segunda-feira, julho 23, 2007

VAIAS, BRIGAS E JUDÔ por Domingos de Souza Nogueira Neto


VAIAS, BRIGAS E JUDÔ

Domingos de Souza Nogueira Neto(*)

Confesso que nunca fui "o cara!", o grande atleta, o campeão. Ao contrário, fui atleta fraco, emocionalmente frágil, descoordenado e lento, desde que comecei a praticar judô. De baixo para cima vi inúmeros campeões passando por mim, se distanciando e voando para os podiuns, sem sequer notarem meus acenos de felicidade e boa sorte. As únicas vitórias que pude obter (não riam de mim) foi sobre mim mesmo, me tornando um pouco menos fraco, um pouco mais rápido e um pouco mais seguro emocionalmente. Mas nada que ninguém, que não eu mesmo, pudesse notar.

Tive grandes professores José de Barros, Oswaldo Ishikawa, Suigi Suma, Mitsugo Iwafume, Seya Hirashima e Geraldo Brandão de Oliveira, todos, cada um ao seu modo, tentaram realizar o meu sonho de atleta, mas não puderam fazer de mim o que não pude fazer por mim mesmo.

Assim, talvez tenham toda a razão os que vierem a concluir que não tenho autoridade para dizer o que pretendo. Hoje caminho para os meus cinquenta anos.

Meus professores me ensinaram a comprimentar com uma reverência aos meus adversários, fosse qual fosse o resultado da luta, e esta manifestação, fleumática, foi toda a comemoração e todo o protesto que aprendi, nas minhas vitórias e derrotas. Nem um golpe que julguei baixo, nem uma arbitragem que considerei incorreta, uma lesão que me causasse dor, jamais me impediram de levantar e cumprimentar o oponente. Mais tarde, por minha conta, acrescentei um abraço e um agradecimento, igualmente incondicionais.

Nunca cogitei de dar saltos após uma vitória, murros no ar, inflamar a torcida, questionar arbitragens ou adversários. Não sei se porque nunca acreditei que algo no meu judô pudesse valer isto, porque respeitasse o momento de recolhimento e dor sempre juntos da derrota (minha boa amiga), ou talvez porque não fosse isto realmente que acreditasse ser o principal no ensinamento dos meus mestres.

Hoje o acirramento cada vez maior da competitividade, o espírito comercial que se apropria das olimpíadas, a profissionalização de atletas, parece conduzir o judô para caminhos cada vez menos suaves, territórios de animosidade e desrespeito. O Judoísta criado para ser um paradigma de atitude e identidade moral, se afasta cada vez mais de si mesmo, divulgando ao competir ainda que a nível simbólico, uma mensagem que contagia o público pelas razões erradas.

Para que não fique o debate no campo meramente opinativo, o que se agrava por ser tão insignificante a opinião, transcrevemos uma monografia importante, que certamente dirá algo aos apreciam o Judô:

"Congruencia dos princípios do olimpísmo e judô

O Fenômeno desportivo moderno, resultado do processo de esportivização da cultura corporal de movimento das classes populares inglesas (RÚBIO, 2001), desenvolvido com intenção de promover de vida ativa e saudável, foi apoiado pela necessidade de corpos robustos e saudáveis para combater as possíveis investidas inimigas.
Na intenção de revalorizar os aspectos pedagógicos do desporto grego e universalizar a instituição desportiva, Pierre de Freddy, o Barão de Coubertin, buscou através do Movimento Olímpico Internacional (MOI) valorizar a competição leal e sadia, o culto ao corpo e à atividade física, reflexo de sua concepção humanista (RÚBIO, 2001). Ele observava o desporto como fator direto para o equilíbrio entre as qualidades físicas e intelectuais, e assim, conseqüentemente assegurar a paz universal (RÚBIO, 2001, p.129).
O MOI teve início em 23 de junho de 1894, na Universidade de Sorbonne, a partir da proposta de Pierre de Freddy de reviver os Jogos Olímpicos da Antiguidade Grega (DE FRANCESCHI NETO, 1998, p.720). Concomitante a idéia do MOI, foi institucionalizado o conceito de Olimpísmo, que idealizado pelo fundador do MOI durante o "International Athletic Congress" de Paris (BARA FILHO, 1998), sendo que ele foi caracterizado pelos princípios fundamentais 2 e 7 da Carta Olímpica de 1994.
O segundo princípio fundamental caracteriza o Olimpísmo como:

"(...) uma filosofia de vida, que exalta e combina num conjunto equilibrado, as qualidades do corpo, espírito e mente. Misturando o esporte como cultura e educação, Olimpísmo busca criar um modo de vida baseado na alegria encontrada no esforço, no valor educacional do bom exemplo e respeito aos princípios éticos universais fundamentais" (ABREU, N; DaCOSTA, L.P. 1998, p.703).

