25/7/2007 17:07:00
A eternidade nos labirintos de Borges
Por Pedro Maciel
É lugar comum situar Borges como o pai da literatura fantástica latino-americana, ou como um reinventor de lendas e fábulas medievais. Em sua “Autobiografia” (1899-1970) escrita com Norman Thomas de Giovanni, Borges declara que a sua obra de estréia “Fervor de Buenos Aires”, “era essencialmente romântica.” E prossegue: “Tenho a sensação de que tudo o que escrevi depois não foi mais do que o desenvolvimento de temas apresentados em suas páginas; sinto que durante toda minha vida estive reescrevendo este único livro.” Toda literatura é uma reescritura (paródia).
No plano espiritual o autor de “Ficções” é discípulo de Chesterton, Wells, Poe, Conrad, Kafka, Stevenson, Kipling, entre outros. É comum também considerá-lo como um bruxo que habitou a torre de Babel (o universo) para investigar os mistérios do “Livro da Criação”.
Em “Esse Ofício do Verso”, organizado por Calim-Andrei Mihailescu, reunião de seis palestras consideradas perdidas pelos seus biógrafos, nota-se que a poesia é o que norteia o seu credo literário: “o fato central de minha vida foi a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia.” Esses testemunhos foram proferidos na Universidade de Harvard no outono de 1967. Borges trata de vários temas, como os enigmas da poesia, a metáfora, o narrar de uma história, a tradução e a música das palavras. Proferiu essas palestras sem a ajuda de notas, já que a sua visão o impossibilitava de ler. Nelas, exalta os seus antepassados, os seus sonhos; dialoga com Homero, Virgílio, o Alcorão, a Bíblia e discute com os seus autores preferidos como Cervantes, Shakespeare, Keats, Poe e Whitman.
Borges mistificou os leitores ao imitar vários idiomas de épocas distintas. Escreveu ensaios sobre livros que nunca foram escritos. Inventou histórias que poderiam ser reais. Imaginou biografias de autores que nunca existiram. É antes de tudo um autor satírico, autor exemplar de idéias, arquiteto de labirintos, descobridor do fantástico no real.
Adepto da ficção absurdamente elaborada. De estilo imprevisível; alterna humor, erudição, deslumbramento e ironia. Sobre a construção de sua estética, Borges anota no prólogo do livro “Elogio da Sombra” que “não sou possuidor de nenhuma estética. O tempo ensinou-me algumas astúcias: evitar os sinônimos, que têm a desvantagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos, argentinismos, arcaísmos e neologismos; preferir as palavras habituais às palavras assombradas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos agora pelo leitor; simular pequenas incertezas, já que, se a realidade é precisa, a memória não o é; narrar os fatos (isto aprendi em Kipling e nas sagas da Islândia) como se não os entendesse totalmente. Tais astúcias ou hábitos não configuram certamente uma estética. Além do mais, descreio das estéticas. Em geral, não passam de abstrações inúteis...”
Estudioso do mundo metafísico, “dos mortos que perduram em mim”, da linguagem, das instituições, da pátria, do tempo, dos seres imaginários, do sonho dos heróis, da perplexidade do homem moderno, da vida que provavelmente sucede a morte.
No poema “O Nosso”, o autor argentino revela alguns temas que o perseguiram por toda vida: “Amamos o que não conhecemos, o já perdido./ O bairro que foi arredores./ Os antigos que não nos decepcionarão mais/ porque são mito e esplendor./ Os seis volumes de Schopenhauer que jamais terminamos de ler./ A saudade, não a leitura, da segunda parte do Quixote./ O Oriente que, na verdade, não existe para o afegão, o persa ou o tártaro./ Os mais velhos, com quem não conseguiríamos/ conversar durante um quarto de hora./ As mutantes formas da memória, que está feita do esquecido./ Os idiomas que mal deciframos./ Um ou outro verso latino ou saxão que não é mais do que um hábito./ Os amigos que não podem faltar porque já morreram./ O ilimitado nome de Shakespeare./ A mulher que está a nosso lado e que é tão diversa./ O xadrez e a álgebra, que não sei.”
