
EUROPEU É O PRÓXIMO OBJECTIVO DO JUDOCA PORTUGUÊS
VITÓRIA EM PORTUGAL TEVE UM SABOR ESPECIAL
Em apenas 15 dias arrecadou duas medalhas de ouro em Taças do Mundo, mas pretende continuar a brilhar já no próximo mês, no Europeu da Finlândia, onde promete lutar por um lugar entre os sete primeiros. Em entrevista ao «ND», ainda no rescaldo da prova do passado fim-de-semana, em Lisboa, João Neto fala da emoção que sentiu no pavilhão da Luz, reflecte sobre as expectativas futuras e reclama um maior apoio para os judocas nacionais, considerando “obsoletos” os actuais critérios de integração de atletas no Projecto Olímpico. José GuedesAcaba de conquistar o ouro na etapa portuguesa da Taça do Mundo. Qual é a sensação?Ganhei outra medalha de ouro há menos de um mês na Bielorrusia mas reconheço que esta vitória em Portugal teve um sabor especial. Em primeiro lugar, o impacto mediático surpreendeu-me... as pessoas viram a prova em directo na televisão e na rua muita gente sabe que eu fiquei em primeiro. Isso é muito gratificante. Depois, ganhar a jogar em casa e com o apoio do público, que tanto me ajudou, é uma sensação muito agradável. Na Bielorrússia cantei o hino sozinho, na Luz todos o cantaram comigo... foi especial.Esta medalha significa mais ou menos do que as outras?Ganhar é sempre ganhar, seja qual for o país onde essa vitória é conquistada, mas, como referi, esta foi especial por ter sido ganha em Portugal. Além do mais, tinha a minha família, namorada e amigos a apoiar-me no pavilhão. No entanto, não considero que esta tenha sido uma vitória «do outro Mundo», já que não estiveram cá todos os melhores atletas do Mundo. Já participei em torneios onde lutei com atletas mais difíceis. No Mundial em que fiquei na terceira posição, fiz seis combates e estavam lá todos no mesmo dia. Ficar em terceiro no Mundial é mais importante do que terminar em primeiro numa Taça do Mundo. Tinha ganho a medalha de ouro na Bielorrússia 15 dias antes. Acreditava que podia repetir a proeza em Lisboa?Sabia que tinha muitas possibilidades de chegar ao pódio porque conhecia os atletas que estariam em Portugal e tinha a noção daqueles a quem poderia ganhar e dos que me colocariam maiores dificuldades. Sabia que, se as coisas corressem bem, no mínimo conseguiria ficar entre o quinto e o terceiro lugares. Mas o judo é sempre uma incerteza porque uma pequena desconcentração pode resultar numa derrota. Felizmente venci a prova.Estava nervoso?Sim. Estava particularmente nervoso. Eu e o João Pina devemos ser aqueles que as pessoas melhor conhecem porque fomos aos Jogos Olímpicos e isso, parecendo que não, aumentava a responsabilidade. O receio de defraudar as expectativas de um pavilhão que tinha todos os olhos colocados em nós não é algo que possa ser encarado sem algum nervosismo. Além disso, a minha namorada veio de Seia para me ver e os meus amigos de Coimbra também viajaram para Lisboa de propósito às 6 da manhã com cartazes de apoio... não queria decepcionar ninguém. Por outro lado, também tenho um concorrente de peso em Portugal – o Diogo Lima – e sabia que também ele tinha capacidade para ficar em primeiro, o que me obrigava a não pensar só em mim mas também no que ele iria fazer. Sentiu que o público aderiu em força ou estava à espera de mais?Acho que já foi bom, mas, em vez de 1600 pessoas, poderiam ter lá estado três mil...o pavilhão tinha lugar para mais. De qualquer forma, penso que foi um evento de grande sucesso... desde a organização - que até recebeu os elogios da União europeia de Judo – ao hotel onde ficámos instalados, passando pelo pavilhão - que beneficia de condições fenomenais - tudo foi espectacular. Foi a melhor prova em que participei este ano. Depois das últimas conquistas na Taça do Mundo, passou da 45º posição do ranking internacional para a sexta em apenas 15 dias. Estava à espera de uma ascensão tão repentina?Não me identificava com a 45º posição. O que se passou é que, em 2005, estive mais concentrado nos estudos