E o sétimo princípio, dizendo respeito à universalidade aponta que:

"A atividade do Movimento Olímpico, simbolizada pelos 5 arcos entrelaçados, é universal e permanente. Ela cobre os cinco continentes. Atinge seu auge com o congressamento dos atletas mundiais na maior festa do esporte, os Jogos Olímpicos" (ABREU, N; DaCOSTA, L.P. 1998, p.703).

No entanto, já em 1898 foi desenvolvida uma Carta Olímpica tratando dos principais objetivos do Movimento Olímpico, nela Coubertin caracteriza como objetivos do Olimpísmo, referenciando o esporte moderno (VALENTE, 1997, p.169):
Promover o desenvolvimento das qualidades físicas e morais, enquanto princípios
básicos do esporte;
Educar a população jovem, através do esporte, buscando estimular-lhe um espírito de melhor entendimento e amizade, para a construção de um mundo melhor e mais pacífico;
Espalhar os princípios olímpicos, pelo mundo, em um grande festival esportivo, os Jogos Olímpicos.

Para MÜLLER (1988) apud VALENTE (1997, p.169), o Olimpísmo caracterizado pelo Barão de Coubertin não estava ligado à estrutura organizacional do Movimento Olímpico nem a dos Jogos Olímpicos. Coubertin se fundamentou em dois grandes pilares no projeto do Olimpísmo, o amadorismo e o fair play. Observa-se atualmente que estes conceitos estão desvirtuados de seu significado original no contexto esportivo, primeiro que o atleta que representa uma nação tem vínculos com patrocinadores, compromissos com a mídia e etc., e segundo, o fair play, o "espírito esportivo", ou "jogar limpo" é o conjunto de princípios éticos temporais (ou atemporais?) que norteiam a prática esportiva competitiva.
Apesar de sua formação humanísta e de vinculos aristocráticos, Barão de Coubertin sofreu fortes influências de Thomas Arnold, eclesiástico britânico, catedrático do colégio de Rugby, que combinava a disciplina intelectual com atividades atléticas, antes de impor uma severa disciplina aos jovens, ele lhes concedia uma ampla confiança e autonomia, sendo o promotor do moderno sistema self-governement, através de pedagogia de responsabilidade individual e da solidariedade social. Por meio do esporte Thomas Arnold impunha disciplina, domínio de si mesmo e respeito ao adversário, constituindo a verdadeira esportividade (CARRAVETA, 1997, p.18).
Assim como o Barão de Coubertin, Thomas Arnold acreditava no comprometimento psicofísico, moral e social por meio do esporte, e, nos Jogos da V Olimpíada 1912 - Estocolmo - proclama que o esporte deve estar a serviço da educação moral e social, contribuindo na formação do indivíduo, sendo ele o veículo de comunicação, compreensão e pacificação entre os povos (CARRAVETA, 1997, p.43).
Contudo observando materiais acadêmicos a respeito do Olimpísmo, e tendo como data base o ano de 1894 para início do MOI e do Olimpísmo, passa-se agora a explicitar o ideal de Jigoro Kano, em meados de 1880, propondo que um mesmo conjunto de idéias e ideias podem surgir numa mesma época em locais distintos, e tendo a mesma importância deveriam ser igualmente reconhecidos.
Nascido em 1860, em Mikage - Japão, Jigoro Kano foi um expoente da sociedade oriental. Com físico desprivilegiado para a maioria dos esportes buscou no antigo Ju Jutsu a compensação com inteligência e força de vontade, estudando em várias escolas vivenciou diversas "correntes" de ensino do Ju Jutsu.