Quase tudo já se falou do escritor que conta/canta a história da eternidade. Do ensaísta que se transforma em contista, do historiador que recupera o memorialista, do biógrafo que inventa o ficcionista e do poeta que sucede ao lingüista.
Também já se falou muito do Borges como narrador e personagem de suas histórias. Mas é o próprio Borges, autor do texto “Borges e Eu”, incluído em “O Fazedor”, que narra para o leitor os dois Borges fundamentais: “Eu permanecerei em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas me reconheço menos em seus livros do que em muitos outros ou do que no laborioso rasqueado de uma guitarra. Há alguns anos tentei livrar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei que imaginar outras coisas. Assim minha vida é uma fuga e tudo eu perco e tudo é do esquecimento, ou do outro. Não sei qual dos dois escreve esta página”.
Borges decifra a identidade do Eu através dele mesmo, no momento em que ele sabe para sempre quem é. O outro, o duplo, o infinito, o espelho, o reflexo, a reflexão, fazem parte de um jogo enigmático e que pode revelar a linguagem contida na enciclopédia borgeana.
O autor de “Biblioteca Pessoal” criou textos/variações sobre o mesmo tema para recuperar a idéia do “outro”; ele enxergou o seu outro, que é o seu eu. Na obra de Borges, os espelhos são abomináveis, “porque multiplicam o número de homens”, refletem o inferno, os crepúsculos, o não-lugar, a hora sem metáfora, os labirintos, os tigres, a dispersão do sono e dos sonhos, a misteriosa vida humana.
Borges releu a biblioteca da humanidade com o objetivo de confirmar a inexistência do conceito de originalidade e, talvez, verificar que “os grandes versos da humanidade não foram ainda escritos. Essa é a imperfeição de que alegra-se nossa esperança”.
Trecho de “O Credo de um Poeta”, do livro “Esse Ofício do Verso”, de Jorge Luis Borges
Quando escrevo, tento ser fiel ao sonho e não às circunstâncias. Claro, em minhas histórias (dizem-me que devo falar sobre elas) há circunstâncias verdadeiras, mas de algum modo senti que essas circunstâncias deviam ser contadas com certo quinhão de inverdade. Não há satisfação em contar uma história como realmente aconteceu. Temos de mudar as coisas, ainda que as achamos insignificantes; caso contrário, não devemos nos tomar como artistas, mas talvez como meros jornalistas ou historiadores. Embora suponha que todos os verdadeiros historiadores soubessem que podiam ser tão imaginativos quanto os romancistas. Por exemplo, quando lemos Gibbon, o prazer que desfrutamos dele é bastante afim ao prazer que desfrutamos da leitura de um grande romancista. Suponho que ele tivesse de imaginar as circunstâncias. Há de ter tomado a si mesmo como tendo criado, num certo sentido, o declínio e a queda do Império Romano. E o fez de modo tão magnífico que não me interessa aceitar nenhuma explicação.
(...) Quando escrevo, não penso no leitor (porque o leitor é um personagem imaginário) e não penso em mim mesmo (talvez eu também seja um personagem imaginário), mas penso no que tento transmitir e faço de tudo para não estragá-lo. Quando eu era jovem, acreditava na expressão. Eu lera Croce, e a leitura de Croce de nada me serviu. Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo, que, se precisava de um pôr-do-sol, devia encontrar a palavra exata para o pôr-do-sol _ ou melhor, a mais surpreendente metáfora. Agora cheguei à conclusão (e essa conclusão talvez soe triste) de que não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão.
Trecho de “O Narrar uma História”, do livro “Esse Ofício do Verso”, de Jorge Luis Borges
Acho que o romance está em declínio. Acho que todos aqueles experimentos bastante ousados e interessantes com o romance _ por exemplo, a idéia de deslocamento temporal, a idéia de a história ser contada por diferentes personagens _, todos eles conduzem ao momento em que o romance não estará mais entre nós.