e abdiquei um pouco da alta competição. Ou seja, treinava sempre à tarde e fazia os meus treinos matinais com alguma regularidade, para além de participar em algumas competições – até fiquei em terceiro numa prova da Taça do Mundo – mas o empenho não era exactamente o mesmo, porque o meu principal objectivo era terminar o quarto ano da faculdade. Sei que sou um dos melhores judocas e o normal seria estar entre os primeiros 15 ou 20. Por isso, já contava ascender no ranking. Mas que isso aconteceria em tão pouco tempo, com duas vitórias na taça do Mundo...confesso que não estava à espera. Como viu a performance dos restantes judocas portugueses na prova de Lisboa?Todos estiveram muito bem e qualquer um deles tem uma grande margem de progressão. Acho que estão todos de parabéns. Por isso mesmo, sou da opinião que muitos deles deveriam entrar no projecto olímpico (apenas João Neto, João Pina e Renato Morais estão integrados). Os actuais critérios estão obsoletos e são ridículos... exigentes demais. Acho que estes atletas têm muito mérito e merecem que se olhe para eles de outra maneira. Bolsas de 250 ou 300 euros para judocas que treinam como eles... é ridículo.Acha que não se está a dar o devido valor aos jovens que têm aparecido no Judo nacional...Quando eu entrei para o Projecto Olímpico, bastava-me tirar uma medalha num torneio Super A ou duas medalhas nos Torneios A (actuais Taças do Mundo) para integrar o nível 2. Todos eles têm essas medalhas e não vão entrar. As regras foram alteradas e estão muito mais exigentes. Num país como o nosso, não se justifica esse grau de exigência. “Terminar entre os primeiros sete”Depois dos dois últimos resultados a sua atenção está agora voltada para o Europeu da Finlândia que se realiza já em Maio...Vou centrar todas as minhas atenções no Europeu e procurar fazer o meu melhor.E qual seria o seu melhor?Se tudo correr bem, acho que poderei terminar entre os primeiros sete. Esse é o meu objectivo. Depois do Europeu, terá de começar a pensar no apuramento para os Jogos olímpicos. Acredita que vai estar em Pequim?Sim, esse é o meu grande objectivo e tenho qualidade para conseguir fazer os mínimos. Mas antes dos Jogos Olímpicos ainda teremos o Europeu de 2007 e o Mundial do Rio de Janeiro que é de extrema importância porque, caso consiga um dos primeiros cinco lugares, garanto o apuramento directo para os Jogos, o que me permitiria concentrar-me única e exclusivamente na minha preparação, sem ter de me preocupar com a pontuação nas Taças do Mundo, à semelhança do que fiz anteriormente (em Osaka). Infelizmente, nos últimos Jogos, esse tempo de preparação acabou por não ser suficiente...Numa situação normal teria ficado no quinto lugar. Infelizmente não tive tempo suficiente de descanso entre o combate dos oitavos-de-final e o dos quartos-de-final, ao contrário do meu opositor. Lutei contra um atleta que já havia vencido anteriormente e tenho a certeza de que, se tivesse beneficiado de mais tempo de descanso, poderia ter alcançado a vitória. As suas responsabilidades aumentaram pelo facto de ter conseguido estas medalhas de ouro?Na minha cabeça, as responsabilidades continuam a ser as mesmas. Também já tive muito bons resultados na categoria de –73 e não senti mais responsabilidades por isso. A responsabilidade é sempre a mesma e não me posso sentir afectado pelas conquistas.Uma medalha nos Jogos olímpicos é uma meta?Se for a Pequim apenas posso garantir que darei o meu melhor. A verdade é que os apoios não são os ideais. Apesar de receber uma verba da Federação, não me considero um atleta profissional e não me podem exigir o mesmo que aos jogadores de futebol. Sou um atleta amador. Veja bem... a minha bolsa é exactamente a mesma do que aquela que recebia quando fui para Atenas, embora a vida esteja muito mais cara. Na prática, recebo muito menos do que há alguns anos atrás. A única boa nova que tive nesse aspecto e me tem dado outro estímulo é o facto de ter conseguido um patrocinador, o