26/6/2006 21:51:00In-ex
Por Sandra Mara Corazza
Por Sandra Mara Corazza
I.
caranguejo de lado, impulso pra trás
aparelho nos dentes, prisão de ventre, arroz de leite
metamorfose sucede, grão no vento
noite de São João, Repórter Esso, cinema ao ar livre
mundo entortado, futuro forçado
LPs, galocha, sapatos Clark, japona Renner, soutien na gaveta
militante invisível, mutilação furiosa
conjunto de helanca, nylon, minissaia escandalosa
coração queimado, sonho saturado
Lee, topless, volta-ao-mundo, botinha sem meia
visgo no muro, furúnculo na rosácea
bicicleta Monark, Emulsão de Scott, Óleo de Rícino
torturado em pânico, medo que invade, prazeres oblíquos
Regulador Xavier, Colubiazol, Elixir Paregórico
Biotônico, Cacique, Cruzeiro, Werther
Mundo da Criança, Tesouro da Juventude, Ema Bovary
olhos abertos demais e amor fora de si
não vêm mais...
II.
Gilberte, Albertine, Odete, Bergotte, Saint-Loup
penélope às avessas, formas castiças
Sissi a Imperatriz, Barbarella, La Dolce Vita
gosto pelo que corre, rios, esgotos
a lava, bílis, sangue, esperma, palavras
a mulher que fugiu de cavalo, cadela ovelheira, Bibiana
Visconti, Blow Up, Easy Rider, 2001, Ben Hur
pantalona, Saint-Tropez, kanekalon, bata indiana
anticoncepcional, AI 5, hippies, UNE, Jovem Guarda
humano miserável, espetáculo estatuado, estouro inabitual
Lambretta, Wolkswagen, Aero-Willys, Gordini
romance em fumigação, bruma no terror
Monet, Ópera de Paris, Garrincha, Maio de 68
rebolado da pena, aperto no peito, tratos à bola, pau-mandado
Bossa-Nova, Bob Dylan, Chico, Vinicius, Drummond
proibido dizer azar e desgraçado, corpo encantado e estupefato
Marilyn Monroe, suavidade de Grace Kelly, Andy Warhol
James Dean, Elvis Presley, Beatles, Woodstock
angústia do escuro, alhos por bugalhos, labirinto raivoso
Argélia, Balbec, Méséglise e Posto Zootécnico
não vêm mais...
III.
sol lambe o cão, piolho no forro
Gagarin, Guerra Fria, 007, Cuba, Muro de Berlim
cadáver lambe o pó, mineração de errância
Getúlio, Jânio, Kubitschek, Escola de Frankfurt
texto lambe paixão, um ainda não, cenas mudas
nossa revolução, marxismo, exílios, milicos
Primavera de Praga, Che Guevara, Vietnã
crime lambe sem dó, andanças de figuras
Jango, Paulo Freire, Luther King, Mao Tsé-tung
grama transtorna raiz, meticulosa lacuna
Kennedy, Picasso, Sartre, Simone, Transviada
música transtorna paisagem, quimeras minotaurinas
Hair, Belle de Jour, Mrs. Robinson, anti-psiquiatria
embriaguez transtorna sensações, aparições fugitivas
Breakfast at Tiffany`s, Esperando Godot, biblioteca do Príncipe
grito perde o silêncio e espessura sem saída do espelho
não vêm mais...
IV.
ventosas na bochecha, a mina de pulgas suga
unha raspa ferrugem, a urna preta guarda
matéria se esvai, o duplo se arrasta
Grete toca violino, a petiça vira salsicha
anjo carrega filigrana, a luz azul fria e tranqüila
vergonha de falar, a virulência dos carnês
furor dos cadernos, a orgia dos rodapés
margens escritas, as tiras intercaladas
sanfonas de papel no manuscrito, a linguagem afogada
mamilos brancos, o que mal escuto e mal digo
açude ao sol, à tempestade o eucalipto, potência de infinito
brinquedo que me deste, serenata, a nossa música no baile
cheiro de esterco, o que bebo e saboreio
espíritos na cortina, o desfaço-me em ti
aparador de raiva, a zombaria da escrita
pedido que o leitor não leve a sério
o buquê de relâmpagos dessa bufona
não vêm mais...