Mas existe algo com a história, com a narrativa, que sempre estará presente. Não creio que um dia os homens se cansarão de contar ou ouvir histórias. E se, junto com o prazer de nos ser contada uma história, tivermos o prazer adicional da dignidade do verso, então algo grandioso terá acontecido. Talvez eu seja um homem antiquado do século XIX, mas tenho otimismo, tenho esperança; e como o futuro comporta várias coisas _, acho que a épica voltará para nós. Creio que o poeta haverá de ser outra vez um fazedor. Quero dizer, contará uma história e também a cantará. E não consideraremos diversas essas duas coisas, tal como não pensamos que são diversas em Homero ou em Virgílio.
Trecho de “O Enigma da Poesia”, do livro ‘Esse Ofício do Verso”, de Jorge Luis Borges
Penso que a primeira leitura de um poema é a verdadeira, e depois disso que nos iludimos acreditando que a sensação, a impressão, se repete. Mas, como disse, pode ser mera fidelidade, mero truque da memória, mera confusão entre nossa paixão e a paixão que sentimos uma vez. Portanto, pode-se dizer que a poesia é uma experiência nova a cada vez. Cada vez que leio um poema, a experiência acaba ocorrendo. E isso é poesia. (...) Uma vez escrito, esse verso não me serve mais, porque, como já disse, esse verso me veio do Espírito Santo, do subconsciente, ou talvez de algum outro escritor. Muitas vezes descubro que estou apenas citando algo que li tempos atrás, e isto se torna uma redescoberta. Melhor seria, talvez, que os poetas fossem anônimos. (...) Para concluir, trago uma citação de Santo Agostinho que, a meu ver, vem bem a calhar. Disse ele; “O que é o tempo? Se não me perguntam o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam o que é, então não sei”. Sinto o mesmo em relação à poesia.
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", Jornal O Globo, 17 de fevereiro de 2001)
Pedro Maciel é autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil
pedro_maciel@uol.com.br
Por Pedro Maciel
É lugar comum situar Borges como o pai da literatura fantástica latino-americana, ou como um reinventor de lendas e fábulas medievais. Em sua “Autobiografia” (1899-1970) escrita com Norman Thomas de Giovanni, Borges declara que a sua obra de estréia “Fervor de Buenos Aires”, “era essencialmente romântica.” E prossegue: “Tenho a sensação de que tudo o que escrevi depois não foi mais do que o desenvolvimento de temas apresentados em suas páginas; sinto que durante toda minha vida estive reescrevendo este único livro.” Toda literatura é uma reescritura (paródia).
No plano espiritual o autor de “Ficções” é discípulo de Chesterton, Wells, Poe, Conrad, Kafka, Stevenson, Kipling, entre outros. É comum também considerá-lo como um bruxo que habitou a torre de Babel (o universo) para investigar os mistérios do “Livro da Criação”.
Em “Esse Ofício do Verso”, organizado por Calim-Andrei Mihailescu, reunião de seis palestras consideradas perdidas pelos seus biógrafos, nota-se que a poesia é o que norteia o seu credo literário: “o fato central de minha vida foi a existência das palavras e a possibilidade de tecê-las em poesia.” Esses testemunhos foram proferidos na Universidade de Harvard no outono de 1967. Borges trata de vários temas, como os enigmas da poesia, a metáfora, o narrar de uma história, a tradução e a música das palavras. Proferiu essas palestras sem a ajuda de notas, já que a sua visão o impossibilitava de ler. Nelas, exalta os seus antepassados, os seus sonhos; dialoga com Homero, Virgílio, o Alcorão, a Bíblia e discute com os seus autores preferidos como Cervantes, Shakespeare, Keats, Poe e Whitman.
Borges mistificou os leitores ao imitar vários idiomas de épocas distintas. Escreveu ensaios sobre livros que nunca foram escritos. Inventou histórias que poderiam ser reais. Imaginou biografias de autores que nunca existiram. É antes de tudo um autor satírico, autor exemplar de idéias, arquiteto de labirintos, descobridor do fantástico no real.
