Astrid Cabral
URUBAMBA
Línguas d'água
barbas e bigodes de espuma
o rio lambe as pedras qual bicho
as recém-nascidas crias.
Só que as pedras são filhotes das montanhas
paridos em antigo parto sísmico.
De longe até parecem um rebanho
cujas formas agudas se perderam
na lima de milênios. Lhamas? Vicunhas? Alpacas?
Algumas menores até lembram ovos fósseis
de extraviado pré-histórico lagarto ou ignoto sáurio.
Só que o rebanho pasta imóvel.
As pedras presas por raízes de peso
são pausas brancas e têm pacto
com as paquidermes montanhas
hieráticas em molduras sagradas.
Mas o Urubamba célere, incontido
foge do cárcere da cordilheira
a vasta muralha dos paredões a pique.
Pés d'água e rendas pelo ombro
ventre prenhe de trutas e murmúrio de mar na garganta
o caudal vai ultrapassando as pedras
rompendo o verde paralítico das margens
atrás do escancarado céu em frente
lá onde abraçado ao regaço do Amazonas
soma-se ao oceano arregaçando auroras
sustentando navios gigantes que são ilhas à deriva
sem a placidez das pedras tentando
toa amarrar a correnteza do efêmero.
Machu Picchu, 10/06/2001)
Nenhum comentário:
Postar um comentário