V.
fogão à lenha, sebe de espinhos, agregados anômalos
ninho de cobras, jogo do insólito, pensamento itinerante
pereira da horta, sed non satiata, relação exorbitante
azul salino do mar, nervura do umbral, dissimetria irreversível
linho, seda, cedro, ouro, mel, ambrosia, movimento de procura
caixa de costura, garras das Harpias, murmúrio inesgotável
gatos árabes, ânfora grega quebrada, exigência de descontinuidade
vitrola da saleta, cena profanatória, provocação ao desconhecido
fantasmas no galpão, touro nos fundos do quintal, tesouro verbal
bacia de porcelana do primeiro banho, penico embaixo da cama
orgulho do avô e da avó, cabeça de osso pra sopa, filha boba
a esperança que só eu tive, dissolvida no que se arruína
tu, amassado, torneado, desobrado e sem cansaço
não vêm mais...
E viriam por quê?
A morte é in-extinguível.
Sandra Mara Corazza é licenciada em Filosofia e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta da Faculdade de Educação da UFRGS. Trabalha com a filosofia da diferença. Orienta Mestrado e Doutorado. Pesquisa a infância contemporânea, junto ao CNPq. Publicou, além de artigos em revistas especializadas e capítulos em livros: Tema gerador: concepção e práticas (1992), Poder-saber e ética da escola (1995), 4 vidas, 4 estilos, a mesma paixão (1996, co-autoria), História da infância sem fim (2000), pela Unijuí; O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação (2001), Infância & educação: era uma vez... quer que conte outra vez? (2002), pela Vozes; Para uma filosofia do inferno na educação: Nietzsche, Deleuze e outros malditos afins (2002), Composições, (2003, co-autoria) e Linhas de escrita (2004, co-autoria), pela Autêntica; Uma vida de professora, pela Unijuí (2005); Artistagens: filosofia da diferença e educação, pela Autêntica (2006, no prelo). Fonte: Cronocópios - http://www.cronopios.com.br/
aparelho nos dentes, prisão de ventre, arroz de leite
metamorfose sucede, grão no vento
noite de São João, Repórter Esso, cinema ao ar livre
mundo entortado, futuro forçado
LPs, galocha, sapatos Clark, japona Renner, soutien na gaveta
militante invisível, mutilação furiosa
conjunto de helanca, nylon, minissaia escandalosa
coração queimado, sonho saturado
Lee, topless, volta-ao-mundo, botinha sem meia
visgo no muro, furúnculo na rosácea
bicicleta Monark, Emulsão de Scott, Óleo de Rícino
torturado em pânico, medo que invade, prazeres oblíquos
Regulador Xavier, Colubiazol, Elixir Paregórico
Biotônico, Cacique, Cruzeiro, Werther
Mundo da Criança, Tesouro da Juventude, Ema Bovary
olhos abertos demais e amor fora de si
não vêm mais...
II.
Gilberte, Albertine, Odete, Bergotte, Saint-Loup
penélope às avessas, formas castiças
Sissi a Imperatriz, Barbarella, La Dolce Vita
gosto pelo que corre, rios, esgotos
a lava, bílis, sangue, esperma, palavras
a mulher que fugiu de cavalo, cadela ovelheira, Bibiana
Visconti, Blow Up, Easy Rider, 2001, Ben Hur
pantalona, Saint-Tropez, kanekalon, bata indiana
anticoncepcional, AI 5, hippies, UNE, Jovem Guarda
humano miserável, espetáculo estatuado, estouro inabitual
Lambretta, Wolkswagen, Aero-Willys, Gordini
romance em fumigação, bruma no terror
Monet, Ópera de Paris, Garrincha, Maio de 68
rebolado da pena, aperto no peito, tratos à bola, pau-mandado
Bossa-Nova, Bob Dylan, Chico, Vinicius, Drummond
proibido dizer azar e desgraçado, corpo encantado e estupefato
Marilyn Monroe, suavidade de Grace Kelly, Andy Warhol
James Dean, Elvis Presley, Beatles, Woodstock
angústia do escuro, alhos por bugalhos, labirinto raivoso
Argélia, Balbec, Méséglise e Posto Zootécnico
não vêm mais...