Adepto da ficção absurdamente elaborada. De estilo imprevisível; alterna humor, erudição, deslumbramento e ironia. Sobre a construção de sua estética, Borges anota no prólogo do livro “Elogio da Sombra” que “não sou possuidor de nenhuma estética. O tempo ensinou-me algumas astúcias: evitar os sinônimos, que têm a desvantagem de sugerir diferenças imaginárias; evitar hispanismos, argentinismos, arcaísmos e neologismos; preferir as palavras habituais às palavras assombradas; intercalar em um relato traços circunstanciais, exigidos agora pelo leitor; simular pequenas incertezas, já que, se a realidade é precisa, a memória não o é; narrar os fatos (isto aprendi em Kipling e nas sagas da Islândia) como se não os entendesse totalmente. Tais astúcias ou hábitos não configuram certamente uma estética. Além do mais, descreio das estéticas. Em geral, não passam de abstrações inúteis...”
Estudioso do mundo metafísico, “dos mortos que perduram em mim”, da linguagem, das instituições, da pátria, do tempo, dos seres imaginários, do sonho dos heróis, da perplexidade do homem moderno, da vida que provavelmente sucede a morte.
No poema “O Nosso”, o autor argentino revela alguns temas que o perseguiram por toda vida: “Amamos o que não conhecemos, o já perdido./ O bairro que foi arredores./ Os antigos que não nos decepcionarão mais/ porque são mito e esplendor./ Os seis volumes de Schopenhauer que jamais terminamos de ler./ A saudade, não a leitura, da segunda parte do Quixote./ O Oriente que, na verdade, não existe para o afegão, o persa ou o tártaro./ Os mais velhos, com quem não conseguiríamos/ conversar durante um quarto de hora./ As mutantes formas da memória, que está feita do esquecido./ Os idiomas que mal deciframos./ Um ou outro verso latino ou saxão que não é mais do que um hábito./ Os amigos que não podem faltar porque já morreram./ O ilimitado nome de Shakespeare./ A mulher que está a nosso lado e que é tão diversa./ O xadrez e a álgebra, que não sei.”
Quase tudo já se falou do escritor que conta/canta a história da eternidade. Do ensaísta que se transforma em contista, do historiador que recupera o memorialista, do biógrafo que inventa o ficcionista e do poeta que sucede ao lingüista.
Também já se falou muito do Borges como narrador e personagem de suas histórias. Mas é o próprio Borges, autor do texto “Borges e Eu”, incluído em “O Fazedor”, que narra para o leitor os dois Borges fundamentais: “Eu permanecerei em Borges, não em mim (se é que sou alguém), mas me reconheço menos em seus livros do que em muitos outros ou do que no laborioso rasqueado de uma guitarra. Há alguns anos tentei livrar-me dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de Borges e terei que imaginar outras coisas. Assim minha vida é uma fuga e tudo eu perco e tudo é do esquecimento, ou do outro. Não sei qual dos dois escreve esta página”.
Borges decifra a identidade do Eu através dele mesmo, no momento em que ele sabe para sempre quem é. O outro, o duplo, o infinito, o espelho, o reflexo, a reflexão, fazem parte de um jogo enigmático e que pode revelar a linguagem contida na enciclopédia borgeana.
O autor de “Biblioteca Pessoal” criou textos/variações sobre o mesmo tema para recuperar a idéia do “outro”; ele enxergou o seu outro, que é o seu eu. Na obra de Borges, os espelhos são abomináveis, “porque multiplicam o número de homens”, refletem o inferno, os crepúsculos, o não-lugar, a hora sem metáfora, os labirintos, os tigres, a dispersão do sono e dos sonhos, a misteriosa vida humana.
Borges releu a biblioteca da humanidade com o objetivo de confirmar a inexistência do conceito de originalidade e, talvez, verificar que “os grandes versos da humanidade não foram ainda escritos. Essa é a imperfeição de que alegra-se nossa esperança”.
