreditava, tinha feito a sua parte. Até que, de repente, como diz, resolveu tirar o Brasil da gaveta. E esse Brasil não é somente o do Som Brasil ou Sr. Brasil, mas também o Brasil país, da arte escondida pelo monopólio estrangeiro dos meios de divulgação.
O Sr. Brasil
Artística e profissionalmente, este ‘cantadô' tem mais de quarenta anos como violeiro, compositor, cantor, ator, apresentador de TV e escritor. Boldrin — que é hoje uma feliz instituição brasileira — tem como seu trabalho favorito o de apresentador de TV, condição que lhe permite fazer aquilo que mais gosta: revelar o Brasil através da arte, mais precisamente, da música, da poesia, da literatura em geral. Atualmente, incorporou no seu trabalho mostras de peças da arte popular brasileira, produzidas por anônimos que esbanjam criatividade.
Nos anos oitenta tornou-se admirado pelo povo com o programa Som Brasil. Mesmo a mais poderosa e sisuda TV ianque — entre as que monopolizam as emissões televisivas em nosso país, a Globo —, por um bom período teve que se render ao talento de Boldrin.
Seu nome, trabalho e o tema de abertura, Vide vida marvada, de sua autoria, permaneceram intactos, inclusive na memória do povo. Praticamente os programas só mudaram de nome, independente das emissoras por onde tenha passado. Foi Empório brasileiro, na Bandeirantes em 1984; Empório Brasil, no SBT, 1989; Estação Brasil, TV Gazeta, 1997; e agora Sr. Brasil, que com menos de um ano de exibição, já ganhou o prêmio de Melhor Programa da Televisão Brasileira, conferido pela APCA - Associação Paulista de Críticos de Artes.
Filho de proletários — o pai, operário mecânico e sua mãe, uma dona de casa —, Rolando nasceu em 1936, na cidade de São Joaquim da Barra, SP. Aos dezesseis anos desembarcou na capital paulista para "tentar a vida de artista". Depois de muita "cabeçada pra cá e trombada pra lá" como diz, trabalhando como sapateiro, garçom, frentista de posto de gasolina e um ano prestando serviço militar, chegou o momento de darem uma chance ao "capiau magrela" do interior, no dizer dele próprio, pleno de humor contagiante.
O primeiro emprego foi na Rádio Tupi, em 1958. Conforme conta, ficou "mostrando os dentes" pelos corredores e fazendo de tudo um pouco, até assinar um contrato profissional para atuar como ator de rádio e TV, na hoje extinta Tupi.
Rolando não parou mais de trabalhar nessa área. Foram várias peças de tele-teatro; do teatro — participando inclusive dos Arena e Oficina, dois importantíssimos projetos brasileiros de teatros na década de sessenta —; novelas na televisão e dois filmes reconhecidos em vários festivais no Brasil e no exterior, rendendo para Rolando o prêmio de melhor ator coadjuvante, em ambos os trabalhos.
Assim, Doramundo, 1978, narra a opressão sofrida por ferroviários. Vinte anos depois o mesmo diretor do primeiro filme, João Batista de Andrade, o convidou para fazer o seu segundo trabalho no cinema, O Tronco, título homônimo do romance de Bernardo Élis, uma história passada no interior de Goiás, em 1919, narrando a disputa pelo poder entre grandes coronéis feudais. Boldrim interpretou um desses poderosos coronéis.
— Sempre fui muito envolvido emocionalmente com as coisas da minha terra, o Brasil, com a fala do homem simples, do brasileiro de todas as regiões: Norte, Sul, Leste, Oeste. Fiz esses filmes porque tratavam de assuntos brasileiros, com personagens tipicamente nacionais — declara.
— É claro que já trabalhei em peças de autores estrangeiros no teatro, como Máximo Gorki, e da mesma forma na televisão, quando atuava como ator profissional que é escalado para um espetáculo ou uma novela. Mas sempre me aprofundei mais quando se tratava de um personagem e uma história que falasse de Brasil e do seu povo — acrescenta.
