terça-feira, setembro 04, 2007

URUBAMBA - Astrid Cabral


Astrid Cabral

URUBAMBA

Línguas d'água

barbas e bigodes de espuma

o rio lambe as pedras qual bicho

as recém-nascidas crias.

Só que as pedras são filhotes das montanhas

paridos em antigo parto sísmico.

De longe até parecem um rebanho

cujas formas agudas se perderam
na lima de milênios. Lhamas? Vicunhas? Alpacas?

Algumas menores até lembram ovos fósseis

de extraviado pré-histórico lagarto ou ignoto sáurio.
Só que o rebanho pasta imóvel.
As pedras presas por raízes de peso
são pausas brancas e têm pacto
com as paquidermes montanhas
hieráticas em molduras sagradas.
Mas o Urubamba célere, incontido

foge do cárcere da cordilheira

a vasta muralha dos paredões a pique.
Pés d'água e rendas pelo ombro
ventre prenhe de trutas e murmúrio de mar na garganta

o caudal vai ultrapassando as pedras

rompendo o verde paralítico das margens

atrás do escancarado céu em frente

lá onde abraçado ao regaço do Amazonas

soma-se ao oceano arregaçando auroras

sustentando navios gigantes que são ilhas à deriva

sem a placidez das pedras tentando

toa amarrar a correnteza do efêmero.

Machu Picchu, 10/06/2001)

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