que é raro em Portugal a este nível. Gostava, até, de aproveitar esta entrevista para agradecer à Full Protein, a empresa que apostou em mim e na minha imagem. É uma atitude que deve ser elogiada porque nos dias de hoje são raros os atletas que conseguem este tipo de apoios.Com que principais dificuldades se depara um atleta de alta competição que, como você, tem aspirações a medalhas?No meu caso, encontro grandes dificuldades em garantir condições de treino ideais e apoio médico à altura, especialmente porque não estou em Lisboa, mas sim em Coimbra. Acho que Portugal ainda está a anos-luz nessa matéria. Como pode comprovar, tive de vir de Coimbra para poder ser observado pelo médico (a entrevista foi realizada no Centro de Alto Rendimento do Jamor). Na minha opinião, situações como esta não podem acontecer. Se querem que um atleta olímpico conquiste medalhas, não podem esperar que se chegue lá por milagre. É preciso que existam infra-estruturas que o apoiem. Não quero com isto dizer que as instalações do meu clube não sejam excelentes, porque são das melhores do país, mas não tenho uma sala de musculação por exemplo.
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SUCESSO
ALTA COMPETIÇÃO DÁ-NOS BAGAGEM
Está a terminar o curso de Farmácia. Sente dificuldades em conciliar a carreira desportiva com a educação?Posso resumir isso de uma forma: Acho que estou a ser um bom atleta, mas, como farmacêutico teria algumas lacunas. Apesar de ter estudado muito em casa e passado nos exames, perdi grande parte da componente prática do meu curso. Neste momento, não seria tão bom farmacêutico como judoca, mas espero que, com a experiência, lá possa vir a chegar.Depois de terminar o 5º ano, será a vez do estágio. Tendo em conta as competições que aí vêm, pondera deixá-lo para mais tarde...Acho que talvez o consiga fazer, caso solicite uma autorização ao conselho pedagógico para realizar o estágio por horas. A faculdade tem sido receptiva no que diz respeito às minhas ausências e todos sabem que não estou a mentir. É muito raro chumbar num exame e mesmo quando peço um exame especial, acabo por estudar e passar com boas notas. É precisa muita determinação para conseguir ter sucesso nas duas áreas?Sim. Mas penso que a alta competição nos dá uma bagagem que vai muito além do aspecto desportivo. Na abordagem que faço ao estudo, utilizo muito do esforço e do espírito de sacrifício da alta competição. Só preciso de fazer todos os dias algo que me distraia. Quando não treino judo, tento praticar outros desportos, como o surf ou o motocross e sou capaz de estudar das nove da manhã até às sete da tarde, sempre concentrado no que estou a fazer. Além disso, basta-me ler a matéria uma vez... fico com tudo guardado na cabeça.
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LESÃO
REGRESSO AOS TREINOS NA SEGUNDA-FEIRA
Contraiu uma lesão no final da prova em Lisboa. É preocupante?Felizmente não se trata de nada de grave. Vim a Lisboa para ser observado pelo médico e o joelho está inchado mas não tenho qualquer lesão articular, pelo que começarei a treinar normalmente a partir de segunda-feira.------------
MEDIATIZAÇÃO
NUNCA PASSEI POR ISTO
Sei que foi apanhado de surpresa pela mediatização da sua vitória. Já está cansado de tantas entrevistas?(risos) Já fiquei em terceiro num Mundial e fui sétimo nos Jogos Olímpicos e, garanto-lhe, nunca passei por isto... nem por um terço. Após o Mundial fui algo solicitado mas basta dizer que só fui uma vez à televisão. Agora, desde a primeira vitória na Taça do Mundo da Bielorrússia, já fui convidado por sete vezes. Não é normal que isto aconteça a um atleta do judo... e muito menos a mim que não estou habituado. É mais cansativo do que uma luta no tapete (risos)?É um cansaço diferente porque é psicológico... estou sempre a atender o telemóvel e a marcar entrevistas. Ainda por cima não tenho uma agenda... talvez precise de me começar a habituar
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