Um dia, eu passava numa calçada qualquer, de um bairro de classe média e vi, sentada junto ao meio-fio, uma mulher de meia-idade, bem vestida, se debulhando em lágrimas, entrecortadas de um soluço profundamente aflito.
Tive vontade de interrompê-la, interpelá-la, acudi-la, abraçá-la, sei-lá-mais-o-que para tentar alcamar aquele pranto que me parecia um grito sáido das profundezas da sua alma.
Não o fiz. Que direito tinha eu, pobre mortal passante, de interferir na dor daquela criatura que se despojava da vergonha de chorar em público, na noite da cidade, e, largando-se das amarras das convenções, expunha-se aos olhos inquisidores do povo que circulava, em direção ao shopping, seguindo seu destino, alheio ao sentimento daquela mulher madura?
Apenas me permiti comover-me e minha emoção me fez elocubrar os motivos de tanta amargura. Talvez uma doença sua ou de alguém querido a levava ao desolamento. Quem sabe uma grande decepção era a gota dágua causadora da catarse que surtava seu comportamento, ocasionando o abandono de si mesma, como se fosse uma mendiga sem nada a perder ou a pedir...
Saí dali e a perdi de vista. Mas, horas depois, meu pensamento fixara aquela triste imagem. Comecei a imaginar que ela devia chorar por alguém.Enumerei, internamente, quem teria provocado tantas lágrimas naquela mulher sensível, cuja arma de defesa se resumia ao choro convulsivo.
Um filho de vida torta? Uma briga com alguém? Teria recebido a notícia da morte de um amigo? Estaria com alguma doença grave, ou desenganada pela medicina?
Um homem a abandonara? Um amor a trocara por outro amor? Um marido a traíra? Uma amiga a ofendera?
Seu amado tinha terminado tudo? Será que ela tinha um amado?
Cada mulher de meia-idade, com certeza, terá amado e muito. Terá sonhado os sonhos que se desfizeram pelo caminho, durante sua trajetória de tentativas e erros. Aquela senhora devia ter também alguma história que, como todos os contos e novelas, encerra um punhado de razões para que cada uma chore suas mágoas, e se afogue em prantos na beira de calçadas das avenidas da vida.
Certamente, a mulher de meia-idade chora baixinho todos os dias, os anos que já se foram, e que por não poderem voltar , nunca mais trarão seus inocentes sorrisos joviais, nem suas tardes alegres em busca de diversão inconsequente. Ela sabe que o tempo implacável lhe trouxe as marcas impressas em rosto outrora viçoso, hoje, embora cuidado, incapaz de apagar de vez a cor do passado, o amarelo róseo do semblante cansado.
Alguma mulher madura chorará sem motivo?
Disse um poeta que é preciso decifrar esta mulher que traz a bagagem misturada ao olhar profundamente carregado de vivências. Muitas delas, provavelmente maravilhosas...
Ela pode chorar de saudades. Sim, eu concluí que devia atribuir a uma imensa saudade a causa do pranto daquela mulher de meia-idade.
Resolvi acabar com minhas infundadas conjecturas e defini:
A mulher que chorava, naquela noite, sentada à beira do caminho, sentia uma infinita saudade de alguém. E ponto final. Na história? Não, essa eu não conseguirei resolver nunca, porque nem a conheço e nunca mais tornei a encontrá-la. Pus, isso sim, um ponto final na minha angústia de testemunha ocular da sua dor.
Sei, definitivamente, que cada mulher de meia-idade, quando chora, é por mim. Ela chora no meu lugar. Quem sabe, ela chora também no seu? Certamente ela pranteia a impotência humana diante de uma vida repleta de desconexas razões.
A mulher de meia-idade é uma chorona profissional. Enquanto, no mundo inteiro, alguma mulher madura verte lágrimas salgando o rosto entristecido, certamente uma de nós, inconscientemente, chora com ela. Ponto final.
aparecida torneros/2004
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