— Fui o primeiro ator a fazer, na televisão, TV Tupi, o Odorico Paraguaçu, de O Bem Amado, de Dias Gomes. Era mês de junho e a prefeitura de São Paulo havia construído uma cidade colonial no Parque do Ibirapuera, para a realização das festas juninas da cidade. Então, o diretor Benjamim Catan resolveu aproveitar o cenário, onde tinham: prefeitura, fórum, delegacia, bar, e tudo que ele precisava para filmar, em tele-teatro, como se ali fosse um estúdio de televisão. Assim fizemos a primeira externa da televisão brasileira, ainda em preto e branco — revela Rolando.
Desde então
Rolando conta que desde "menino pequeno", a partir dos sete anos de idade tem se dedicado à música e mantido um grande interesse pela mais autêntica cultura popular e que não saberia explicar o que poderia fazer na vida, além disso.
— Somente, eu entre meus irmãos, nasci com esse "dom" de artista — ele é o sétimo entre doze irmãos. — Cheguei, inclusive, a formar uma dupla caipira com um deles, quando éramos garotos. Só que ele não prosseguiu, não gostava. Mas não premeditei nada. Fui trabalhando e as coisas acontecendo, sempre com um intenso envolvimento com a cultura popular de um modo geral, não só na música — conta.
— Com dez anos, já me interessava em ler Catulo da Paixão Cearense e outros poetas nacionais. Mas nunca me prendi ao regionalismo. Misturava os escritores mineiros, como Guimarães Rosa, com os nordestinos, como Catulo, que era maranhense e o poeta paraibano Zé da Luz. Assim também na música, com os ritmos: cantava um samba de Moreira da Silva, outras vezes Jorge Veiga, também uma música de Orlando Silva, ou de uma dupla caipira — continua.
— Nunca gostei de ser somente um caboclo do interior, dito caipira, que ficou gostando de música caipira somente. Eu canto e falo muito de minha terra, mas quando falo isso, não estou me referindo à região onde nasci, mas do Brasil inteiro. O caboclo da minha terra, que eu digo, é o homem brasileiro dos interiores. Gosto das coisas brasileiras de todas as partes. Isso pode parecer inexplicável para muitos, mas para mim é bem simples: costumo dizer que sou um encarregado de divulgar o Brasil para o brasileiro — acrescenta.
Esse seu modo se revela principalmente nos programas de televisão e nas músicas que já fez e gravou. Recentemente lançou, pela Intercd, um apanhado de sua carreira: uma ‘gaveta' contendo oito CDs, o que dá um total de noventa musicas e 18 declamações, intitulada Vamos Tirar o Brasil da Gaveta, onde se pode encontrar ritmos diversos, entre as modas de viola, cateretês, toadas e sambas. São composições próprias e de autores conhecidos.
— O meu trabalho é muito diversificado. Gravo um samba de Ary Barroso do mesmo jeito que uma moda de viola, Noel Rosa e também Adoniran Barbosa. Na hora de compor, é assim também: misturo tudo. Isso acontece, acredito, porque tenho um amor e um respeito pelo meu país, pelo meu povo, que ultrapassa os limites da paixão comum. Sou fanático pelo meu povo — confessa Rolando.
— No Som Brasil, por exemplo, eu estava sempre falando ‘minha terra', ‘meu país', e costumava declamar poemas que falavam do amor à terra chão, como um versinho do Catulo, que dizia que depois de Deus, era a terra o ente que ele mais amava. Tratava com tais extremos a terra, sempre boa e agradecida, que aos seus sempre implorava que quando deixasse a vida fosse enterrado de bruços, para estar sempre em soluços, beijando a terra querida — fala Rolando.
Por quase dez anos seu programa esteve fora do ar. Nesse período fez outros trabalhos, shows, mas o programa, o que mais gosta de fazer, ficou na gaveta. Já não queria prosseguir porque, acreditava, tinha feito a sua parte. Até que, de repente, como diz, resolveu tirar o Brasil da gaveta. E esse Brasil não é somente o do Som Brasil ou Sr. Brasil, mas também o Brasil país, da arte escondida pelo monopólio estrangeiro dos meios de divulgação.