Em 1882 se formou em Filosofia, Economia e Ciência Política pela Universidade Imperial de Tóquio, ano em que funda sua escola de prática de lutas corporais, o KODOKAN (Escola para Estudar o Caminho), onde Jigoro Kano buscou trabalhar qualidades como o relacionamento, a fraternidade, a disciplina, o civismo e o respeito (VIRGÍLIO, 2000), buscando disseminar novo método de luta mais esportivo e embasado, mais seguro e sem segredos que impedissem divulgação generalizada, podendo ser usufruido por todos, desde crianças até adultos em idade avançada; teve Jigoro Kano brilhante desenvolvimento acadêmico, social e político, sendo professor e vice presidente e reitor do Colégio dos Nobres, secretário da Educação Nacional, diretor da Escola Normal Superior, presidente do Centro de Estudos das Artes Marciais, tendo hoje o título de Pai da Educação Física no Japão" (VIRGÍLIO, 1994, p.20).
Ao final do século XVIII havia no Japão fortes movimentos de lutas corporais, a falta cordialidade, retidão e amizade imperava entre as diversas escolas, sendo que a sobrevivência delas vinha através de combates onde se valorizava a vitória acima de tudo, sendo a supremacia conquistada como garantia de existência, tendo no fim a justificativa dos meios, e é nesse contexto que Jigoro Kano funda o Judô (Caminho Suave) em 1882, oportunizando a prática sem distinção de classe social, idade e condição física, mas para isso novos valores esportivos deveriam ser sobrepostos aos antigos e através de técnicas menos lesivas, normas, princípios e filosofias ele antecipa o ideal proposto por Barão de Coubertin, buscando com o Judô objetivos altos e nobres, de exaltação do caráter e úteis à sociedade (VIRGÍLIO, 1994, CADERNO TÉCNICO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DO JUDÔ, 1999, KANO, J, 1994).
No ano de 1909 ele se torna o primeiro asiático membro do Comitê Olímpico Internacional. Em 1912 Kano vai à Europa para assistir a 5ª Olimpíada, em Estocolmo, na Suécia. Nesta situação é homenageado pelo rei da Suécia por seus esforços para promover o desporto dentro de um espírito elevado. Em 1920, na Bélgica (Amberes) ele vai à Europa novamente, agora com o grande objetivo de divulgar o judô.
Jigoro Kano, segundo Virgílio, 1994, propõe através do Judô uma "via de ceder", um "caminho suave" no sentido de aperfeiçoamento moral e espiritual, além de físico e intelectual, preconizando a Paidéia - formação integral do ser humano.
O espírito do Judô é composto por duas máximas e nove princípios, que segundo Virgílo, 1994, são:
Seryoku Zenyô (Máxima eficácia com o menor desprendimento energético) e Jita Kyoei (Prosperidade e benefícios mútuos) os quais deveriam ser praticados e levados para a sociedade, e nove princípios:


Conhecer-se é dominar-se, e dominar-se é triunfar.

Quem teme perder já está vencido.

Somente se aproxima da perfeição que a procura com constância, sabedoria e, sobretudo, humildade.

Quando verificares, com tristeza, que nada sabes, terás feito teu primeiro progresso no aprendizado.

Nunca te orgulhes de haver vencido um adversário, quem venceste hoje poderá derrotar-te amanhã, a única vitória que perdura é a que se conquista sobre a própria ignorância.

O judoca não se aperfeiçoa para lutar, luta para se aperfeiçoar.

O judoca é o que possui inteligência para compreender aquilo que lhe ensinam e paciência para ensinar o que aprendeu aos seus companheiros.

Saber cada dia um pouco mais, utilizando o saber para o bem, é o caminho do verdadeiro judoca.

Praticar o judô é educar a mente a pensar com velocidade e exatidão, bem como ensinar o corpo a obedecer corretamente.

O corpo é uma arma cuja eficiência depende da precisão com que se usa a inteligência.


