Por Fábio Oliveira Nunes
Quando criança, lembro-me de uma coisa que hoje não teria o menor sentido: algumas fitas cassetes eram vendidas com uma caixinha especialmente preparada para que se pudesse gravar uma mensagem sonora e enviar pelo correio ao seu destinatário. Parecia ser algo muitíssimo inovador naquela época: poder domesticamente gravar músicas, vozes, momentos sonoros – antes da popularização de uma série de tecnologias mais recentes, as fitas cassetes nos faziam editores, produtores de conteúdos sonoros em minúscula escala.
A oralidade sempre tendeu a disseminar-se como um vírus tão poderoso quando a própria linguagem: as heranças trazidas pela oralidade se confundem hoje com o papel que o rádio possui nos nossos dias. A palavra falada e transmitida, que até o tempo das novelas de rádio nos fazia criar imagens mentais, hoje existe como narração do mundo das imagens – ouvimos rádio (seja convencional ou on-line) quando vemos ou fazemos algo com o restante dos nossos sentidos. E o sucesso de grande parte dos podcasts é justamente isso: passamos horas na frente das nossas máquinas, momentos em que não podemos simplesmente negligenciar nossa avidez sonora ao barulhinho que o cooler faz resfriando o processador que calcula cada pixel de sua tela. Somos ávidos pelo som. Sons que no caso dos podcasts, podem ser subversivos, mambembes, introspectivos, musicais, radiofônicos e quase sempre, independentes. Os podcasts – na maioria das vezes – não estão ligados a empresas de comunicação, muito menos dependem de grande estrutura para estarem disponíveis: qualquer pessoa com conhecimentos e softwares mínimos estará apta e livre para suas “transmissões”. É só fazer o arquivo em áudio e disponibilizá-lo. Aí mora o caráter independente da coisa.
Entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, os poetas Omar Khouri, Paulo Miranda e Carlos Valero capitanearam uma série de experimentações sonoras oriundas das influências da poesia concreta com a participação de vários concretistas e outros poetas simpáticos à causa, entre eles, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Augusto de Campos, Luiz Antônio Figueiredo, Sonia Fontanezi, Tadeu Jungle e Zéluiz Valero, além dos próprios organizadores. Experimentações evidentemente independentes, com intuito maior de serem difundidas a poucos e bons ouvintes, organizadas em duas revistas: a Balalaica e a ARTERIV (Artéria 4). Ambas foram produzidas no estúdio-residência de Carlos Valero, em São Paulo, e não possuam mais do que uma centena de cópias cada uma.
Balalaica foi produzida em 1979 e lançada em 1980. Simples, possuía dentro do invólucro da própria fita cassete, informações impressas sobre o material. Já ARTERIV produzida em 1980, teve mais requintes: a fita era acompanhada de um estojo em serigrafia e texto-editorial de Luiz Antônio Figueiredo, trazendo também um caderno em impressão reprográfica, com imagens parafraseando os sons de cada faixa, apresentando a visualidade como inspiração-produto, caminho paralelo de diversos poemas presentes. Assim como outros números de Artéria (vide o oitavo de 2003, disponível em http://www.arteria8.net/), o quarto buscou um universo de múltiplas linguagens, intersemiótico. Ao mesmo tempo em que há o flerte com a rádionovela, as aulas dos audiobooks e a música de engajamento de outrora, há poemas sonoros não-verbais, ruídos aos ouvidos desatentos.
Mais de 20 anos depois, as faixas das fitas cassetes foram remasterizadas por Cid Campos e Marcelo Brissac e, depois, transformadas e organizadas em stremming (áudio para a web nos formatos Real Media e Windows Media) por Elson Fróes, poeta, pesquisador da poesia sonora e responsável pelo interessante site Pop Box (http://paginas.terra.com.br/arte/PopBox/). Em 2006, as revistas emergem na rede Internet trazendo todo material sonoro na íntegra, estando a Balalaica disponível através de http://www.nomuque.net/balalaica e ARTERIV disponível no endereço http://www.nomuque.net/arteria4 . Mais do que um acervo histórico de um momento da poesia sonora, as duas revistas são inspiradoras de novos caminhos sonoros, caminhos a serem percorridos sob a forma simples e mundialmente acessível de um podcast, claro!Fábio Oliveira Nunes é artista multimídia e webdesigner. É também doutorando em artes na ECA-USP, pesquisando sobre arte e novas tecnologias e mestre em multimeios na UNICAMP. Desde 1999, desenvolve projetos de web arte na rede Internet. É autor do site Web Arte no Brasil (http://www.fabiofon.com/webartenobrasil) e co-organizador do site Artéria 8 (http://www.arteria8.net/). Site pessoal: http://www.fabiofon.com/ . E-mail: mailto:fabiofon@hotmail.com.
Fonte: CRONÓPIOS - Literatura e Arte no Plural
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