O Sr. Brasil
Segundo Rolando, Sr. Brasil é um programa amplo, aberto e receptivo. Mostra os ritmos e temas regionais brasileiros que a maior parte do Brasil não tem oportunidade de conhecer. Seu grande compromisso é que tudo seja genuinamente brasileiro e bom.
— O programa foi elaborado para cantar o Brasil, sem bairrismos. Com ele, eu quis mostrar, do meu ponto de vista, que a música brasileira não é somente o samba do Rio de Janeiro, por exemplo, que eu respeito muito e também gravo. A arte brasileira consegue ser bem maior, muito mais rica. O Brasil produz muito mais que isso — diz Boldrin.
— Nós tivemos o Luis Gonzaga, que era do Nordeste, e que fez tanto sucesso nas grandes capitais, como qualquer samba de Noel Rosa. Nós temos compositores e cantores no Sul, em Goiás, no Nordeste e em toda parte do país. É isso que eu quero mostrar, não ficar preso às grandes capitais e esquecer o que tem fora delas — argumenta.
— Observo, por exemplo, que por mais aceito que seja o escritor, com todo o respeito que eu tenho a eles, que são maravilhosos, o Nelsinho Motta, o Sérgio Cabral e outros, sempre dão o enfoque para o Rio de Janeiro, como se a música brasileira estivesse somente no Rio. Assim acredito que cometem um erro — continua.
— O mesmo acontece na literatura: o enfoque fica em torno de dois ou três escritores, como se a literatura brasileira se resumisse neles, perdendo-se a noção da grandiosidade da nossa literatura, da nossa cultura popular. Falam de Guimarães Rosa, que foi mesmo maravilhoso, ou de Jorge Amado, e se esquecem que tivemos e temos grandes contistas, poetas, muitos outros escritores estupendos, espalhados pelo resto do país — fala Rolando.
— Por esse motivo, veio o título Som Brasil. Minha intenção era deixar claro que o programa mostraria o som do Brasil, na arte de uma forma geral, em toda a sua amplitude de cultura brasileira. Como não pude manter o nome Som Brasil em outra emissora, hoje é Sr. Brasil, mas o programa é o mesmo — esclarece.
— O programa foi elaborado para cantar o Brasil, sem bairrismos. Com ele, eu quis mostrar, do meu ponto de vista, que a música brasileira não é somente o samba do Rio de Janeiro, por exemplo, que eu respeito muito e também gravo. A arte brasileira consegue ser bem maior, muito mais rica. O Brasil produz muito mais que isso — diz Boldrin.
— Nós tivemos o Luis Gonzaga, que era do Nordeste, e que fez tanto sucesso nas grandes capitais, como qualquer samba de Noel Rosa. Nós temos compositores e cantores no Sul, em Goiás, no Nordeste e em toda parte do país. É isso que eu quero mostrar, não ficar preso às grandes capitais e esquecer o que tem fora delas — argumenta.
— Observo, por exemplo, que por mais aceito que seja o escritor, com todo o respeito que eu tenho a eles, que são maravilhosos, o Nelsinho Motta, o Sérgio Cabral e outros, sempre dão o enfoque para o Rio de Janeiro, como se a música brasileira estivesse somente no Rio. Assim acredito que cometem um erro — continua.
— O mesmo acontece na literatura: o enfoque fica em torno de dois ou três escritores, como se a literatura brasileira se resumisse neles, perdendo-se a noção da grandiosidade da nossa literatura, da nossa cultura popular. Falam de Guimarães Rosa, que foi mesmo maravilhoso, ou de Jorge Amado, e se esquecem que tivemos e temos grandes contistas, poetas, muitos outros escritores estupendos, espalhados pelo resto do país — fala Rolando.
— Por esse motivo, veio o título Som Brasil. Minha intenção era deixar claro que o programa mostraria o som do Brasil, na arte de uma forma geral, em toda a sua amplitude de cultura brasileira. Como não pude manter o nome Som Brasil em outra emissora, hoje é Sr. Brasil, mas o programa é o mesmo — esclarece.
