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A pele iniciática das palavras
Poesia da angolana Ana Paula Tavares Ler a poesia da angolana Ana Paula Tavares é permitirmo-nos uma experiência senorial inominável, porquanto as suas palavras têm pele, sons, cheiros, sabores e a torrente do arrepio.
«Dactilas-me o corpo / de A a Z / e reconstróis / asas / seda/ puro espanto /por debaixo das mãos /enquanto abertas /aparecem, pequenas/ as cicatrizes», escreveu a autora no poema Alfabeto, em Ritos de Passagem, o seu primeiro livro de poesia, editado em Angola, em 1985; nascia, então, uma poetisa e colonizava-se a literatura lusófona.
Agora reeditado pela Editorial Caminho, que o apresentou no dia 20 de Fevereiro, em Lisboa, Ritos de Passagem surge com ilustrações impressivas de Luandino Vieira. É uma leitura cromática, a manchas de café, tinta-da-china, sensualidade e erotismo, comprovando-se que o escritor angolano é um dos cativos dos ritos da autora de Manual para Amantes desesperados.
Ao todo, são vinte e quatro poemas dispostos em três partes («De cheiro macio ao tacto», «Navegação circular» e «Cerimónias de passagem»), ou três «andamentos», como diz Inocência Mata no Prefácio, aludindo às etapas do processo de aprendizagem do Eu poético nesta cerimónia vocabular iniciática.
Feminina, confundindo-se com a terra e a nação, também femininas, nas quais se prolonga e se explica, a poesia de Ana Paula Tavares tece-se nos anseios primordiais. Nos frutos, quase todos de África, numa sequência de poemas, a autora desvela, com depuração, o mistério feminino. Assim surge a «abóbora menina», com as fases da preparação da mulher («folhinhas verdes/ flor amarela/ ventre redondo»), primeiro menina, «de segredos bem escondidos», depois adolescente, «procurando ser terra», e depois fêmea fecunda que espera que «nela desaguam todos os rapazes»; assim irrompe o erotismo do Mamão, que, cortado longitudinalmente, mostra a carne rosada e húmida, declara a metáfora do desejo e do prazer, a «Frágil vagina semeada /pronta, útil, semanal», onde se formam as ânsias, «se alargam as sedes» e «no meio cresce / insondável / o vazio…».
Feminina, confundindo-se com a terra e a nação, também femininas, nas quais se prolonga e se explica, a poesia de Ana Paula Tavares tece-se nos anseios primordiais. Nos frutos, quase todos de África, numa sequência de poemas, a autora desvela, com depuração, o mistério feminino. Assim surge a «abóbora menina», com as fases da preparação da mulher («folhinhas verdes/ flor amarela/ ventre redondo»), primeiro menina, «de segredos bem escondidos», depois adolescente, «procurando ser terra», e depois fêmea fecunda que espera que «nela desaguam todos os rapazes»; assim irrompe o erotismo do Mamão, que, cortado longitudinalmente, mostra a carne rosada e húmida, declara a metáfora do desejo e do prazer, a «Frágil vagina semeada /pronta, útil, semanal», onde se formam as ânsias, «se alargam as sedes» e «no meio cresce / insondável / o vazio…».
No poema «Colheitas», traça-se o percurso da mulher em paralelo com o da natureza, com os círculos que completam sobre si mesmas, a natureza por anos de sementeira, a mulher pelos vinte e oito dias do seu ciclo menstrual: «uma viagem /nasce-se, brota-se do chão /e dez anos depois o primeiro / forma-se espera e cai / por gravidade / ao vigésimo oitavo dia».
Noutro poema, a mulher surge fragmentada no seu ser e na sua condição, mas também reivindicando a sua unicidade, a sua utopia, o desejo de libertação; é a mulher confrontada com os seus limites, mas também confrontada com o apelo fundo para os ultrapassar e a vontade de dar conta disso a todas as mulheres:
Desossaste-me
Desossaste-me
cuidadosamente
inscrevendo-me
no teu universo
como uma ferida
uma prótese perfeita
maldita necessária
como uma ferida
uma prótese perfeita
maldita necessária
conduziste todas as minhas veias
para que desaguassem
nas tuas
sem remédio
meio pulmão respira em ti
o outro, que me lembre
o outro, que me lembre
mal existe
Hoje levantei-me cedo
pintei de tacula e água fria
o corpo aceso
pintei de tacula e água fria
o corpo aceso
não bato a manteiga
não ponho o cinto
não ponho o cinto
VOU
para o sul saltar o cercado.
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Ritos de Passagem, Ana Paula Tavares; Editorial Caminho, Lisboa, 2007
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FONTE: Kaminhos On-line - Covilhã,Covilhã,Portugal
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