III.
sol lambe o cão, piolho no forro
Gagarin, Guerra Fria, 007, Cuba, Muro de Berlim
cadáver lambe o pó, mineração de errância
Getúlio, Jânio, Kubitschek, Escola de Frankfurt
texto lambe paixão, um ainda não, cenas mudas
nossa revolução, marxismo, exílios, milicos
Primavera de Praga, Che Guevara, Vietnã
crime lambe sem dó, andanças de figuras
Jango, Paulo Freire, Luther King, Mao Tsé-tung
grama transtorna raiz, meticulosa lacuna
Kennedy, Picasso, Sartre, Simone, Transviada
música transtorna paisagem, quimeras minotaurinas
Hair, Belle de Jour, Mrs. Robinson, anti-psiquiatria
embriaguez transtorna sensações, aparições fugitivas
Breakfast at Tiffany`s, Esperando Godot, biblioteca do Príncipe
grito perde o silêncio e espessura sem saída do espelho
não vêm mais...
IV.
ventosas na bochecha, a mina de pulgas suga
unha raspa ferrugem, a urna preta guarda
matéria se esvai, o duplo se arrasta
Grete toca violino, a petiça vira salsicha
anjo carrega filigrana, a luz azul fria e tranqüila
vergonha de falar, a virulência dos carnês
furor dos cadernos, a orgia dos rodapés
margens escritas, as tiras intercaladas
sanfonas de papel no manuscrito, a linguagem afogada
mamilos brancos, o que mal escuto e mal digo
açude ao sol, à tempestade o eucalipto, potência de infinito
brinquedo que me deste, serenata, a nossa música no baile
cheiro de esterco, o que bebo e saboreio
espíritos na cortina, o desfaço-me em ti
aparador de raiva, a zombaria da escrita
pedido que o leitor não leve a sério
o buquê de relâmpagos dessa bufona
não vêm mais...
V.
fogão à lenha, sebe de espinhos, agregados anômalos
ninho de cobras, jogo do insólito, pensamento itinerante
pereira da horta, sed non satiata, relação exorbitante
azul salino do mar, nervura do umbral, dissimetria irreversível
linho, seda, cedro, ouro, mel, ambrosia, movimento de procura
caixa de costura, garras das Harpias, murmúrio inesgotável
gatos árabes, ânfora grega quebrada, exigência de descontinuidade
vitrola da saleta, cena profanatória, provocação ao desconhecido
fantasmas no galpão, touro nos fundos do quintal, tesouro verbal
bacia de porcelana do primeiro banho, penico embaixo da cama
orgulho do avô e da avó, cabeça de osso pra sopa, filha boba
a esperança que só eu tive, dissolvida no que se arruína
tu, amassado, torneado, desobrado e sem cansaço
não vêm mais...
E viriam por quê?
A morte é in-extinguível.
Sandra Mara Corazza é licenciada em Filosofia e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta da Faculdade de Educação da UFRGS. Trabalha com a filosofia da diferença. Orienta Mestrado e Doutorado. Pesquisa a infância contemporânea, junto ao CNPq. Publicou, além de artigos em revistas especializadas e capítulos em livros: Tema gerador: concepção e práticas (1992), Poder-saber e ética da escola (1995), 4 vidas, 4 estilos, a mesma paixão (1996, co-autoria), História da infância sem fim (2000), pela Unijuí; O que quer um currículo? Pesquisas pós-críticas em educação (2001), Infância & educação: era uma vez... quer que conte outra vez? (2002), pela Vozes; Para uma filosofia do inferno na educação: Nietzsche, Deleuze e outros malditos afins (2002), Composições, (2003, co-autoria) e Linhas de escrita (2004, co-autoria), pela Autêntica; Uma vida de professora, pela Unijuí (2005); Artistagens: filosofia da diferença e educação, pela Autêntica (2006, no prelo). Fonte: Cronocópios - http://www.cronopios.com.br/
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