O cenário Brasil
Rolando conta que a novidade que surgiu com Sr. Brasil é o cenário montado com objetos de arte feitos pelo povo, artistas anônimos. A idéia de aproveitar até o cenário para mostrar a arte brasileira em toda a sua plenitude, é antiga, e a de agora é um aprofundamento extremamente oportuno, um detalhe esplêndido da cenógrafa e também produtora do programa, Patrícia Maia.
O fato é que o programa conta com o apoio de muita gente do povo que assiste o trabalho de Boldrin. Porque, quem assiste não apenas gosta, mas se torna um sincero defensor dessa sua linha de trabalho.
— O cenário da Patrícia é montado inteiramente com esses objetos, que nós recebemos de toda parte do país. Ele é nosso, levamos para o estúdio, gravamos e depois guardamos em nosso escritório. Todos os objetos são feitos por artistas populares, até os de alguns deficientes físicos, que produzem essas obras com os pés ou com a boca. Com esse cenário o programa ficou ainda mais rico — diz Boldrin com autoridade.
— São objetos lindíssimos. Entre eles, temos um chapéu, que veio lá de Tocantins, feito de capim dourado que é belíssimo e muito usado para fazer bolsas, brincos e uma infinidade de objetos, muitas vezes vendidos na Europa, enquanto por aqui pouca gente sabe sequer que esse capim existe — explica.
— No natal passado colocamos um ‘papai Noel caboclo', que recebemos, para abrir o programa. Ao invés de chegar conduzindo um trenó, o nosso "papai Noel" vem sentado em uma canoazinha. A imagem tradicional do "papai Noel" não tem nada a ver com Brasil — relata animadamente.
— O programa é o Brasil. Então, lá dentro está o Brasil, em suas expressões culturais de vários tipos, na música, na poesia, no teatro, nas esculturas, nos objetos de arte feitos pelo povo, com muita criatividade. Alguns, produzidos com material reciclável, outros com coisas da natureza, como o coco que é usado para fazer um carro de brinquedo e o capim dourado, um capim que brilha maravilhosamente sem nenhum tratamento — acrescenta.
— O Brasil cantado, o Brasil representado, o Brasil das poesias, o Brasil dos objetos de arte, dos artistas anônimos, dos grandes nomes; é isso que eu gosto de mostrar. Vou alinhavando tudo no programa, fazendo uma colcha de retalhos, como costumo dizer — define Boldrin.
Tem mais: Boldrin e Patrícia fizeram do estúdio um palco de teatro, onde as portas ficam abertas para atores apresentarem monólogos ou encenar parte do seu espetáculo no palco do Sr. Brasil.
— Se alguém quiser apresentar uma peça, desde que tenha a ver com Brasil, é muito bem vindo. Outro dia levei o grande ator Renato Consorte para fazer um monólogo do Paulo Vansoline. Também o Tuca Andrada foi ao programa e encenou uma parte da peça que ele faz sobre a vida de Orlando Silva. Pedi para ele cantar duas músicas do espetáculo e foi maravilhoso. Se o Oscarito estivesse vivo eu o chamaria, com certeza, para se apresentar no palco do programa — fala Rolando com firmeza.
— E falando em Oscarito, não entendo porque fazem esses bonecos do Gordo e o Magro, personagens estrangeiros, para vender em lojas por aqui, enquanto temos os nossos próprios artistas, que igualmente fizeram muita gente rir. Ao invés desses bonecos , por exemplo, poderíamos encontrar um do Oscarito ou do Mazzaropi — diz Rolando.
O povo, seu território, símbolos nacionais consagrados, tudo está presente nos mais variados aspectos do programa, inclusive nas cores da bandeira nacional, usadas para compor o cenário, aparecendo, entre outros, na cortina que abre para começar o espetáculo e na imensa lua azul, ao fundo, lembrando a bola que fica no centro da bandeira brasileira.
Tem uma fala, muito especial para ele, de sua autoria, feita especialmente para o programa, que declama com um sorriso nos lábios:
— Minha terra é a criança pura, boa, inocente, é também o sofrido adolescente, ou então o jovem combativo e sonhador. Em tempo novo, redivivo, eis que o meu país se prepara em tom definitivo, para ser tratado de senhor: senhor Brasil.
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FONTE (foto incluída): kaosenlared.net - Barcelona,Cataluña,Spain
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