terça-feira, setembro 16, 2008

O Rio de Janeiro de Stanislaw Ponte Preta

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de Lanfranco Vaselli, ou se preferem o LAN
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O Rio de Janeiro de Stanislaw Ponte Preta

Historiadora Claudia Mesquita lança hoje obra que narra as proezas de um dos personagens mais bem-humorados de todos os tempos da crônica carioca

Francisco Quinteiro Pires
Agência Estado

Conta-se por aí que, no dia 29 de setembro de 1968, Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta chegaram juntos ao céu. Ambos sofreram um infarto na mesma hora. Segundo se imagina, estando lá em cima eles puderam acertar as contas pendentes. Uma delas era a confusão corriqueira que se fazia com os dois: Sérgio e Stanislaw eram a mesma pessoa. Que grande equívoco! Quase 40 anos após sua morte, Sérgio Porto deixa como legado a idéia de que é possível apostar na imaginação e no humor como projetos humanistas. Ele é o criador de Stanislaw Ponte Preta, personagem do qual se tornou escravo por conta do sucesso.

Essa é a opinião da historiadora Cláudia Mesquita, autora da biografia 'De Copacabana a Boca do Mato: O Rio de Janeiro de Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta' (Edições Casa de Rui Barbosa, 332 págs., R$ 20), que será lançado hoje no Rio de Janeiro. Cláudia participa de debate com Ângela Porto, uma das três filhas de Sérgio, a historiadora Isabel Lustosa e Paulo Roberto Pires, editor da Agir, que está relançando as obras do jornalista carioca. A 'Revista do Lalau', com textos inéditos e dispersos, chega às livrarias no fim deste mês.

Cláudia desenvolveu a tese de que, em vez de pseudônimo, Stanislaw é o heterônimo (por ter personalidade distinta) de Sérgio, com o qual sintetizou duas culturas, a da zona norte (Boca do Mato) com a da zona sul (Copacabana), e dois cariocas, o solar (o homem de praia) com o noir (o cronista da noite).

"Com o heterônimo, Sérgio Porto uniu uma cidade que começava a ser tornar ‘partida’ pela modernização do Rio", diz Cláudia. A solidariedade, vencida pelo crescente egoísmo, deixou de ser prática cotidiana para se tornar utopia do passado. E objeto de idealização, fenômeno que permanece até hoje: os anos JK e o advento da bossa nova são lembrados como o momento exemplar de um país otimista e feliz. "Mas nem tudo era felicidade", ela diz. "Talvez a explicação para essa visão atual esteja na necessidade de se voltar ao passado para fugir do presente", arremata.

Quando Cláudia Mesquita diz que o Rio é um espaço dividido, ela se refere ao livro 'A Cidade Partida', do jornalista Zuenir Ventura. Durante 10 meses, ele freqüentou a favela de Vigário Geral e acompanhou a mobilização da sociedade civil contra a violência, o que resultou no movimento 'Viva Rio' Asfalto e morro se encontravam para se aniquilar. Cláudia diz que a separação abissal entre zona sul e subúrbio, microcosmo do que ocorre em território nacional, começou com a transferência da capital para Brasília, em 1960, mesma época da criação da "cultura do carioquismo". "A mudança da capital provocou a vontade de criar uma identidade carioca, era uma compensação pela perda do status", ela explica.

Nos anos 1950, com a modernização da imprensa brasileira, os cronistas ganharam uma legitimidade inédita. "Sérgio Porto era o mais carioca dos cronistas." Mas a consolidação do carioquismo precisou de "estrangeiros": Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, (mineiros), Rubem Braga (capixaba), Nelson Rodrigues (pernambucano), entre outros.

Stanislaw Ponte Preta foi criado no 'Diário Carioca', em 1953, para substituir Jacinto de Thormes, um colunista social. A condição de Sérgio Porto era escrever com liberdade e sob um pseudônimo. "Achava que, acima de tudo, devia ser petulante para competir com os cronistas mundanos que, por mais importante que fosse a notícia a publicar, falavam de si mesmos antes de dar a notícia", ele explicou no prefácio de 'Tia Zulmira e Eu'.

"Minha intenção era encontrar o Sérgio Porto por trás do Stanislaw Ponte Preta", diz Cláudia. E o que ela encontrou foi um homem lírico e nostálgico com a Copacabana onde morou a vida toda (na mesma rua e número, no 53 da Leopoldo Miguez), invadida pelos prédios com quitinetes e desbancada como bairro da moda pela "República de Ipanema". "Ele viu a modernização com angústia, com sentimento de perda." Assim ele se revelou em 'A Casa Demolida' e 'As Cariocas', livros de crônicas.

De Sérgio Porto pode-se dizer o que Brás Cubas, personagem de Machado de Assis, disse sobre si mesmo: ele escreveu com a pena da galhofa e a tinta da melancolia. A posteridade, no entanto, está acostumada a prestar atenção somente à sua pena. Ou, para ser mais preciso, à sua Olivetti, máquina de escrever da qual tirava o olho só para pingar colírio, assim ele se referia ao excesso de trabalho, que aumentaria se não tivesse morrido, ao 45 anos, antes de o AI-5 ser instituído em dezembro de 1968. Stanislaw passou a esconder um homem cada vez mais triste e indignado com a ditadura militar, segundo Cláudia. E a boa notícia nessa história é que, depois, lá no além-mundo, Sérgio Porto promoveu outra conciliação, agora com o seu personagem. Um humanista, ele perdoou Stanislaw Ponte Preta, aquele por quem se deixou "gostosamente destruir".

FONTE: Diário de Cuiabá - MT, Brazil

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