Trecho de “O Credo de um Poeta”, do livro “Esse Ofício do Verso”, de Jorge Luis Borges
Quando escrevo, tento ser fiel ao sonho e não às circunstâncias. Claro, em minhas histórias (dizem-me que devo falar sobre elas) há circunstâncias verdadeiras, mas de algum modo senti que essas circunstâncias deviam ser contadas com certo quinhão de inverdade. Não há satisfação em contar uma história como realmente aconteceu. Temos de mudar as coisas, ainda que as achamos insignificantes; caso contrário, não devemos nos tomar como artistas, mas talvez como meros jornalistas ou historiadores. Embora suponha que todos os verdadeiros historiadores soubessem que podiam ser tão imaginativos quanto os romancistas. Por exemplo, quando lemos Gibbon, o prazer que desfrutamos dele é bastante afim ao prazer que desfrutamos da leitura de um grande romancista. Suponho que ele tivesse de imaginar as circunstâncias. Há de ter tomado a si mesmo como tendo criado, num certo sentido, o declínio e a queda do Império Romano. E o fez de modo tão magnífico que não me interessa aceitar nenhuma explicação.
(...) Quando escrevo, não penso no leitor (porque o leitor é um personagem imaginário) e não penso em mim mesmo (talvez eu também seja um personagem imaginário), mas penso no que tento transmitir e faço de tudo para não estragá-lo. Quando eu era jovem, acreditava na expressão. Eu lera Croce, e a leitura de Croce de nada me serviu. Eu queria expressar tudo. Pensava, por exemplo, que, se precisava de um pôr-do-sol, devia encontrar a palavra exata para o pôr-do-sol _ ou melhor, a mais surpreendente metáfora. Agora cheguei à conclusão (e essa conclusão talvez soe triste) de que não acredito mais na expressão: acredito somente na alusão.
Trecho de “O Narrar uma História”, do livro “Esse Ofício do Verso”, de Jorge Luis Borges
Acho que o romance está em declínio. Acho que todos aqueles experimentos bastante ousados e interessantes com o romance _ por exemplo, a idéia de deslocamento temporal, a idéia de a história ser contada por diferentes personagens _, todos eles conduzem ao momento em que o romance não estará mais entre nós.
Mas existe algo com a história, com a narrativa, que sempre estará presente. Não creio que um dia os homens se cansarão de contar ou ouvir histórias. E se, junto com o prazer de nos ser contada uma história, tivermos o prazer adicional da dignidade do verso, então algo grandioso terá acontecido. Talvez eu seja um homem antiquado do século XIX, mas tenho otimismo, tenho esperança; e como o futuro comporta várias coisas _, acho que a épica voltará para nós. Creio que o poeta haverá de ser outra vez um fazedor. Quero dizer, contará uma história e também a cantará. E não consideraremos diversas essas duas coisas, tal como não pensamos que são diversas em Homero ou em Virgílio.
Trecho de “O Enigma da Poesia”, do livro ‘Esse Ofício do Verso”, de Jorge Luis Borges
Penso que a primeira leitura de um poema é a verdadeira, e depois disso que nos iludimos acreditando que a sensação, a impressão, se repete. Mas, como disse, pode ser mera fidelidade, mero truque da memória, mera confusão entre nossa paixão e a paixão que sentimos uma vez. Portanto, pode-se dizer que a poesia é uma experiência nova a cada vez. Cada vez que leio um poema, a experiência acaba ocorrendo. E isso é poesia. (...) Uma vez escrito, esse verso não me serve mais, porque, como já disse, esse verso me veio do Espírito Santo, do subconsciente, ou talvez de algum outro escritor. Muitas vezes descubro que estou apenas citando algo que li tempos atrás, e isto se torna uma redescoberta. Melhor seria, talvez, que os poetas fossem anônimos. (...) Para concluir, trago uma citação de Santo Agostinho que, a meu ver, vem bem a calhar. Disse ele; “O que é o tempo? Se não me perguntam o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam o que é, então não sei”. Sinto o mesmo em relação à poesia.
(Publicado no caderno "Prosa & Verso", Jornal O Globo, 17 de fevereiro de 2001)
Pedro Maciel é autor do romance “A Hora dos Náufragos”, Ed. Bertrand Brasil
pedro_maciel@uol.com.br
Fonte: Cronocópios Literatura e Arte no Plural
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