Através da filosofia do Judô transmite-se oralmente um conhecimento tradicional de qualidades saudáveis, sendo representativas, e quando levadas à mais correta jornada, leva ao indivíduo ideal, estas atitudes saudáveis, elencadas por Virgílio, 2000, são a higiene pessoal e social, disciplina, dedicação, história do esporte, relacionamentos interpessoais, respeito aos próximos, civilidade à nação, moral, constância ou persistência na prática e humildade social.
Tais indicativos foram propostos concomitantemente (apesar da diferença de datas) por Jigoro Kano, o fundador do Judô e por Pierre de Freddy, o Barão de Coubertin, fundador do Olimpísmo, deixando claro que os mesmos conceitos podem surgir numa mesma época em diferentes contextos.
Para Franchini; DaCosta (2002) a proposta de Jigoro Kano, de formar indivíduos socialmente participantes, para promoção social, sob os princípios de Jita Kyoei e Seiryoku Zen'yo se tornam próximos aos conceitos da cultura grega antiga de kalos kagatos (harmonia entre corpo, cultura e moral) e arete (excelência), ambos recuperados pelo Barão de Coubertin, para formação do Olimpismo.
Assim, observa-se que, enquanto Barão de Coubertin se organizava para e interessava em reeditar os Jogos Olímpicos nos anos próximos a 1880, Kano sistematizava seu desporto, o judô, sobre as bases de diversos estilos do antigo ju-jutsu, luta que estava vem destacada decadência no referido período (FRANCHINI, DaCOSTA; 2003).



Referências bibliográficas:

ABREU, N; DaCOSTA, L. P. Olimpísmo e Multiculturalismo - Aproximação Histórica. VI Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física. Rio de Janiero : Editorial Central da UGF, 1998, p. 701 - 705.

BARA FILHO, M. G; DaCOSTA, L. P. O papel do olimpísmo na história do esporte do trabalhador. VI Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física. Rio de Janiero : Editorial Central da UGF, 1998, p. 706 - 711.

CADERNO TÉCNICO DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DO JUDÔ. Federação Paulista de Judô, 1999

DE FRANCESCHI NETO, M. Os Jogos olímpicos da antiguidade graga: Mitos e realidades. VI Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física. Rio de Janiero : Editorial Central da UGF, 1998, p. 720 - 724.

FRANCHINI, E.; DaCOSTA, L. P. Fundamentos do judô aplicados à educação olímpica e ao desenvolvimento do Fair Play. IN: Turini, M; DaCosta, L. P. Coletânea de textos em estudos olímpicos. Rio de Janeiro: Editora Gama Filho, 2002, p.355-372.

KANO, J. KODOKAN JUDO. Tokio: Ed. Kodansha International, 1994.
RÚBIO, K. O Atleta e o Mito do Herói: O imaginário esportivo contemporâneo. São Paulo : Casa do Psicólogo, 2001.

VIRGÍLLIO, S. A Arte do Judô. 3ª Ed. Porto Alegre : Ed. Rígel, 1994.

VIRGÍLO, S. A Arte e o Ensino do Judô. Porto Alegre : Ed. Rígel, 2000. "

Fonte: Lecturas: EF y Desportes - Revista Digital - http://www.efdeportes.com/

Fabricio Boscolo Del Vecchio*

fmailto:f_boscolo@bol.com.br


Leonardo Mataruna**

mataruna@ufrj.br ".

Não se acanhem ao considerarem estes textos românticos, saudosistas ou mesmo tolos. Foi para isto que nasceu este blog: Para que o vencido agradeça ao vencedor, ainda que se sinta injustiçado e o abrace perante a torcida e para que esta possa compreender a verdadeira beleza do nosso esporte. A verdadeira dificuldade do Judô é a capacidade que temos que ter de curvar-nos, flexíveis, diante das adversidade, para levantarmo-nos depois, um pouco mais fortes, do que nós mesmos.


(*) O Autor é faixa prêta de segundo dan e vice-presidente da Federação Mineira de Judô.


Um comentário:

  1. Valdiva6:06 PM

    Oi Domingos,


    tenho lido os seus textos neste blog e procurado te reconhecer por sua palavra escrita. Eu sou alguém que nunca fez nada com perfeição e que te ama e admira vendo em você virtudes e a perfeição que almeja. Sabe, estou pensando, com sinceridade, em me matricular em uma academia de judô e, em clara opção pelo caminho suave, me preparar pra te enfrentar nesta luta. Pode demorar muito,né?

    ResponderExcluir